Quando a hora chega é sempre um problema, porque nunca se tem certeza. Será que é a hora mesmo?
Eles foram felizes durante alguns anos; felizes mes-mo. Mas num determinado momento complicou e ela nem entendeu por quê. E quando a complicação começa, só faz aumentar.
Não que ela tivesse achado graça em alguém, e nem porque desconfiasse de que ele tivesse um casinho qualquer. Ficou ruim, apenas. Ela, que sempre foi considerada cabeça quente, resolveu ir com calma e tentou, dentro do possível, ser racional. Gostava dele ainda? Gostava; não do que ele tinha se tornado, mas do que ele havia sido, em outros tempos.
E sem ele, como seria? Aí, veio o medo. Eram tantas coisas em comum, o hábito do cotidiano, o prazer - um certo - que ainda sentia quando estava com ele. Só que o que estava ruim foi ficando pior.
Pegou um caderno e fez duas listinhas: numa página, em letras grandes, A FAVOR; na outra, CONTRA. Começou a lembrar e escrever.
A lista do A FAVOR ficou enorme, e na outra nem deu para definir o que não estava bom. Era mais uma coisa de intuição, de premonição, que dizia que era hora de ir embora. Prática, pensou nas coisas materiais: no carro importado, nas viagens, no cartão de crédito que usava sem cerimônia. Dava para viver sem? Dava; já tinha passado por fases de total dureza e nunca foi infeliz por isso. Não que não gostasse das coisas caras da vida: na sua geladeira sempre tinha duas latas de caviar de 200 gramas (cada) que a faziam se sentir segura, e em algumas tardes de domingo, no lugar de pedir uma pizza, abria uma e ia para a frente da televisão ver o que estava acontecendo no mundo. Também gostava muito, em viagem, de comprar uns trapinhos que a faziam muito feliz. Dava para viver sem? Bem, ia sentir saudades, mas não ia morrer por causa disso. E viajar em classe econômica também não mata ninguém.
Mas o que não conseguia era tomar a decisão - aliás, sempre teve horror a decisões. Pedia conselhos às amigas, se torturava mas não tinha coragem. E se fosse precipitada e depois se arrependesse? Certas decisões não têm volta, e imaginar que, talvez por uma certa tendência à autodestruição, pudesse estar jogando tudo no lixo, dava medo. Quanta gente não daria a vida para ter o que ela tem e não quer mais?
Lembrou de uma coisa que leu ou ouviu um dia: enquanto se está na dúvida, não se deve fazer nada. Por outro lado, quando se tem certeza é preciso agir logo, imediatamente. Mas será que algum dia teria certeza? Pois um dia, inesperadamente, teve.
Teve não só a certeza como a coragem de dizer tudo, com todas as palavras: não enrolou dizendo que precisava de um tempo, mas que aquele era o fim. Ele escutou com calma, não pediu para ela pensar melhor nem implorou que ficasse. Simplesmente aceitou - o que deu a ela a impressão de ter feito a coisa certa, na hora certa - talvez pela primeira vez na vida. No dia seguinte ele até pediu, mas aí já era tarde.
Soube então que para acertar é preciso ter errado muito, e que quando a hora chega mesmo é preciso estar preparada.
Sabe que vão existir dias de muita tristeza, de muita saudade, dias em que certas lembranças vão doer; dias em que vai acordar sem rumo, sem saber o que fazer nem para onde ir. Dias em que precisaria ter alguém ao lado - um homem, claro - para explicar di-rei-ti-nho que guerra é essa, para onde está indo o mundo, para dar a certeza de que um dia desses vai dar para voltar a Paris, sentar num café e ficar discutindo - e até brigando - para decidir onde vão jantar. Homem faz falta sim, mas quando a hora chega é preciso agir - antes que ela passe.
Mas é preciso estar preparada para tudo, até para quando souber que ele está com outra; a dor-de-cotovelo pode chegar, e forte. Mas uma a mais, uma a menos, qual o problema? Quantas você já teve de que nem se lembra mais?
Quando o momento chegar, vá. Vá sem medo e sem olhar para trás, porque é essa a hora de tomar nas mãos as rédeas de sua vida.
O que é muito bom.
Nenhum comentário:
Postar um comentário