Conservação dos répteis brasileiros:
os desafios para um país megadiverso
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RESUMO
Cerca de 650 espécies – 330 cobras, 230 lagartos, 50 anfisbenídeos, 6 jacarés e 35 tartarugas
– compreendem a fauna de répteis conhecida do Brasil. Somente 20 espécies são consideradas
ameaçadas. Exceto pelas tartarugas marinhas e de água doce, que sofrem com a
sobreexplotação e a destruição do habitat, elas são ameaçadas por serem raras e terem suas
áreas de distribuição extremamente restritas. Apesar de sua riqueza e diversidade, a pesquisa
sobre a fauna de répteis no Brasil está restrita, principalmente, à taxonomia alfa. Para aprimorar
nosso entendimento da biogeografia desse grupo e delinear estratégias de conservação
efetivas que preservem o potencial evolutivo das linhagens existentes são necessários
prospecções, uma base de dados eletrônica de todas as coleções herpetológicas e estudos
filogeográficos baseados nas técnicas de genética molecular. Estudos autoecológicos, de populações
e comunidades, que monitorem os efeitos da degradação, fragmentação e perda de
habitats, da poluição e da exploração também são necessários para uma melhor compreensão
dos efeitos da extensiva e cada vez pior degradação dos ecossistemas naturais do Brasil.
ABSTRACT
About 650 species - 330 snakes, 230 lizards, 50 amphisbaenids, 6 caimans, and 35 turtles - comprise
the known reptile fauna of Brazil. Only 20 are considered threatened. Except for the marine and
freshwater turtles, which suffer from overexploitation and habitat destruction, they are threatened
because of their rarity and extremely restricted ranges. Despite its richness and diversity, research on
Brazil’s reptile fauna is still largely restricted to alpha taxonomy. Surveys, an electronic database of
all herpetological collections, and phylogeographic studies based on molecular genetic techniques
are needed to improve our understanding of the biogeography of this group and to delineate effective
conservation strategies to preserve the evolutionary potential of existing lineages. Autecological,
population, and community studies that monitor effects of habitat degradation, fragmentation, and
loss, pollution, and exploitation are needed for a better understanding of the effects of the widespread
and ever-worsening degradation of Brazil’s natural ecosystems.
MEGADIVERSIDADE Volume 1 Nº 1 Julho 2005
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TAXONOMIA E CONSERVAÇÃO
O Brasil tem a fauna e flora mais ricas de toda a América
Central e do Sul, mas a maioria das informações sobre
répteis é ainda preliminar. Atualmente existem
cerca de 650 espécies de répteis no Brasil: 610 Squamata
(330 cobras, 230 lagartos, 50 anfisbenídeos), 6 jacarés
e 35 tartarugas. Esses números são de uma lista pessoal,
mas a Sociedade Brasileira de Herpetologia (SBH)
está trabalhando em uma lista consensual, de acordo
com o workshop, realizado em 2004, que avaliou a taxonomia
e a geografia dos répteis brasileiros. Embora
ainda não finalizado, o resultado dessa lista consensual
mostra um número um pouco menor, de 629 espécies.
A lista completa estará disponível na website da
Sociedade Brasileira de Herpetologia, em 2005 (SBH,
2005).
A Amazônia abriga a maioria dos lagartos e anfisbenídeos
(109 espécies). O Cerrado e a Mata Atlântica tem
70 e 67 espécies registradas, respectivamente. Os números
são menores na Caatinga (45 espécies) e áreas
de transição como o Pantanal do Mato Grosso e os campos
rupestres (cada um com 12 espécies). Se incluirmos
os enclaves de floresta úmida na Caatinga (os brejos
nordestinos do Brasil), o número de espécies sobe
para 73, comparável ao do Cerrado e da Mata Atlântica.
A Amazônia possui também a maior diversidade de
cobras (138 espécies), seguida pela Mata Atlântica (com
134), o Cerrado (117) e a Caatinga (45). A Caatinga permanece
em último lugar mesmo incluindo os brejos
nordestinos (o número sobe para 78). Os números de
espécies de cobras na Floresta Amazônica, no Cerrado
e na Mata Atlântica são similares se incluirmos na contagem
da riqueza desses biomas as espécies dos
enclaves existentes em cada um deles (as savanas na
Amazônia, as manchas de floresta Amazônica no Cerrado
e as formações abertas [savanas e campos] na Mata
Atlântica). A similaridade pode ser explicada pelas
mudanças na localização e extensão das florestas e
savanas durante o Pleistoceno e início do Holoceno
(Haffer, 2001; Wang et al., 2004). Os padrões de endemismo
entre esses biomas podem ser melhor avaliados
com a análise dos lagartos, porque muitas cobras e todos
os anfisbenídeos são secretivos, fossoriais e pouco
conhecidos. A Amazônia tem 81 lagartos endêmicos, a
Mata Atlântica, 40, a Caatinga, 25 e o Cerrado, 16. Outros
16 lagartos são endêmicos de outras formações, incluindo
dunas, restingas, campos rupestres e florestas secas.
Embora tais números dêem uma idéia das diferenças
faunísticas entre esses principais biomas, eles não
são diretamente comparáveis porque alguns grupos
complexos tendem a ser mais prevalentes em um ou
outro ecossistema, e alguns receberam revisões taxonômicas
modernas e completas (se não exaustivas). Uma
revisão do gênero Tropidurus, por exemplo, aumentou
a diversidade de espécies típicas de áreas abertas (Rodrigues,
1987; Frost et al., 2001). O mesmo ocorrerá
quando outros gêneros, como Cnemidophorus, forem revisados,
aumentando ainda mais o número de espécies
e de endemismos nas formações abertas. Da mesma
forma, as diferenças nas extensões em que cada região
e bioma foi inventariado são ainda grandes o bastante
para influenciar os números.
Exceto possivelmente pelos Crocodylia, o número de
espécies de répteis brasileiros é ainda subestimado,
devido a inventários insuficientes e ao pequeno número
de taxonomistas. As cinco maiores coleções de répteis
no país – o Museu de Zoologia (Universidade de
São Paulo); o Museu Emílio Goeldi, em Belém; o Museu
Nacional, no Rio de Janeiro; a coleção de cobras do Instituto
Butantan, em São Paulo; e a coleção herpetológica
da Universidade de Brasília – ainda precisam ser completamente
incorporadas às bases de dados eletrônicas.
Mesmo quando juntas, falham em representar
muitas áreas-chave e ecossistemas: lacunas que persistem
quando todas as coleções zoológicas do país são
consideradas. Falta a representação geográfica necessária
para revisões sistemáticas completas da maioria
dos gêneros e, conseqüentemente, qualquer certeza de
que os atuais arranjos taxonômicos fornecem um quadro
verdadeiro da diversidade.
Inventários em novas áreas, freqüentemente, revelam
novas espécies. Recentemente, descrevi dois gêneros
de lagartos gimnoftalmídeos da Mata Atlântica (Rodrigues
et al., 2005) e coletei, há pouco, um terceiro
gênero, até agora desconhecido. Além das taxonomias
precariamente definidas dos grupos mais complexos,
numerosas novas espécies estão nos laboratórios aguardando
descrição. Uma fauna de répteis endêmica das
dunas de areia da Caatinga, no médio rio São Francisco,
foi descoberta recentemente, na década de 1990
(Rodrigues, 1996, 2003). Essa descoberta resultou na
descrição de cinco novos gêneros, aumentou o numero
de espécies brasileiras da ordem Squamata para 25
espécies e revelou algumas adaptações biológicas extraordinárias,
previamente desconhecidas para a América
do Sul (Rodrigues & Juncá, 2002). Embora os répteis
da Caatinga sejam considerados como bem
pesquisados (Vanzolini et al., 1980), tais descobertas
inesperadas sugerem o quão pouco sabemos sobre os
padrões e processos responsáveis pela evolução e diferenciação
de nossa fauna. Em termos de conhecimento
MEGADIVERSIDADE Volume 1 Nº 1 Julho 2005
da diversidade biológica do Brasil, ainda estamos na
fase exploratória e nenhum grupo deve ser considerado
como tendo pouca importância biológica sem exaustivos
inventários e pesquisas de campo.
Estudos filogenéticos que utilizam técnicas moleculares
têm contribuído muito para a nossa compreensão
das linhagens dentro das espécies ou de grupos de espécies.
Eles permitiram revisões de grupos taxonomicamente
complexos, freqüentemente revelando táxons
não-identificados e facilitando a reconstrução de relações
históricas e de eventos de contatos e isolamento
entre populações e entre espécies: importante para a
identificação de linhagens isoladas ou distintas. Eles
também têm sido a chave no desenvolvimento de estratégias
de conservação, especialmente em ambientes
descontínuos ou isolados, como habitats abertos
na Amazônia (por exemplo, savanas e campinas), manchas
isoladas de florestas na Caatinga e campos na Mata
Atlântica. Estudos de um geconídeo, Gymnodactylus
darwinii, da Mata Atlântica costeira entre o Rio Grande
do Norte e São Paulo, por exemplo, demonstrou uma
acentuada variação genética que resultou na sua separação
em duas espécies e no reconhecimento de que
os maiores rios estão separando populações geneticamente
diferenciadas (Pellegrino et al., 2005).
Sistemáticas moleculares fornecem informações sobre
a genética de espécies ou de grupos de espécies
com ampla distribuição em habitats contínuos. Comparações
dos padrões divergentes de populações atualmente
isoladas em, por exemplo, manchas de florestas
no Cerrado com aqueles de populações que foram
isoladas no passado, mas que possuem ampla distribuição
hoje (p. ex., aquelas que se diferenciaram nos
refúgios florestais do Terciário ou Quaternário na Amazônia
e na Mata Atlântica) são de grande interesse para
a definição de prioridades para as unidades de conservação.
Quando suplementadas com estudos autoecológicos
e de metapopulações mais refinados, tais
ferramentas são indispensáveis para uma melhor compreensão
da dinâmica das paisagens altamente fragmentadas.
Espécies da ordem Squamata são, em geral, muito
resistentes à fragmentação do habitat. Fragmentos de
florestas isolados recentemente mantêm sua alta diversidade
por um tempo, independentemente de seu tamanho
(Freire, 2001). Entretanto, comunidades de répteis
de remanescentes florestais do Nordeste do Brasil,
isolados no Holoceno, mostram alterações aleatórias
na abundância e composição de espécies (Vanzolini,
1981). Casos similares têm sido documentados para o
Cerrado (Colli et al., 2003).
Carnaval (2002) mostrou que populações de anfíbios
nas florestas isoladas da Caatinga são pouco
diferenciadas e que podem existir diferenciações
marcantes entre as populações em grandes áreas de
floresta contínua. Compreender o grau em que isso
pode ocorrer com outras espécies é importante no
desenvolvimento de estratégias de conservação e pesquisas
sobre o assunto estão sendo conduzidas com
os lagartos arborícolas Enyalius, os gecos Coleodactylus
e os lagartinhos Leposoma. Caso padrões similares sejam
encontrados, os remanescentes florestais da Caatinga
continuarão sendo uma prioridade de conservação,
mas o objetivo será entender a diferenciação, mais
que manter o que seriam supostas populações geneticamente
diferenciadas. Não existem estudos filogeográficos
extensivos das tartarugas e jacarés (indispensáveis
para grupos complexos como o do cágado
Phrynops geoffroanus).
Quase todos os répteis brasileiros conhecidos ocorrem,
provavelmente, em uma ou mais unidades de conservação,
mas a mera manutenção de uma única população
é obviamente insuficiente para proteger a variabilidade
genética dos componentes populacionais das
espécies. Para aperfeiçoar a representação, precisamos
de um melhor entendimento de suas distribuições –
pesquisas de campo estratégicas e bases de dados eletrônicas
das coleções de museus são indispensáveis
(Graham et al., 2004).
PRINCIPAIS AMEAÇAS
A destruição do habitat é a ameaça principal. Os impactos
sobre os lagartos e as cobras, por serem terrestres,
são observados mais facilmente. Espécies florestais
são mais vulneráveis por serem incapazes de
suportar as altas temperaturas das formações abertas.
Espécies de savana e de formações abertas são mais
resistentes, mas muitas desaparecerão quando seus
habitats forem totalmente eliminados (por exemplo,
pela expansão das plantações de soja no Cerrado). Sabemos
pouco sobre os impactos da degradação ou perda
de habitats de superfície sobre os anfisbenídeos, por
eles serem subterrâneos e precariamente conhecidos.
Devido ao medo e à antipatia das pessoas, as cobras e
as anfisbenas geralmente são mortas quando encontradas.
Jacarés e tartarugas são perseguidos por suas carnes
e seus ovos. Policiamento e patrulhamento, conscientização
ambiental, melhorias na educação formal em comunidades
rurais e atividades que geram rendimento
Rodrigues 89
MEGADIVERSIDADE Volume 1 Nº 1 Julho 2005
90 Conservação dos répteis brasileiros: os desafios de um país megadiverso
alternativo têm sido componentes importantes das
estratégias de conservação para essas espécies comercialmente
importantes. Numerosos projetos governamentais
tanto para tartarugas marinhas (coordenados
pelo Centro Nacional de Conservação e Manejo de Tartarugas
Marinhas - Projeto Tamar; Ibama-Tamar, 2004)
quanto para tartarugas de água doce (anteriormente
coordenado pelo Centro Nacional de Conservação e Manejo
dos Quelônios da Amazônia - Cenaqua), e policiamento
e patrulhamento contra a caça clandestina para
a obtenção de peles de jacarés têm diminuído o declínio
da população, que era intenso na década de 1970. A
destruição dos rios, preponderante no Sul e no Sudeste
e crescendo cada vez mais no Brasil Central e no sul
e leste da Amazônia, também é uma grande ameaça.
Nos rios, a destruição de habitats é causada pela retirada
das florestas de galeria (perda de sombreamento e
de nutrientes e elevada erosão da margem), assoreamento,
poluição e envenenamento por meio de lixo
industrial e doméstico e de produtos agroquímicos.
Assoreamento e erosão destroem e modificam as margens
dos rios, as praias e os nichos térmicos onde os
jacarés nidificam. Essas ameaças são difusas e precariamente
observadas e podem, gradualmente, dizimar
populações de tartarugas e de jacarés. Devido ao fato
da diferenciação sexual dos jacarés e das tartarugas
ser determinada pela temperatura de incubação, mudanças
nas condições térmicas perto dos ninhos, devido
à degradação do habitat, podem resultar em desvios
da razão sexual, o que constitui uma ameaça por
si só.
A determinação do sexo pela temperatura de incubação
também foi registrada em alguns lagartos. Um
estudo recente sobre o lagartinho do gênero Leposoma
revelou uma razão sexual desviada para machos (Rodrigues
et al., 2002). Não existe nenhum mecanismo
cromossômico conhecido de determinação de sexo nos
Leposoma e é possível que esse desvio resulte do aumento
da temperatura de incubação em florestas com
dossel descontínuo, como é freqüentemente encontrado
em cabrucas – plantações de cacau sombreadas pelo
dossel (Rodrigues et al., 2002).
Represas hidrelétricas são, aparentemente, uma
ameaça localizada: o habitat na área do reservatório é
completamente perdido. Muitos animais resgatados durante
o enchimento dos reservatórios são levados para
florestas próximas, mesmo que os impactos na ecologia
e na biologia das populações vizinhas sejam largamente
desconhecidos (Pavan, 2002). As conseqüências
em longo prazo da alteração do fluxo do rio e do ciclo
natural de cheias, que modifica a deposição de sedimentos,
o aporte de nutrientes e a sucessão da vegetação,
também são desconhecidas. Para rios superficiais,
com grandes várzeas e ciclos distintos de inundação,
tais mudanças podem ser altamente significativas.
Os rios do Brasil, principalmente no norte, têm potencial
hidrelétrico enorme e não aproveitado. Dado a esse
potencial e ao fato das florestas de galeria terem sido
refúgios-chave durante os períodos secos do Quaternário,
as represas provavelmente exercem profundos impactos
potenciais na biologia reprodutiva das populações
das tartarugas e dos jacarés a jusante, e na estrutura
populacional de lagartos, cobras e anfisbenas. Tais impactos
podem não ser imediatamente evidentes.
Os répteis florestais de menor porte são muito suscetíveis
às mudanças do microclima, e o corte seletivo
resulta em sub-bosques mais secos (até o ponto de tornar
o solo da floresta altamente suscetível a incêndios;
Barlow & Peres, 2004). A caça é difícil de ser controlada
e causa danos prolongados às comunidades de répteis
(Jerozolimski & Peres, 2003). A mineração altera a qualidade
da água e o balanço hídrico, além de destruir e
degradar a integridade física de córregos e rios. Escavações
em leitos de rios para a busca de ouro ou de
pedras preciosas, ou para torná-los navegáveis a embarcações
maiores, afetam a dinâmica natural dos sedimentos
fluviais e destroem os locais de nidificação de
tartarugas e jacarés, afetando particularmente as tartarugas
do gênero Podocnemis (Haller, 2002; Moretti,
2004). Os agroquímicos são outra grande ameaça e
podem ser especialmente sérios em pequenas áreas
protegidas cercadas por agriculturas. Efeitos em longo
prazo são desconhecidos e precisam ser compreendidos
para delinear estratégias de conservação apropriadas.
O monitoramento de populações répteis é essencial
em situações como esta.
ESPÉCIES AMEAÇADAS
Apesar da ampla destruição da vegetação e paisagens
naturais do Brasil, somente 20 espécies de répteis estão
na lista das espécies brasileiras ameaçadas de extinção
(Ibama, 2003). A jibóia (Corallus cropani [Boidae]),
a jararaca-de-alcatraz (Bothrops alcatraz), a jararaca-ilhoa
(Bothrops insularis [Viperidae]) e a dormideira-da-queimada-
grande (Dipsas albifrons cavalheiroi [Colubridae]),
as duas últimas endêmicas da Ilha Queimada na costa
de São Paulo, estão criticamente em perigo, assim como
estão o lagarto tropidurídeo Liolaemus lutzae
(Tropiduridae) e a tartaruga-de-couro (Dermochelys
coriacea [Dermochelydae]) (Tabela 1). As principais
MEGADIVERSIDADE Volume 1 Nº 1 Julho 2005
ameaças a essas espécies são sua extrema raridade
(Corallus cropani) e distribuições muito restritas (as outras).
Estão em perigo: o lagartinho (Placosoma cipoense
[Gymnophthalmidae]), a jararaca (Bothrops pirajai
[Viperidae]), o cágado (Phrynops hogei [Chelidae]), a tartaruga-
de-pente (Eretmochelys imbircata) e a tartarugaoliva
(Lepidochelys olivacea [Cheloniidae]). As tartarugas
são ameaçadas de sobreexplotação e numerosas outras
ameaças, como a pesca com espinhel. O habitat florestal
da jararaca Bothrops pirajai é muito restrito e está
sendo destruído. O Placosoma cipoense é raro e extremamente
pouco conhecido. Sete lagartos, a tartarugaverde
e a tartaruga-cabeçuda são listados como vulneráveis.
Novamente, as tartarugas são principalmente
listadas devido à sobreexplotação ou o seu potencial, e
os lagartos têm distribuições muito restritas e habitats
ameaçados. Quatro outras espécies, duas cobras e duas
tartarugas, são consideradas quase ameaçadas e 16
táxons possuem dados insuficientes (Tabela 2).
Muitos estados do Sul e do Sudeste do Brasil, onde
a maioria das espécies ameaçadas ocorrem, têm compilado
listas de espécies ameaçadas e decretado leis
estaduais para sua proteção. As listas são publicadas
como livros vermelhos com perfis das espécies, análises
e recomendações para conservação. A primeira lista
estadual foi a do Paraná, seguida por Minas Gerais
no mesmo ano (1995). São Paulo e Rio de Janeiro elaboraram
suas listas em 1998 (ver Rylands, 1998) e o Rio
Grande do Sul em 2002 (Fontana et al., 2003). Recentemente,
o Paraná realizou uma revisão de sua lista de
espécies ameaçadas (Mikich & Bérnils, 2004).
Em 2001, o Ibama estabeleceu o Centro de Conservação
e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN; Portaria nº
058, de 24 de abril de 2001), englobando o Cenaqua
que lidava especificamente com tartarugas de água
doce. A missão do RAN concentra-se na pesquisa e conservação
de anfíbios e répteis ameaçados de extinção
e comercialmente importantes (Ibama-RAN, 2004).
TABELA 1 – Répteis da lista das espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção (Ibama, 2003) que
estão criticamente em perigo (CR), em perigo (EN) ou vulneráveis (VU), de acordo com as categorias e
critérios da União Mundial para a Natureza (IUCN) (Versão 3.1; IUCN, 2001).
CATEGORIA CRITÉRIOS
TÁXON DISTRIBUIÇÃO IUCN IUCN
Lacertilia Liolaemus lutzae Rio de Janeiro CR A1c, B1, B2c
Serpentes Bothrops alcatraz São Paulo CR B1ab(iii)
Serpentes Bothrops insularis São Paulo CR B1ab(iii)
Serpentes Corallus cropanii São Paulo CR A4b
Serpentes Dipsas albifrons cavalheiroi São Paulo CR B1ab(iii)
Testudines Dermochelys coriacea Ambiente marinho CR D
Lacertilia Placosoma cipoense Minas Gerais EN B1, B2b
Serpentes Bothrops pirajai Bahia EN B1ab(iii)
Testudines Eretmochelys imbricata Ambiente marinho EN D
Testudines Lepidochelys olivacea Ambiente marinho EN D
Testudines Phrynops hogei Rio de Janeiro, EN B1ab(iii)
Minas Gerais,
Espírito Santo
Lacertilia Anisolepis undulatus Rio Grande do Sul VU B1, B2c
Lacertilia Cnemidophorus abaetensis Bahia VU B1, B2b
Lacertilia Cnemidophorus littoralis Rio de Janeiro VU B1, B2b
Lacertilia Cnemidophorus nativo Bahia, VU B1, B2b
Espírito Santo
Lacertilia Cnemidophorus vacariensis Rio Grande do Sul, VU B1a, B2a
Paraná
Lacertilia Heterodactylus lundii Minas Gerais VU B1, B2b
Lacertilia Liolaemus occipitalis Rio Grande do Sul, VU B1, B2bc
Santa Catarina
Testudines Caretta caretta Ambiente marinho VU C1
Testudines Chelonia mydas Ambiente marinho VU C1
Rodrigues 91
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92 Conservação dos répteis brasileiros: os desafios de um país megadiverso
DISCUSSÃO
As áreas protegidas são a estratégia-chave para a conservação
dos répteis do Brasil: unidades de conservação
estaduais, federais e terras indígenas cobrem, aproximadamente,
23% da superfície terrestre do país
(Rylands & Brandon, 2005). Embora elas assegurem, à
primeira vista, a preservação das espécies no seu interior,
elas estão sujeitas a incêndios e a ameaças difíceis
de observar. Dependendo de seu tamanho e localização,
a extinção de pelo menos uma pequena parte de
suas espécies é inevitável.
Fatores geomorfológicos e paleoclimatológicos precisam
ser considerados tanto no desenvolvimento de
estratégias de conservação quanto nos princípios da
biologia da conservação. As comunidades biológicas de
áreas que atualmente são florestas mas que foram dominadas
por formações abertas durante o Quaternário,
estão possivelmente condenadas, mesmo que representem
uma parte única da herança evolutiva do Brasil.
É necessário definir e integrar os objetivos da conservação
a curto, médio e longo prazos para assegurar que,
ao longo do tempo, pelo menos algumas das áreas protegidas
existentes possam ser mais que somente laboratórios
de campo. Em vez disso, elas podem tornar-se
núcleos de diversidade biológica, mantendo sua capacidade
para anagênese e cladogênese.
Resultados de estudos filogeográficos realizados na
Austrália (Schneider et al., 1998; Schneider & Moritz,
1999) mostraram que áreas hoje ocupadas por flores-
TABELA 2 – Répteis considerados como quase ameaçados (NT) ou com dados insuficientes (DD) pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) (Ibama, 2003), de
acordo com as categorias e critérios da União Mundial para a Natureza (IUCN) (Versão 3.1; IUCN, 2001).
CATEGORIA
TÁXON DISTRIBUIÇÃO IUCN
Serpentes Bothrops fonsecai São Paulo, Rio de Janeiro, NT
Minas Gerais
Serpentes Clelia montana São Paulo, Rio de Janeiro, NT
Minas Gerais
Testudines Acanthochelys radiolata São Paulo, Rio de Janeiro, NT
Minas Gerais, Espírito Santo,
Bahia, Sergipe, Alagoas
Testudines Hydromedusa maximiliani São Paulo, Rio de Janeiro, NT
Espírito Santo, Minas Gerais
Lacertilia Cercosaura ocellata petersi Rio Grande Sul DD
Lacertilia Colobosauroides cearensis Ceará DD
Lacertilia Leposoma baturitensis Ceará DD
Lacertilia Stenocercus azureus Rio Grande do Sul DD
Lacertilia Stenocercus dumerilii Pará DD
Serpentes Bothrops cotiara Paraná, Santa Catarina, DD
Rio Grande do Sul
Serpentes Bothrops muriciensis Alagoas DD
Serpentes Calamodontophis paucidens Rio Grande do Sul, Santa Catarina, DD
Paraná
Serpentes Ditaxodon taeniatus Rio Grande do Sul, Paraná, DD
São Paulo, Mato Grosso do Sul
Serpentes Echinanthera cephalomaculata Alagoas DD
Serpentes Lachesis muta rhombeata Sudeste (exceto São Paulo) e DD
Nordeste (exceto Maranhão e Piauí)
Serpentes Philodryas arnaldoi Paraná, Santa Catarina, DD
Rio Grande do Sul
Serpentes Philodryas oligolepis Minas Gerais DD
Serpentes Xenodon guentheri Paraná, Santa Catarina DD
Testudines Phrynops vanderhaegei São Paulo, Goiás, Distrito Federal DD
Testudines Trachemys adiutrix Maranhão DD
MEGADIVERSIDADE Volume 1 Nº 1 Julho 2005
tas foram dominadas por formações abertas durante o
último máximo glacial. No Brasil, também sabemos que
as paisagens naturais dominantes e os padrões de clima
eram inteiramente diferentes durante o último máximo
glacial (20 a 15 mil anos atrás) e o pico do ótimo
climático (Haffer & Prance, 2001; Wang et al., 2004).
A incorporação de considerações sobre as mudanças
climáticas nas estratégias de conservação, baseadas em
uma profunda compreensão das mudanças passadas, é
vital e urgente, especialmente devido à evidência crescente
que as mudanças ocorrerão mais rapidamente que
previamente imaginadas.
A miríade de arquipélagos de fragmentos pequenos
e isolados de vegetação natural que agora prevalecem
sobre as enormes áreas do Cerrado, da Caatinga e das
florestas Amazônica e Atlântica e os inumeráveis
habitats criados devido à sua destruição e degradação,
parecem sustentar uma fauna de répteis que ainda é
muito similar às comunidades originais. Compreender
os padrões de diversidade, monitorar a variabilidade
genética das populações nesses fragmentos e comparar
as populações com aquelas isoladas em tempos diferentes
no passado seriam contribuições inestimáveis
à conservação no Brasil.
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