Não fosse apenas por coerência política – sempre votei nos candidatos do PT, na legenda do PT, mesmo não sendo exatamente um petista, porque nunca me filiei ao partido, nunca fui a um comício do partido, nunca participei da vida partidária – teria razões de sobra para não votar no ex-governador paulista, senhor José Serra.
E não é porque não simpatizo com sua figura pouco carismática, com seu jeito de fazer política. Até mesmo respeito sua história, seu “esquerdismo” do passado, sua luta contra a ditadura. Há outras razões, mais profundas, ligadas à minha própria experiência de vida e também ligadas à minha ideia de política, no sentido mais amplo do termo.
Razões políticas. Digo e repito: o PSDB, embora surgido de uma dissidência do PMDB, uma dissidência elitista em termos intelectuais, o que lhe traz algum desabono, a despeito de toda a mídia paulista, deveria ser um partido à direita do PT, mas à esquerda, bem à esquerda de toda aquela canalha que governara o País durante a ditadura.
Aqueles que representaram sempre a direita mais tradicional, mais raivosa e assassina, aqueles que defenderam os milicos que prenderam, torturaram e fizeram desaparecer centenas de brasileiros que ousaram contrariar suas ordens ou, simplesmente, emitiram qualquer tipo de opinião contrária àquela gente de farda que se dizia representante do Exército brasileiro, mas que era apenas sua facção mais estúpida e sanguinária.
No entanto, o PSDB aliou-se, sem nenhum pudor, à ARENA, ou melhor, aos herdeiros da ARENA, hoje reunidos sob a ridícula e inapropriada sigla DEM, como se o fato de se chamarem de democratas enganaria (e até tem enganado a alguns) aos trouxas que os considerariam realmente democratas (deveria haver uma lei impedindo que o termo democracia fosse assim tão achincalhado).
Que fizessem alianças com qualquer outro partido – mesmo com os mais fisiológicos –, menos com essa direita que come pelas bordas e sempre soube impor aos governos tucanos um viés liberal de triste memória, com programas privatistas que diminuíram o poder do Estado e não resolveram o problema de distribuição de renda, porque sua economia é voltada para o mercado do mais forte e a favor do capital internacional sabidamente predador.
Razões mais do que pessoais. Primeira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o cacique-mor da tucanada, o homem que, mesmo longe do poder, ainda deseja dar as cartas e o consegue, com a arrogância que caracteriza seu caráter. Como presidente, FHC governou o País durante apenas dois anos e nesses dois anos, sua obra mais meritória foi a compra da reeleição, mesmo enterrando a economia brasileira, mesmo quebrando o Brasil e colocando-o de joelhos frente ao capital internacional, com a venda de estatais e com a subserviência ao FMI.
Nos seis anos seguintes, para tentar consertar as bobagens dos dois primeiros anos, manteve o País na pior recessão que se podia desejar, com o empobrecimento e quase desaparecimento das classes médias e sua inserção nas fronteiras da miserabilidade. Para os miseráveis, então, a condenação a uma situação sem saída, com o desemprego chegando às raias do loucura.
E com o desemprego, chego à segunda de minhas razões pessoais: meus filhos. Entravam eles exatamente neste período na idade de começar a trabalhar. Mas, onde achar empregos decentes, onde os caminhos para a realização pessoal que eu, mesmo vivendo no período mais negro da ditadura, encontrei nos anos sessenta e setenta? Nem a estupidez econômica dos milicos conseguiram impor ao País tal situação de desespero. Porque, sem uma economia saudável, não há empregos e sem empregos, não há futuro. FHC foi o nosso mais bem acabado “exterminador do futuro”. Acho que não preciso dizer mais nada sobre o desespero de um pai – e eu sou apenas um entre os milhões de desesperados – que vê seus filhos sem perspectiva de vida.
E o José Serra com isso? Bem, nada indica, nas ideias expressas pelo ex-governador, que ele seja diferente de tudo isso que eu disse acima, pois seu partido continua pregando as mesmas políticas da desastrada era FHC, e suas alianças continuam fundadas nos mesmos pilares podres do DEM, essa excrescência de políticos e empresários nazifascistas que insiste em permanecer em nossa política, agora devidamente travestidos de democratas – os lobos na pele de cordeiro, para usar a gasta metáfora.
Por isso, não posso, não devo e não vou, de forma alguma, nem que seja ele o último político sobre a face da Terra, votar em José Serra para presidente. E ficarei muito, muitíssimo insatisfeito, depressivo mesmo, se ele ganhar as eleições, para inaugurar mais uma era de políticas liberais e entreguistas nesse País. E, quiçá, com mais desemprego e mais miséria.
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