quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Estatuto do Estrangeiro e as medidas compulsórias de Deportação, Expulsão e Extradição

O Estatuto do Estrangeiro prevê três distintos institutos, de diferentes características, razões e modalidades, para regular a retirada compulsória do estrangeiro do País: 1) deportação; 2) expulsão; 3) extradição.

1- Deportação

Entre as formas coercitivas de retirada do estrangeiro do Brasil, temos a deportação, regulada nos artigos 57 a 64 da Lei 6815/80 e artigos 98 e 99, do respectivo Decreto de regulamentação.
A deportação consiste em fazer sair do território brasileiro o estrangeiro que nele tenha entrado clandestinamente ou nele permaneça em situação de irregularidade legal, se do País não se retirar voluntariamente dentro do prazo que lhe for fixado (art. 57).
Segundo estabelece o art. 98, do Decreto 86.715/81, o estrangeiro que entrou ou se encontra em situação irregular no país, será notificado pela Polícia Federal, que lhe concederá um prazo variável entre um mínimo de três e máximo de 8 dias, conforme o caso, para retirar-se do território nacional. Se descumprido o prazo, o Departamento de Polícia Federal promoverá a imediata deportação.
Vale ressaltar que a deportação só ocorrerá se o estrangeiro não se retirar voluntariamente depois de haver recebido a notificação da autoridade competente. A retirada voluntária é, pois, o elemento que diferencia, fundamentalmente, a deportação dos outros dois meios de afastamento compulsório, a expulsão e a extradição.
A previsão legal de que ao estrangeiro será dado um prazo para que se retire do país não é absoluta. Se for conveniente aos interesses nacionais, a deportação será efetivada independentemente de ser concedido ao estrangeiro o prazo fixado no Decreto 86.715/81 (art.98, 2º).
A deportação afasta o estrangeiro do país, mas não impede seu regresso, de forma regular. Exige-lhe a Lei 6815/80 que para retornar ao Brasil, o deportado deverá ressarcir ao Governo brasileiro as despesas efetuadas com sua deportação.
Segundo Guimarães[1] estendem-se a uma vasta relação os casos específicos de Deportação. Incluem-se entre as causas todas as situações em que haja descumprimento das restrições ou condições impostas ao estrangeiro, quais sejam, por exemplo: exercer atividade remunerada nos casos em que esta não é permitida; deslocar-se para regiões além do âmbito estabelecido; afastar-se do local de entrada no país sem o documento de viagem e o cartão de entrada e saída devidamente visados pelo Órgão competente; exercer atividade diversa da que foi solicitada e autorizada em contrato de trabalho; serviçal, com visto de cortesia, que exerça atividade remunerada para outro que não seja o titular do visto que o chamou; a mudança de empresa a quem presta serviço o estrangeiro, sem permissão do Ministério do Trabalho; estrangeiro em trânsito, estudante ou turista que exerça atividade remunerada, entre outras. No rigor da lei, a estada irregular do estrangeiro, não se refere apenas à permanência no território nacional por período superior ao permitido, mas, sim, a todas as circunstâncias que representam qualquer desrespeito aos deveres, restrições ou limites impostos ao estrangeiro. Estes e outros casos de desobediência às normas fixadas em lei, como causa de deportação, estão previstas no art. 57, parágrafo 1º, da Lei 6815/80.
Uma legislação que apresenta tais características e, sobretudo, o extremo rigor com que esta é aplicada, merece ser revista não apenas em aspectos ou disposições isoladas. Comporta que se repense a convivência da sociedade como um espaço de horizontes universais, onde vivem seres humanos portadores de valores, de contributos, de riquezas e de dignidade que ultrapassam as fronteiras da nacionalidade e dos limites geográficos de um país.
No que tange ao país de destino, a Lei 6815/80, art. 58, parágrafo único: “A deportação far-se-á para o país de nacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo”. Dá-se direito de opção ao deportando.
Finalmente, assegura o Estatuto do Estrangeiro que não se procederá a deportação se esta medida implicar em extradição não admitida pela Lei brasileira (art. 63, Lei 6815/80).

2 – Expulsão

A expulsão do estrangeiro que se encontre em território brasileiro está disciplinada na Lei 6815/80, nos artigos 65 a 75 e no Decreto 86.715/81, art. 100 a 109.
Sem nos determos à análise e discussão, no campo doutrinal, sobre o instituto da expulsão, buscaremos explicitar o seu tratamento e aplicação nos termos em que o estabelece o Estatuto do Estrangeiro e o correspondente Decreto de Regulamentação.
O artigo 65 (Lei 6815/80) determina: “É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais”.
Mas, não se esgotam ali as causas de expulsão, sendo igualmente passível de deportação, o estrangeiro que (parágrafo único do art. 65):
a)“praticar fraude a fim de obter sua entrada ou permanência no Brasil;
b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se retirar no prazo que lhe for determinado, não sendo aconselhável a deportação;
c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou
d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro”.
A expulsão é formalizada através de Decreto de competência exclusiva do Presidente da República, a quem cabe resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão e de sua revogação (art. 66). Uma vez decretada e efetivada a expulsão, uma de suas graves conseqüências é a impossibilidade do estrangeiro retornar ao Brasil. O retorno é crime, tipificado no Código Penal brasileiro[2], no Capítulo dos Crimes contra a Administração da Justiça, cujo art. 338 estabelece: “Reingressar no território nacional o estrangeiro que dele foi expulso: Pena - reclusão, de um a quatro anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena”. Somente a revogação, de competência exclusiva do Presidente da República, permitirá seu regresso.
Ao Ministro da Justiça compete instaurar o inquérito, que na maior parte das infrações[3], será sumário, não excedendo ao prazo de 15 dias. É assegurado o direito de defesa, mas não cabe pedido de reconsideração. O Ministro da Justiça poderá, a qualquer tempo, determinar a prisão, por noventa dias, do estrangeiro em processo de expulsão, podendo, igualmente, prorrogar tal medida por outro igual período. Caso o processo não se conclua no prazo de até 6 meses, o estrangeiro será posto em liberdade vigiada e, se vier a descumprir as condições de conduta impostas, pode ter sua prisão decretada novamente.
Conforme já referido em capítulo anterior, é inexpulsável o estrangeiro que tenha cônjuge brasileiro, de quem não esteja separado de direito ou de fato, ou filho brasileiro sob sua guarda e manutenção econômica (art. 75). Contudo, o parágrafo 1º do mesmo artigo, ressalva que não impedem a expulsão, a adoção ou reconhecimento de filho brasileiro superveniente ao fato que a motivar. Igualmente, em se configurando o abandono do filho, o divórcio ou a separação do casal, a expulsão poderá ocorrer a qualquer tempo (Parágrafo 2º). Ainda com base no art. 75, da lei 6815//80, não se procederá a expulsão se esta implicar em extradição inadmitida pela lei brasileira.
Expulsão e Refúgio: especificação introduzida no direito nacional, relativamente à expulsão é o disposto na Lei 9474, de 22 de julho de 1997, a chamada Lei de Refugiados, que, na verdade, se ocupa da implantação do Estatuto dos Refugiados de 1951, em nosso país. A matéria afirma, no direito interno, os compromissos do Brasil como signatário da Convenção de Genebra, de 1951, especificamente os artigos 32 e 33, daquela Convenção das Nações Unidas. Assim, a Lei nº 9474/97, em seu art. 36, é peremptória ao afirmar que não será expulso o refugiado que esteja regularmente registrado, exceto em caso de existirem motivos de segurança nacional ou ordem pública. E esclarece, no artigo 37 que, em caso de decretar-se a expulsão de um refugiado, esta não resultará em sua retirada para país onde sua vida, liberdade ou integridade física possam estar em risco, e apenas será efetivada quando houver certeza de que o mesmo irá para um país onde não haja riscos de perseguição.
Para ultimar, uma referência a respeitáveis juristas brasileiros que, comentando o direito vigente no Brasil, ao analisar a natureza punitiva da expulsão, classificam-na como um provimento sancionatório da autoridade administrativa, embora não se constitua em pena, no sentido específico de sanção à conduta criminosa, imposta por sentença judicial. “Assim, pelas características de que se reveste, implicando restrição à liberdade de locomoção do ser humano no que afasta compulsoriamente o estrangeiro do território nacional, impõe-se a sua interpretação restrita, com observância dos princípios publicísticos da legalidade e da amplitude do direito de defesa” [4].
Com igual precaução e humanidade, manifesta-se Carvalho, face às conseqüências de que se reveste a expulsão, particularmente no direito brasileiro que a torna medida em caráter definitivo contra o estrangeiro, restringindo sua revogação a ato privativo do Presidente da República. “A expulsão, pelo caráter discriminatório de que se reveste, é medida intrinsecamente odiosa. É preciso, pois, restringi-la aos casos reais e provadamente atentatórios da ordem pública, cujos limites devem ser precisamente determinados, quer através a jurisprudência administrativa, quer através da doutrina. A eficácia da expulsão, como medida de preservação da ordem pública, não vai a ponto de justificar-lhe decretação sem o mínimo de observância dos princípios de defesa dos direitos humanos”[5].

3 - Extradição

A extradição é o ato pelo qual um Estado faz a entrega, para fins de ser processado ou para a execução de uma pena, de um indivíduo acusado ou reconhecido culpável de uma infração cometida fora de seu território, a outro Estado que o reclama e que é competente para julgá-lo e puni-lo.
O Ministério da Justiça, no Guia[6] para estrangeiros no Brasil, expressa que a extradição é ato de defesa internacional, forma de colaboração na repressão do crime. Objetiva a entrega de um infrator da lei penal, que, no momento, se encontra em nosso país, para que possa ser julgado e punido por juiz ou tribunal competente do país requerente, onde o crime foi cometido. Trata-se, pois, de um ato com fundamento na cooperação internacional no combate e repressão à criminalidade.
A extradição está definida nos artigos 76 a 94 do Estatuto do Estrangeiro, e constitui uma faculdade do País concedê-la (“poderá ser”), como se depreende do art.76: “A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade”. Baseia-se, pois, em pedido de governo estrangeiro, fundamentado em tratado existente com o Brasil ou em compromisso de reciprocidade.
A legislação brasileira é taxativa quanto às situações em que a extradição não será concedida (art. 77):
I – se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade se verificar após o fato que motivar o pedido;
II – quando o fato que está à base do pedido não for crime no Brasil ou no Estado requerente;
III – nos casos em que o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
IV – se a pena imposta pela lei brasileira para o crime for igual ou inferior a um ano;
V – no caso em que o extraditando estiver respondendo processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se funda o pedido de extradição;
VI – quando estiver a extinta a punibilidade pela prescrição de acordo com a lei brasileira ou a do Estado requerente;
VII – se o for pedida com base em crime político; mas essa exceção não impedirá a extradição, quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal;
VIII – se o extraditando tiver que responder, no Estado requerente, perante um Tribunal ou Juízo de Exceção.
A apreciação do caráter da infração alegada pelo Estado requerente é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (Art. 77, parágrafo 2º).
Ainda segundo a Lei 6815/80, a extradição será requerida por via diplomática, ou na falta de agente diplomático, diretamente de governo a governo. Recebido o pedido, o Ministério das Relações Exteriores o enviará ao Ministério da Justiça, que o remeterá ao Supremo Tribunal Federal (STF). Assinalamos aqui mais uma disposição do Estatuto do Estrangeiro derrogada pela Constituição Federal de 1988. Senão vejamos: Dispõe a Lei 6815/80 que “o Ministério da Justiça ordenará a prisão do extraditando, colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal” (art. 81). Promulgada em 1988, a Constituição Federal ao tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais, assegura “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (CF, art. 5º, inciso LXI).
A Jurisprudência do STF confirma a revogação do dispositivo da Lei 6815/80. Vejamos decisão unânime do Tribunal Pleno, em pedido de Habeas Corpus de extraditando:
Ementa: - Prisão de Extraditando: artigos 80 e 81 da Lei nº 6815/80, de 19.08.980, alterada pela Lei 6.964, de 09 de 12.1981. Alegações de ilegalidade da prisão porque: 1ª) – não solicitada pelo Juiz processante, do Estado requerente da extradição (art. 80); 2ª) – decretada por Ministro do Supremo Tribunal Federal, quando deveria ter sido pelo Ministro da Justiça (art. 81); 3ª) – não apresentada legislação do Estado requerente, relativa à prescrição (art. 80, “caput”); 4ª) – inválido o decreto de prisão, emitido pelo Juiz processante, por não conter a descrição dos fatos delituosos, nem indicar a data da ocorrência, sua natureza e circunstâncias. 1. Tendo sido a prisão preventiva decretada pelo Juiz processante, no Estado estrangeiro, e a ordem de captura encaminhada às autoridades brasileiras competentes, por via diplomática, com pedido de extradição, é de ser rejeitada a alegação de que não foi solicitada (a prisão) pelo referido Juiz. 2. O art. 81 da Lei 6815, de 19.08.1980, alterada pela Lei 6964, de 09.12.1981, atribuía ao Ministro da Justiça o poder de decretar a prisão do extraditando. Tal norma ficou, nesse ponto, revogada pelo inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal de 1988, em razão do qual, excetuadas as hipóteses referidas, “ninguém sra preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. 3. Tal competência passou, então, para o Ministro do Supremo Tribunal Federal, a quem caberá, também, relatar o pedido de Extradição, conforme decidiu o S.T.F. (RTJ 127/18). 4. Sendo minuciosa, na decisão do Juiz processante, no Estado estrangeiro, a descrição dos fatos delituosos, a indicação do período em que ocorridos, assim como a sua natureza e circunstâncias, repele-se a alegação em contrário, contida na impetração do “writ”. 5. Embora não encaminhados, pelo Governo requerente da Extradição, os textos legislativos sobre prescrição, nada impedia que o Relator desta convertesse o julgamento em diligência, fixando prazo de sessenta dias para tal fim, como aconteceu no caso, cabendo invocar o precedente, no mesmo sentido, da Extradição nº 457. 6. Não caracterizado, até o momento, qualquer constrangimento ilegal à liberdade do paciente, é de se indeferir o pedido de “hábeas corpus”. 7. “H.C.” indeferido. Votação unânime[7].
Importante ressaltar ainda que “nenhuma extradição será concedida sem o prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão” (art. 83).
Aspecto que vem sendo mantido com pleno rigor pelo Supremo Tribunal Federal é a prisão do extraditando ao longo de todo o processo, em cumprimento ao estabelecido no parágrafo único, do art. 84: “A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão-albergue”.
Extradição e Refúgio: O Brasil aprovou, em 1997, a Lei 9474, que define mecanismos para implantação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências. Dispõe, tal diploma legal, em capítulo específico sobre a Extradição que “O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio” (art. 33, Lei 9474/97).
Assegura, também, a Lei de Refugiados a suspensão do processo de Extradição pendente, se o extraditando apresentar solicitação de refúgio baseado nos mesmos fatos. Independe, neste caso, esteja o processo em fase administrativa ou judicial (art. 34, Lei 9474/97).

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