Introdução
O ordenamento jurídico brasileiro, além de enumerar os tipos de pena a serem aplicados ao criminoso, como privação ou restrição de liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos, defende que sua aplicação deve atender à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, sendo assim necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Diante disso, presume-se que a pena aplicada por si só já é satisfatória para que o objetivo do sistema judiciário seja alcançado: a justiça. Porém, o Brasil adota a progressividade do regime da pena, baseando-se no mérito do condenado. Será que essa conduta é benéfica para a sociedade? Não seria mais eficaz condenar o criminoso em uma pena justa e imutável? A progressividade do regime da pena, aos olhos da sociedade, é um privilégio que beneficia somente os infratores, incentivando-os ainda mais a praticar crimes, pois eles têm a certeza que logo serão contemplados por essa questionada regalia, ficando novamente impunes e livres para cometerem novos crimes. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, o Ceará privilegia o regime fechado (3.084 presos), ficando em segundo lugar o regime semi-aberto (2.140 presos). O questionamento que se faz e que se exige uma resposta imediata diante da crescente violência existente no país é: se a pena estabelecida realmente fosse cumprida inibiria a prática do mesmo crime por outras pessoas e diminuiria a taxa de criminalidade nessa comunidade em todos os seus aspectos. Sem dúvida, a sociedade teria mais segurança ao ter a plena convicção que, por menor que fosse o crime e branda sua pena, houvesse efetivamente a punição do criminoso da forma mais justa e adequada possível.
A pena
A pena remonta ao surgimento do primeiro criminoso. As vítimas do crime ou seus parentes e amigos queriam de alguma forma punir o infrator, sendo, na maioria das vezes, a punição aplicada desproporcional ao mal sofrido.
Com o surgimento do Estado, a pena, além de ser sanção, incorporou, paulatinamente no momento de sua fixação, aplicação e efetivação, os princípios da prevenção da criminalidade e da ressocialização do preso. Eugênio Raul Zaffaroni sintetiza esse atual posicionamento com grande maestria, verbis:
“... o sentimento de segurança jurídica exige um limite, que a lei traduz pela imposição de guardar a pena certa relação com a gravidade da lesão aos bens jurídicos ou, mais precisamente, com a magnitude do injusto e com o grau de culpabilidade. A pena não retribui o injusto nem a sua culpabilidade, mas deve guardar certa relação com ambos, como único caminho pelo qual pode aspirar a garantir a segurança jurídica e não afronta-la” (NORONHA, E. M. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 220).
Assim, o juiz, ao fixar e aplicar a pena, visa sancionar o condenado pelo mal cometido, prevenir novos tipos anti-sociais por meio da intimidação e exemplaridade advindos da pena e, principalmente, readaptar e ressocializar o delinqüente na sociedade agredida, um dia, por ele.
Realidade brasileira
A legislação penal brasileira impõe a progressividade do regime da pena, baseado em critérios objetivo e subjetivo, este guiado pela potencialidade de convivência do condenado e aquele se houver o cumprimento pelo menos de 1/6 (um sexto) da pena do regime anterior. O condenado, por etapas, de situação mais grave, transita por outras menos severas, até reconquistar a plenitude do direito à vida em sociedade. Com isso o legislador, buscou reter o mínimo possível o delinqüente ao convívio social, sendo a pena meio, trânsito para o retorno à plenitude do direito de liberdade, verbis:
Art.112 da Lei nº7210/1984 - A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos gravoso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão.
Em contrapartida, a legislação penal privilegia o tipo de pena mais grave ao tolher a liberdade dos cidadãos como forma mais adequada para punir. Isso se observa ao se analisar o Código Penal Brasileiro no qual, ao fixar de forma abstrata a pena, prioriza a pena privativa de liberdade, ignorando parcialmente a eficácia dos outros tipos de pena como as penas alternativas, restritiva de liberdade, multa.
Segundo o advogado Iberê Bandeira de Melo Filho, integrante da Comissão de Direitos Humanos da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, “não há no Brasil uma cultura de aplicação das penas alternativas, pois há uma falsa impressão de que a opinião pública é contrária a mencionada pena, mas a população é contrária à impunidade e a pena alternativa não significa impunidade”.
Presume-se que o legislador endureceu a sanção, procurando dar à sociedade a falsa impressão que o criminoso seria justamente punido, repreendido e, depois, ressocializado. Ledo engano, ao permitir a progressividade do regime da pena, incute na sociedade o medo, a insegurança, a impotência e o sentimento de impunidade.
A partir de estudos criminológicos, detectou-se que a pena privativa de liberdade, ao afastar o criminoso das conseqüências de seu ato, influencia o sentimento de vitimização do infrator e, conseqüentemente, seu retorno à delinqüência como forma de “troco” ao que foi praticado contra ele. Dados estatísticos também apontam a assustadora cifra de 95% de reincidência criminal no Brasil.
Segundo Oscar Vilhena, secretário-executivo do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente, um estudo feito no Rio Grande do Sul, onde existe um sistema estabelecido para o oferecimento de vagas para o cumprimento de penas alternativas, mostrou um índice de reincidência de 12% entre essa população, enquanto que entre os presos, esses índices chegam a 46%. Logo, o uso cada dia mais freqüente das chamadas “penas alternativas” demonstra sua maior eficiência no mister de castigar, reeducar e ressocializar o infrator.
Possíveis soluções
Tendo por principal escopo dar segurança à sociedade, o Estado, ao falhar em seus propósitos, decai de seu status de respeitabilidade e credibilidade perante toda a sociedade. O Estado deve atender as necessidades da população que a ele está submissa, respeitando seus valores e costumes. Não adianta o Estado cumprir rigorosamente os ditames da lei se incute nas pessoas o sentimento de impunidade, o medo e a impotência diante do quadro alarmante de violência e injustiça reinante no mundo.
No Código Penal Brasileiro, a partir de seu art.59 até o art. 76, o legislador impôs regras quanto à aplicação da pena, definindo o modo de fixação, as circunstâncias agravantes e atenuantes, como calcular o quantum e definindo os seus limites. Mostra-se, portanto, o Estado cauteloso ao atingir um dos direitos essenciais de qualquer cidadão, a liberdade. Porém, guiado pelos princípios humanitários, o Brasil adotou a progressividade do regime da pena para resguardar o direito da liberdade de todos os cidadãos, independentemente de suas qualidades profissionais, vida pregressa, situação econômica e influência política.
Atualmente, verifica-se que, devido às condições dos estabelecimentos prisionais, à deficiência de contingente policial nas ruas e nesses estabelecimentos e ao número cada vez crescente de delinqüentes presos, o judiciário está utilizando a progressividade do regime da pena como meio de desatolar o sistema prisional e não por exclusivo preenchimento das condições estabelecidas pela legislação penal. Além disso, a sociedade encara essa regalia como um grande mal ao cidadão que injustamente foi vítima da violência e à própria sociedade que fica a mercê de criminosos impunes.
Divergências existem ao se falar em possíveis soluções quando se questiona as conseqüências maléficas da progressão do regime da pena. A opinião da sociedade não mudará repentinamente, passando a acreditar que essa regalia é benéfica à sociedade ou que está condizente com o regime democrático de direito. Diante da crescente violência presenciada nos últimos anos, urge o sistema judiciário, dentro de sua competência e atribuição, dirimir o sentimento de impunidade que, a cada dia, priva a sociedade de seus direitos. Muitas hipóteses surgem para solucionar esse problema. Dentre as várias hipóteses, a mais coerente é a adoção pelo magistrado de prudência e de coerência no momento da fixação, aplicação e efetivação da pena ao criminoso, procurando ser o mais justo e proporcional ao crime cometido, já que a justiça não se reveste do manto da vingança ou da opressão, mas pela proporcionalidade de seus ditames com a realidade combatida e pela coerência de suas ordens com os anseios e desejos da população agredida.
A progressividade do regime da pena, apesar de ser um meio eficaz e coerente com os princípios do Estado Democrático de Direito, atualmente, está afrontado a sociedade. Cabe, então, às autoridades competentes usa-la da forma mais prudente possível, ou minimizando sua aplicação ou fixando penas mais condizentes com a realidade penal brasileira, na qual a quantidade e as condições dos estabelecimentos prisionais são, visivelmente, aquém do mínimo exigido pela dignidade humana. Poderia se utilizar mais penas alternativas, como prestação de serviço comunitário e multas, ou fixar penas menores, mas que integralmente fossem cumpridas nas condições que foram estabelecidas pelo juiz.
Conclusão
Ao definir como direito social a segurança, a Constituição Federal do Brasil de 1988 elevou tal direito a um patamar de obrigatoriedade estatal, definindo como dever do Estado dar condições mínimas para que ela seja realmente presente e atuante na vida de todo e qualquer cidadão. Porém, será que a segurança está sendo priorizada pelo Estado?
A progressão do regime da pena surgiu como uma medida de proteção dos direitos imprescindíveis à dignidade da pessoa humana, dentre outros a vida e a liberdade. Porém, hodiernamente, ela está sendo encarada de forma negativa pela sociedade, pois incute em todos o sentimento de impunidade, medo, impotência e, sobretudo, a vontade de fazer justiça com as próprias mãos.
Diante do questionamento das conseqüências da progressão do regime da pena para a sociedade e para a estrutura do sistema estatal vigente, nenhuma sugestão, crítica ou análise será em vão, muito pelo contrário, cada opinião contribuirá para solucionar o grande problema da violência que aflige, de modo geral, a humanidade.
Este trabalho teve por escopo contribuir para esse importante questionamento, dando possíveis soluções e, principalmente, criando na comunidade acadêmica, seja nos universitários, advogados, aplicadores do Direito e nos cidadãos, a sementinha da dúvida quanto à eficiência, benefício e aplicabilidade da progressão do regime da pena. texto Rebeca Ferreira Brasil
Bacharela em Direito pela Universidade de Fortaleza- Unifor
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