Um conto chinês
Os anos passaram, quando ele percebeu isso já estava velho o suficiente para não poder começar de novo e muito novo ainda para ter feito algo relevante. O que fazer? Ele não sabia. Estava sem perspectivas.
Os amigos encaminhados, os pais aposentados, os irmãos o ultrapassando, a vida escorrendo por seus dedos. Desespero era uma palavra fraca para o que ele sentia. A namorada era a única a ver seu valor. Na cama, pois ela já havia avisado que não queria nada mais dele a não ser prazer. Ele pensou em virar um prostituto, um michê. Não daria certo, ele só era bom com ela, de quem gostava, e sabia faltar pouco para ser abandonado.
Não era formado, não tinha emprego, logo estaria sozinho, estava sem forças para lutar. Ele levantou a cabeça e foi à luta. Voltou de cabeça baixa e com um tremendo galo na testa.
De acordo com o ditado popular "doido é quem não sonha", ele tentou imaginar um futuro promissor para si mesmo. Lembrou que passou a vida sonhando com mulheres inatingíveis, lugares exóticos, invasões alienígenas e atos heróicos. Como nada disso aconteceu, ele reformulou o ditado: doido é quem só sonha.
Certa vez ele havia escutado um conto, originário da China, que era muito interessante. Era sobre alguém como ele, em outra época e em outro lugar. Um homem estava fugindo de um tigre, correndo. Quando estava muito cansado, ele chegou em um precipício. Pensando estar a salvo, o homem começou a descer o desfiladeiro. Era muito íngreme, e o homem conseguia se segurar apenas em uma planta trepadeira que escorria parede abaixo. Ele olhou para cima e viu que o tigre não conseguia mais seguí-lo. Porém ele olhou para baixo e viu que outro tigre ali o esperava. Passou algum tempo assim, pendurado, e notou que a planta em que ele se segurava era um belo e forte pé de morango. Ele percorreu os olhos pelo galho em que segurava para ver se encontrava um morango para comer, pois já estava com muita fome. Encontrou um, mas viu também que um ratinho estava roendo o seu galho. Seria só uma questão de tempo para ele cair e ser devorado pelo tigre que estava embaixo. Tampouco ele poderia subir de volta pois o tigre que o perseguia ainda estava a sua espera. Ele, triste, pegou o grande e vistoso morango que estava ao alcance de sua mão. Ele o cheirou e disse: que belo morango!
O conto era de um otimismo inacreditável. Ele sentiu que ainda não estava tudo perdido, pois se o homem do precipício ainda podia ver a beleza de um morango estando prestes a morrer, ele, jovem e forte, haveria de conseguir fazer algo para ajustar sua vida.
Olhou para o lado a procura de um morango e não encontrou nenhum. No máximo uma banana meio passada.
Entretanto, demonstrando ter realmente compreendido o conto chinês e sua mensagem embutida, não se deu por vencido. Venceu-se. Percebeu que jamais aceitaria deixar de lutar, mas poderia acomodar-se caso entendesse que não dependia mais dele a sua vitória. O mundo quis assim, pobre diabo. Sentou-se nas pedras a beira do caminho e chorou. Alguns até vieram acudir, mas ninguém podia mais ajudar.
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