Trata-se de um momento em que, por um lado, a ilusão de muitos brasileiros sinceros se desmorona, e, por outro, as forças políticas se jogam em uma disputa para retirar os maiores saldos políticos.
Ao mesmo tempo em que nos indignamos com as roubalheiras dos políticos, porque como trabalhadores sabemos que cada dinheiro roubado é fruto do nosso trabalho suado, vemos diversas visões sobre os fatos nos serem apresentadas.
Queremos aqui, primeiramente, compreender algumas das principais visões sobre a crise política do governo Lula, identificando em que consistem e quais são as estratégias políticas que estão por trás delas. Em segundo lugar, queremos identificar os limites de todas estas visões e apresentarmos a nossa avaliação e a nossa alternativa anarquista.
IMAGENS DA CRISE
A primeira visão da crise política do governo é a que tem a mídia burguesa (televisão, rádio, jornal) como canal de divulgação. Trata-se da visão dos partidos de direita que estão na oposição ao governo Lula (PSDB e PFL).
Para ela, a crise do governo Lula tem vários agentes, porém, um culpado específico: o PT (o Partido dos Trabalhadores). O PT é acusado de confundir o Partido com o Governo, e, desta forma, aparelhar o governo brasileiro. Este vício leninista de ter o governo como propriedade do partido, geraria os espaços para a corrupção generalizada, pois imporia muitos cargos de confiança e muita liberdade para cada aliado mandar como bem quer na máquina do estado. Assim dizia a revista Veja: ?o pecado capital cometido pelo PT: permitir aos aliados e a si mesmo a ocupação predatória do Estado? (Otávio Cabral, revista Veja em O Grande erro: confundir o partido com o governo).
Na visão destes partidos de direita, esta falha que o PT representa possui duas encarnações: José Dirceu e Lula. José Dirceu seria o Lênin do partido. Ele é a encarnação do aparelhamento do governo pelo Partido. ?As suspeitas em torno de Dirceu decorrem de sua participação na divisão de cargos e no recolhimento de apoio político, mas também de sua concepção leninista de poder, na qual o partido está acima do Estado.? (Veja). Dirceu seria assim o Maquiavel do PT, que desejoso de utilizar a máquina do Estado para fazer crescer o Partido, foi o responsável por criar uma relação responsável pelo estouro da corrupção. Lula, por outro lado, ocupa, nesta visão, uma posição distinta. Seria não o Maquiavel, ou Lênin, mas o verdadeiro laranja: aquele pobre coitado que não tem estudo formal e que por isso teria deixado Dirceu e sua tropa tomarem conta do governo. Se tivesse inteligência e liderança, a situação poderia ser diferente, mas como não tem, acabou por deixar o navio afundar.
Esta visão dos partidos de direita que fazem oposição ao PT e que têm a mídia burguesa como principal instrumento identifica o problema da crise política: a direção do Partido dos Trabalhadores. E como não pode deixar de ser, sugerem uma solução: a mudança da direção. A intenção destes partidos é a de desgastar o PT para impossibilitar a reeleição do Lula. Fazem isso criticando os ?vícios de esquerda? do PT, caracterizados pelo leninismo de Dirceu, e, ao mesmo tempo, a ?ignorância dos pobres?, caracterizado pela criação de uma figura ingênua de Lula. Assim, só restaria uma solução: a eleição de candidatos sem vícios de esquerda e, por outro lado, candidatos advindos de classes mais abastadas formadas por uma educação formal. Em uma palavra, candidatos que não venham de partidos de origem de esquerda.
Por outro lado, temos uma segunda visão da crise política, uma visão criada pelo próprio PT na busca de se defender de todas as acusações e evitar que não sobre mais nada do partido após a crise.
Trata-se da idéia de que existe uma conspiração da direita (as elites dominantes e os seus partidos) para destruir a primeira experiência histórica de ?governo popular? na história brasileira. Os instrumentos de divulgação desta idéia são a própria máquina do PT e, principalmente, os diversos movimentos sociais em que os petistas estão inseridos e que muitas vezes dominam. Neste sentido, a estratégia do PT foi a de incitar os movimentos sociais a defender o governo, criando uma idéia de que são os interesses do povo brasileiro e da esquerda que estão em jogo com a crise política.
Tudo dentro de um golpe criado pelas classes dominantes que querem ver o neoliberalismo implantado com maior intensidade. No manifesto Carta ao Povo brasileiro, assinado por diversos movimentos sociais, entre eles a CUT, o MST e a UNE, está clara esta posição. ?De olho nas eleições de 2006, as elites iniciaram, através dos meios de comunicação uma campanha para desmoralizar o governo e o Presidente Lula, visando enfraquecê-lo, para derrubá-lo ou obrigá-lo a aprofundar a atual política econômica e as reformas neoliberais, atendendo aos interesses do capital internacional.? (Carta ao Povo Brasileiro).
Esta visão contava com a ilusão de todos os militantes e simpatizantes do PT, todos aqueles que, sinceramente construíram o partido que carregou durante anos a áurea de ética, defesa do trabalhador e comprometimento com os ideais de transformação do país. Estes sinceros trabalhadores urbanos e rurais, intelectuais de esquerda e setores progressistas da Igreja Católica, não podiam ver ruir o sonho que ajudaram a construir. E assim se construiu a visão de que havia um golpe das elites em andamento. Mesmo vendo que o PT não aplicava políticas de transformação social, acreditaram que o partido estava ganhando tempo para que após a reeleição tivesse maior poder para implementar uma transformação mais profunda no país.
Esta visão tenta, querendo ou não, retirar do centro a corrupção generalizada em que os quadros do PT estão envolvidos. Desvia esta atenção para um suposto inimigo comum: as elites; e visa colocar o problema como um problema de luta de classes. De um lado, o governo do PT representando o projeto dos trabalhadores urbanos e rurais, de outro, os partidos de direita, representando os interesses das classes dominantes.
As correntes do PT que fazem oposição no interior do partido à sua direção majoritária (Articulação), muito pouco acrescentaram a esta discussão. Encontram-se em uma posição dupla: a de no interior do partido aproveitar a crise para diminuir a força da Articulação e crescerem; e a de fora do partido, garantir a legitimidade do PT do qual fazem parte. Em sua maioria, reforçaram o discurso de conspiração da direita, acrescentando apenas uma crítica à política de alianças levada a cabo pela direção majoritária do partido.
Outras visões que têm uma menor repercussão devido a pouca máquina que possuem são as dos partidos de esquerda tais como o P-SOL e o PSTU. Tratam-se de partidos que acreditam que a revolução social é o principal caminho para a transformação social profunda da realidade. Mas, que acham que a participação eleitoral ainda é importante para fortalecer a luta das classes exploradas.
Todos os dois partidos, tendo uma origem no PT, construíram uma visão de que a crise política é gerada pela opção política que fez a direção majoritária do partido dos trabalhadores nos últimos anos, uma opção pautada na política de alianças com os partidos políticos de direita e no recebimento de dinheiro da burguesia.
Estes dois partidos encontram-se também em uma situação dupla. Por um lado, traçam a crítica ao PT visando aproximar aqueles que se decepcionaram com o partido a partir desta crise. Por outro lado, estão preocupados com a possibilidade da crise gerar uma decepção generalizada com todos os partidos e políticos. Neste sentido tanto o P-SOL quanto o PSTU se empenham em criticar a postura de alianças com a burguesia do PT e ao mesmo tempo em defender a possibilidade de uma atuação distinta no interior da instância parlamentar. Se esforçam em dizer que são diferentes e que seus políticos estão comprometidos de fato com os interesses populares.
A NOSSA AVALIAÇÃO
Todas estas análises sobre a crise do governo, tanto pela oposição de direita, pela situação, quanto pelos partidos de esquerda tem limites. Todas elas criticam a ?conspiração das elites?, as ?alianças do PT?, ou os ?vícios autoritários? deste partido, como os responsáveis pela crise. Mas, nenhuma delas faz uma crítica mais profunda à democracia burguesa e à estrutura do Estado.
A crise de governabilidade que assola o país é a expressão da impossibilidade da democracia burguesa representar os interesses dos trabalhadores.
Não é só o PT que está envolvido na corrupção, mas a maioria dos partidos e dos políticos. A compra de votos, as propinas das grandes empresas, o cabide de empregos, tudo isso não é criação do governo do Lula. É pelo contrário, cena antiga no palco da política institucional brasileira. Não é portanto um problema exclusivo de um partido, mas da lógica institucional do Estado brasileiro.
A corrupção é simplesmente a ponta do iceberg, não é o único problema do Estado, mas uma de suas facetas que uma vez visível coloca em crise a legitimidade dos políticos. Entretanto, muito mais coisas estão em jogo, dentre elas o vínculo do Estado com os interesses das classes dominantes.
O Estado é um instrumento da burguesia. São os interesses dos ricos que dão o contorno de sua lógica. Ele está fundado nos interesses dos latifundiários, dos grandes empresas, das multinacionais, mas se mascara de instrumento do povo, de instrumento do ?Bem Comum?.
Assim, desde os mais antigos governos brasileiros, até os mais recentes, toda a política econômica foi voltada para fortalecer os ricos em detrimento dos explorados. O governo Lula não fez diferente. O modelo econômico que tem sido aplicado pelo governo é um modelo neoliberal, que vem seguindo à risca a cartilha do FMI e fortalecendo os interesses dos banqueiros e das elites nacionais e transnacionais.
Como se não bastasse as reformas neoliberais, que visam privatizar a previdência, a educação, retirar os direitos dos trabalhadores e fortalecer os interesses dos grandes empresários; as altas taxas de juros (as maiores do mundo) tem sido um instrumento de enriquecimento dos banqueiros. O maior lucro de um banco em toda a história do Brasil foi o lucro do Itaú no ano passado (3,8 bilhões de reais). 6 mil novos milionários surgiram no país desde que Lula assumiu o governo. As 500 maiores empresas do país aumentaram o seu lucro em 7% (o maior lucro da década). Enquanto isso, Lula propõe aumentar em 0,1% o salário do funcionário público. Pobres trabalhadores em uma terra do Partido dos Trabalhadores.
Não existe um conflito de classes na luta entre a situação e a oposição no governo. Pelo contrário, o PT, o PL, o PP, o PTB e o PMDB, que são os principais partidos que formam o bloco da situação; e o PSDB e o PFL, que sãos os principais partidos da oposição; estão todos dentro de uma mesma concepção de linha econômica: dar continuidade ao projeto neoliberal iniciado por Collor e fortalecido por FHC. Todos seguem os interesses das classes dominantes. O que existe é um conflito por poder.
Uma luta pelos principais cargos, pelo poder de aparelhar o Estado, pelo maior acesso aos cofres públicos, pela maior posição na estrutura do Estado. Não trata-se de uma luta pequena, visto que assumir a situação significa a possibilidade de maior crescimento e enriquecimento do Partido e dos seus integrantes.
A crise de legitimidade do PT e do seu governo é também a expressão de que não é possível uma transformação profunda pela via eleitoral. O partido que visa vencer as eleições para transformar a realidade acaba por fazer o jogo da burguesia. No Estado, não tem poder para mudar a sua lógica, ou serve a burguesia ou permanece como força minoritária. Para crescer precisa fazer alianças com os ricos, receber dinheiro das grandes empresas e de latifundiários, maneirar o discurso, rebaixar o programa, aparar a barba e se transformar aos poucos em instrumento burguês. Se cresce com um programa de transformação profunda, será rapidamente cortado ou comprado.
A estrutura centralista do Estado está baseada em um verdadeiro sistema de privilégios. Quem sobe ao poder, passa a conviver com a burguesia, a ganhar maiores salários, a ter um conjunto de regalias e a viver no conforto. Ainda que seja de origem operária, quando sobe na hierarquia política deixa de ser um trabalhador e passa a ter uma vida de burguês. Esta mudança de posição gera uma mudança de perspectiva. Não convive mais com o povo, não vive a sua realidade. Olha o mundo da perspectiva do poder e não mais dos que estão de baixo. Uma vez com privilégios, tenta mantê-los, conservar o seu poder, se torna capaz das mais baixas atitudes para isto.
Quando os partidos de esquerda escolhem a via eleitoral como elemento de mudança, retira grande parte dos seus militantes da base popular em que lutam para coloca-los na atuação burocrática. Passam a viver da política, a necessitar do cargo, a contrapor os interesses dos trabalhadores.
O partido, a partir do momento em que chega ao poder e começa a ter um conjunto de cargos a sua disposição, vira cobiça dos oportunistas. Muitos destes, sem comprometimento com ideologia alguma, entram no partido porque querem ganhar algum cargo, emprego ou se eleger e o partido passa a ser um ninho de cobras.
Mesmo os políticos que se dizem mais sinceros quando se elegem passam a ter ao seu redor um monte de puxa-sacos, que lhe abanam o vento. Estes políticos crescem em seu partido e tornam-se as suas figuras centrais, com maior poder de decisão e um conjunto de regalias. Os pobres militantes de base do partido acabam por sacrificar suas angústias pelas vontades dos burocratas.
Os partidos que começam a sua caminhada no seio da luta popular e dos movimentos sociais, quando têm a via eleitoral como meta, acabam atrelando os movimentos populares em que atuam aos interesses da eleição. Incitam o povo a confiar em seus políticos, a entregar a ele o poder de mudar sua realidade. Quando alcança o governo então, a relação com os movimentos sociais piora. Começa a usa-los como correia de transmissão do governo, a amansar os movimentos, a desincentivar as greves, as manifestações, as paralizações, a luta direta do povo por seus interesses.
A crise do governo Lula colocou em evidência esta ineficácia da via eleitoral como via de mudança social profunda. Se há mais uma crítica que possa ser feita ao PT, não é só o fato dele ter escolhido as alianças com os partidos de direita. Mas, o fato dele ter surgido enquanto partido institucional.
A ALTERNATIVA ANARQUISTA
Compreender que a política parlamentar, o jogo institucional no interior do Estado, não gera transformações para as classes exploradas, não significa eliminar a possibilidade de gerar uma mudança. Pelo contrário, a política não se resume à lógica parlamentar e eliminar esta via significa, antes, encontrar caminhos reais de luta do povo explorado.
A crise do governo abre este espaço. O espaço de deslegitimação da democracia burguesa, o espaço da percepção de que tudo foi uma ilusão e que agora é preciso centrar-se em um outro caminho. Vivemos em um momento de resistência de caráter defensivo, lutas descontínuas e fragmentadas, baixo nível de consciência e organização de base. As entidades de luta social, como os sindicatos, as entidades estudantis, as associações de bairro, se encontram em sua maioria sem capacidade real de mobilização, burocratizadas, hierarquizadas e atreladas ao governo, aos partidos políticos e a políticos oportunistas.
Neste momento, a nossa alternativa é a luta popular, é reconstruir fora das instâncias parlamentares, nos bairros, nas vilas, nas escolas, nos locais de trabalho os movimentos de luta do povo oprimido. Somente movimentos autônomos, horizontais e combativos, firmados na ação direta popular poderão servir como instrumento de transformação profunda da realidade.
É essa a prática política libertária, a prática que não visa o poder do Estado, mas a auto-organização do povo explorado, visando gerar uma frente de oprimidos capaz de construir um projeto político popular e fazer frente ao Estado e às classes dominantes.
Falamos de protagonismo da luta popular, esta luta direta em que o trabalhador não depende dos políticos para representá-lo, mas de sua própria organização, mobilização, ação e luta. É este protagonismo que pode gerar uma transformação real nesta sociedade e a construção de um poder popular, um poder não hierárquico, não firmado na representatividade da democracia burguesa, mas um poder que vem de baixo, a partir da federação de cada espaço de organização dos oprimidos, um poder onde os trabalhadores tenham o poder de definir os rumos de nossa própria vida.
ELEIÇÃO É O MENSALÃO DOS RICOS, VOTO É A MIGALHA DOS POBRES SÓ A LUTA POPULAR GERA LUTADORES DO POVO! extraido do site cimi do Brasil postado por Rene
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