Prefeitos reeleitos tendema ser mais corruptos e mais eficientes
A transferência da responsabilidade pela provisão de bens e serviços públicos, feita aos municípios na Constituição de 1988, pode ter melhorado a alocação de gastos públicos, mas também aumentou a quantidade disponível de recursos para ser apropriados ilegalmente por políticos locais. Em municípios pequenos, onde grande parte da população tem baixo nível de escolaridade, o controle social sobre o gasto público é mais difícil e facilita práticas de clientelismo e corrupção.Nesse contexto, a possibilidade de reeleição, introduzida pela reforma constitucional de 1997, pode ter aberto espaço para uma redução nas práticas corruptas por parte de políticos locais, pelo menos aqueles que buscam se reeleger. Isso é o que sugerem os novos modelos de economia política. Assumindo que os eleitores têm informação imperfeita sobre a capacidade e a disciplina dos políticos, os modelos predizem que tentarão evitar atos de corrupção num primeiro mandato, para assim aumentar suas possibilidades de reeleição e, com isso, a apropriação de rendas públicas por meio de práticas corruptas num segundo mandato. No entanto, por causa da inexistência de dados sobre apropriação de recursos públicos, era difícil testar se a possibilidade de reeleição restringia a corrupção. Surgiu, porém, uma oportunidade de fazer essa avaliação, pois em 2003 a Controladoria Geral da União (CGU) começou a realizar auditorias regulares em municípios para avaliar o uso de recursos repassados pelo governo federal. Meu trabalho \"Reelection incentives and political corruption\", em co-autoria com Frederico Finan, baseou-se nos relatórios de fiscalização da CGU, no esforço de quantificar a corrupção existente nos municípios brasileiros. Medimos desvios de recursos, licitações irregulares e superfaturamento e, assim, obtivemos medidas de incidência de corrupção e proporção de recursos desviados dos programas federais transferidos para os municípios. Durante a gestão 2000/2004, aproximadamente metade dos prefeitos das cidades auditadas estava no primeiro mandato e a outra metade no segundo, portanto não poderia ser reeleita. Usamos esse fato para avaliar de que forma a possibilidade de reeleição servia de incentivo para práticas corruptas. Os resultados encontrados confirmaram as predições dos novos modelos de economia política. Em municípios onde o prefeito está no segundo mandato (e não pode ser reeleito), há mais corrupção, na média, do que em municípios similares com prefeitos no primeiro mandato. Isso implica que a concorrência política restringe a apropriação de recursos públicos. Os resultados também chamam a atenção para outro fato importante. Comparando os municípios com prefeitos no primeiro e no segundo mandato, encontramos mais corrupção nos municípios onde os prefeitos foram reeleitos, porém menos irregularidades na implementação de políticas. Assim, pode ser que os eleitores façam uma escolha entre corrupção e eficiência na oferta de bens públicos, preferindo eleger políticos mais corruptos, mas que sejam capazes de prover bens públicos, o chamado \"rouba, mas faz\". O trabalho citado acima utiliza os relatórios provenientes da CGU, porém não analisa o impacto que as auditorias produziram nos municípios fiscalizados. As auditorias, e sua divulgação para os eleitores e órgãos responsáveis em punir prefeitos desonestos, podem criar importantes mudanças, para que políticos restrinjam sua apropriação de recursos públicos. Analisar esse efeito faz parte de uma agenda de pesquisa futura, porém as auditorias podem reduzir o nível de corrupção municipal graças à divulgação dos resultados. Mais informação sobre a atuação dos políticos pode fazer com que os eleitores punam nas urnas os prefeitos associados a atos de corrupção, permitindo a escolha de prefeitos mais honestos.
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