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domingo, 25 de abril de 2010
MACROBIÓTICA
(RE)DESCOBRINDO A MACROBIÓTICA
por Tomio Kikuchi
Hoje em dia, várias pessoas que se preocupam com a saúde e o bem-estar em geral acreditam que a Macrobiótica pode contribuir para solucionar seus problemas. Mas como poderia a Macrobiótica ajudá-las se o princípio que lhe deu origem tem sido relegado a um papel secundário, se não completamente ignorado?
A Macrobiótica, com efeito, não passa de um conjunto de técnicas derivadas do chamado Princípio Unificador. Não convém confundi-los. Hoje, quando mais e mais pessoas sofrem os efeitos da maior crise da civilização moderna; hoje, quando, por isso mesmo, mais e mais pessoas se voltam para a Macrobiótica em busca de soluções, e, inevitavelmente, se desapontam com a falta de resultados decorrente do charlatanismo ou misticismo que a tem impregnado; hoje, mais do que nunca, conhecer esse princípio tornou-se mesmo uma exigência vital.
A origem da adulteração desse movimento fundamentalmente educativo em “terapeutismo” ou misticismo sectário reside na inversão do predomínio natural do princípio sobre a técnica. Hoje em dia, a ação é mais importante que o pensamento e nossa sensibilidade degenerada reduziu-nos a fantoches em regra pobres, doentios e agressivos.
Como nos dias que correm o Princípio Unificador nos parece e soa tão simples! Ora, ele é de fato a própria simplicidade, pois não é senão o princípio da simplificação! Várias pessoas acreditam que as soluções para os nossos problemas só podem surgir de técnicas complicadas, ao passo que a Natureza está constantemente nos mostrando que a solução reside na capacidade de tudo simplificar, quando e onde for possível.
Mas a simplicidade é hoje, sem dúvida, objeto de desprezo. Quando não é completamente ignorada, pouco valor de mercado lhe é dado.
Por que, enfim, tanto se despreza a simplicidade? Não estaria em jogo aí fatores econômicos, uma vez que nossa sociedade se mostra voltada quase exclusivamente para o consumismo extremo?
No entanto, deveríamos considerar também que os problemas altamente complexos da sociedade atual, agravados pela enxurrada de (des)informações disponíveis, são conseqüência da falta de diálogo potente entre os inumeráveis e extremamente variados antagonismos que compõem a Existência. Este diálogo é fruto de uma visão que poderíamos denominar Dualismo Monístico, capaz de desenvolver em nós a sensibilidade para reconhecer a relação entre os antagonistas em vários níveis: corpo e mente interagem para gerar o indivíduo; homem e mulher se unem para formar o nível conjugal da Existência; pais e filhos dão nascimento à família; teoria e prática constituem o nível regional da vida; direita e esquerda estão perpetuamente lutando para controlar a nação; Oriente e Ocidente encontram-se para criar a ordem internacional do mundo.
O encontro entre Ocidente e Oriente mostra-se, porém, difícil, uma vez que trilharam caminhos diferentes para alcançar suas potências teórica e prática. O Oriente derivou sua civilização de concepções religiosas do universo, enquanto o Ocidente herdou sua visão tanto das raízes científicas da Grécia como de Roma. No entanto, influenciado por suas próprias incursões no Oriente, o Ocidente desenvolveu visões de mundo equivocadas, interpretando mal a concepção unitária de Existência, entre cujas manifestações encontramos a língua dos povos do oriente.
Como sua própria língua científica mostra, a civilização ocidental desenvolveu uma visão maniqueísta da vida na qual o Mal deve ser derrotado para que o Bem reine soberano.
Desta visão maniqueísta nem mesmo nossa atividade Macrobiótica parece ter escapado. Cada vez mais, supostos líderes macrobióticos propagam que por meio da Macrobiótica podemos, miraculosamente, obter a saúde e a felicidade perfeitas num mundo totalmente pacífico. Trata-se de uma completa estupidez, se não de um charlatanismo pensado.
Com a ameaça de nossa atividade se transformar numa espécie de seita religiosa desonesta, devemos afirmar claramente a importância de um processo indispensável para a manifestação de qualquer fenômeno em nossa Existência cambiante e relativa. Numa peça de teatro, as qualidades do protagonista não podem ser plenamente apreciadas sem os defeitos do antagonista. O mesmo acontece no nosso dia-a-dia: a condição indispensável para a existência da paz é a existência da guerra. (...) A condição indispensável para existência da vitalidade é a existência do padecimento. A condição indispensável para a existência de resultados é a existência de um processo, e a condição indispensável para a existência de uma condição é a existência de um condicionamento. Hoje, os supostos líderes macrobióticos, em sua maioria no hemisfério norte, parecem ignorar esse princípio básico. É bastante difícil para as pessoas em geral reconhecer essa realidade extremamente básica, óbvia e mesmo infantil. Por isso, mais e mais pessoas estão justificando ou misticamente ou tecnicamente essa omissão das leis da relatividade, e tal omissão constitui precisamente o erro fundamental que tem levado a humanidade à crise atual.
Todos os grandes líderes da história são obras-primas da dúvida, da dificuldade e da extrema adversidade. Homens e mulheres que enfrentaram grandes dificuldades em suas vidas tornaram-se líderes de seus povos. Afinal de contas, não tivessem eles enfrentado infortúnios vários, para que então liderariam a humanidade? Qual seria o papel de um verdadeiro líder senão ensinar como transformar a doença, a pobreza e a violência? E quem poderia desenvolver semelhante capacidade munido apenas de teorias e sonhos? De Buda a Mao Tse Tung, passando por Ghandi, de Cristo a Churchill, passando por Lincoln, todos os grandes líderes, quer do Oriente, quer do Ocidente, tiveram que lidar com precariedades pessoais em face de grandes dificuldades.
O caso de Wiston Churchill, por exemplo, é bastante emblemático. Ele chegou a ser considerado um dos maiores oradores da história. Seus discursos guiaram uma parcela muito importante da humanidade numa época crucial. No entanto, durante a infância e adolescência, ele experimentou um constante sentimento de inferioridade toda vez que abria a boca para dizer algo: Churchill, desafortunadamente, era gago. A fim de superar essa dificuldade, ele teve de enfrentá-la, exercitando-se horas a fio, durante anos, diante de um espelho.
Talvez, a dificuldade em reconhecer a relatividade óbvia da Existência esteja contribuindo para que vários supostos líderes macrobióticos abandonem suas famílias (onde amor e dúvida estão em permanente diálogo) em busca do amor absoluto, sem a mácula da insegurança ou da infelicidade.
Talvez seja a falta de confirmação da simultaneidade e da indivisibilidade de todos os fenômenos que tem levado os falsos líderes a não satisfazer a condição básica da liderança: o autogoverno. Isso reflete sobre a condição global desses líderes e sobre a condição dos que os seguem de perto.
Talvez seja a ignorância da relatividade o que transforma a Macrobiótica em mera seita. E como seita, ela tornou-se incapaz de responder efetivamente aos problemas da humanidade, preferindo apostar na ilusão de um paraíso de paz absoluta que surgirá num mundo futuro.
É preciso, pois, recolocar a Macrobiótica nos trilhos. Cumpre engajarmo-nos numa campanha para reforçar nossa atividade essencialmente educativa, esclarecendo os que nela se iniciam e reanimando os que, mais do que ninguém, precisam permanentemente redescobri-la.
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