quinta-feira, 8 de abril de 2010

Fé Brasil

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Na tarde do segundo dia, foram montadas as "tendas para os que lutam..."para os jornadeiros e jornadeiras. A partir destas três tendas simbólicas - a Paz, a Justiça e a Integridade da Criação - montadas em espaços identificados por depoimentos, fotografias, impressos, falas e cânticos, todos foram convidados(as) a refletir sobre as lutas que se tem travado em torno destas bandeiras ecumênicas. Gertraude Wanke, Dimas Galvão, Mara Manzoni Luz e Humberto Shikiya foram os motivadores(as) nas tendas, que eram visitadas pelos(as) "peregrinos(as)" da jornada.Unidade com os que lutam pela JustiçaDimas GalvãoAssessor da CeseNão é fácil falar de unidade, em função de tantas diferenças que aqui trazemos pois, cada um tem um jeito de exprimir suas crenças e sua espiritualidade, bem como um jeito próprio de viver e agir no mundo. Ao mesmo tempo, é também um fato que, se nos deslocamos de tão longe, suponho que viemos com o coração aberto para falar, ouvir e dialogar, fazer intercâmbio de idéias e vivências ecumênicas. É partindo do princípio que somos diferentes que se torna possível construir o movimento ecumênico e sonhar com a unidade tão desejada.Queremos levantar o tema da unidade, não na amplitude e na generalidade do termo, mas focando a questão da unidade com os que lutam por justiça. E começo relatando uma singular experiência por mim vivenciada. Era o primeiro domingo de julho e estávamos reunidos 10 dos 13 irmãos, para o aniversário de um sobrinho. Naquela tarde estava presente uma irmã que, há alguns anos, tornara-se membro de uma igreja diferente daquela de tradição familiar. Em meio a conversas de família, na cozinha, emergiu o assunto da Jornada Ecumênica. Perguntado do que se tratava este evento, discorri rapidamente sobre ele, falando, entre outras coisas, da quantidade de gente que aqui estaria e da diversidade de expressões religiosas entre os participantes. Aos poucos a conversa foi ficando polarizada entre eu e esta minha irmã, e descambou para uma discussão apaixonada sobre diversas questões. Travamos um acalorado debate sobre nossas experiências de fé que durou cerca de 3 horas. Não foi fácil porque, a cada instante, novos elementos iam sendo colocados e nossas diferenças foram se tornando um álibi para justificar as dificuldades para a continuidade do diálogo. Percebi depois que, na verdade, o problema não estava nas nossas diferentes formas de acreditar e sim na falta de humildade e abertura de coração para acolher o outro como ele é. Mesmo assim, num ponto nosso diálogo foi convergente. Éramos de acordo que, enquanto cristãos, é possível, mesmo nas diferenças, (e é bom que sejamos diferentes e assumamos isso como algo positivo) estar juntos para realizar as obras que a fé evangélica nos exige. É neste ponto que está situada a possibilidade da unidade na dimensão da luta pela justiça.Não sou teólogo, nem biblista, portanto, falo a partir de minha vivência pessoal. Aos que aqui trazem outra vivência religiosa que não a fé cristã, peço permissão para tomar como ponto de partida algumas passagens bíblicas como inspiração para esta breve reflexão inicial que introduz este grupo temático. Não porque considere os textos bíblicos como a única expressão da verdade. Como cristão, creio na Palavra revelada. Mas aprendi que Deus é tão bom e generoso para com a humanidade que proveu a todos os povos o direito, a sabedoria, a sensibilidade e a inteligência para que se expressem, de seu jeito, os tantos valores que aprendemos na Bíblia. Também tomo a Bíblia como referência porque há muita gente que utiliza a palavra de Deus para promover a divisão, a intolerância e o ódio, pensando que assim agindo, estão defendendo a essência da mensagem de Jesus.Nesses anos de vida aprendi, inspirado na leitura e na escuta da Palavra, na vivência comunitária e no trabalho que toda pessoa é, não só criatura, mas filha de Deus. E que cada pessoa, homem e mulher, é morada perene do Espírito Santo. Toda e qualquer pessoa!!! Foi Paulo quem disse isso, lá em Cor 3,16. Independente de etnia, cultura ou religião que professemos, o Espírito Santo habita em nós. Somos seu templo.Fui chegando a conclusão então que, pelo fato de sermos templo do Espírito Santo, toda vez que uma pessoa é violada na sua dignidade, na sua integridade, no seu direito, é o próprio Espírito Santo que está sendo agredido. É na defesa da vida que a justiça se realiza. A luta por justiça além de ter seu fundamento primeiro na premissa do mais radical amor ao Espírito Santo, impõe-se como uma das mais radicais exigências evangélicas. Deixar-se orientar por Ele é ir ao encontro do outro e fazer a nossa parte para que o templo do Espírito Santo, ali visível em nossa frente, seja respeitado na sua integridade. Não é, portanto, um mero jogo de palavras bonitas, poéticas e sedutoras, nem uma declaração inconseqüente de amor que nada muda, que deixa tudo como está. É uma exigência radical ao engajamento, de alguma forma, na defesa da vida.Nem é, por conseguinte, a justiça do olho por olho, dente por dente tão real em nossa sociedade. Nem é aquela justiça da pena de morte que estamos acostumados a ver defendida por parlamentares, empresários e contraditoriamente, quem sabe até por nós mesmos e por tantas pessoas que se dizem cristãs. Nem tampouco é o modelo de justiça dos impérios, como aquele de George Bush quando, após os atentados de 11 de setembro, impôs ao mundo a sua vontade: a lógica norte-americana da guerra se confundindo com o bem: "quem não é por nós, é contra nós". Para os cristãos, Jesus Cristo veio fazer novas todas as coisas e inaugurar um novo conceito de justiça, que é o do amor."Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos". Isso está em Jo 15, 12-17. Amigo aqui, não entendido como o fisicamente próximo ou aquele que conheço e por quem nutro um afeto particular. Mas o outro, simplesmente, seja ele ou ela quem for. Jesus doou a vida pela humanidade e nós devemos nos despojar e fazer o mesmo, afinal, ali está o templo do Espírito Santo. O relato do bom samaritano(Lc 10, 25-37) nos mostra bem: aqui o próximo é um total desconhecido, socorrido, não pelo sacerdote, responsável pelo culto no templo. Nem tampouco foi o levita, guardião do templo. Mas por um samaritano. Mas, quem eram os samaritanos? Porque o evangelho escolhe o samaritano para representar um dos mais belo dos gestos de solidariedade? Os samaritanos eram os habitantes da Samaria, que ficava ao norte de Israel. Também eles faziam parte do povo da Aliança, mas, por motivos religiosos e políticos, tinham conflitos com o reino de Judá, no sul, onde estava o templo e onde estavam guardadas as tábuas da aliança. Por esse motivo, os samaritanos eram discriminados e considerados inferiores. Jesus pega um exemplo radical para retratar o gesto radical do amor: 1) a solidariedade é dirigida a um desconhecido, e normalmente, a tendência é termos menos compaixão por um desconhecido. 2) E ela não veio dos conhecedores da Lei e dos freqüentadores do templo. Veio de um desprezado pela sociedade da época. Pelas mãos e pelo coração de um desprezado, o samaritano, a vida é resgatada e, no seu gesto, a justiça é realizada.Numa das passagens mais iluminadas do Novo Testamento em Mt 25, 34-46, o relato do Juízo Final, Jesus chama de Bem-aventurados do Pai aqueles que, em vida, deram de comer e beber aos que sentiram fome e sede, acolheram os peregrinos, vestiram os nus, visitaram os enfermos e os presos. Fazendo uma leitura adaptada desse trecho para os nossos dias, bem que poderíamos colocar na boca de Jesus: bem aventurados os que foram solidários com a luta dos sem teto, dos sem terra, dos índios, dos quilombos, dos sem emprego, dos meninos e meninas de rua e aí por diante. Aos que deixaram de fazer isto, chama de malditos e serão privados das alegrias do Reino. Os bem-aventurados Ele chama de justos e os convida a tomar posse do reino que estava preparado desde o princípio dos tempos. Os dois relatos nos apresentam o que denominamos de o encontro solidário com o outro, que necessita de algum gesto de nossa parte que o ajude a se liberar de uma situação onde a vida é negada a leva-lo à condição de cidadão. A vida da qual Jesus fala, não é uma esmola, mas um direito de todos, perfeitamente realizável em nossa sociedade e para o qual somos insistentemente chamados a nos comprometer. Para sermos merecedores do reino, não basta, portanto, repetir Senhor, Senhor, mas fazer a Sua vontade.Inspirado no caminho que esses textos bíblicos nos indicam, alguns desafios poderiam ser colocados para todos nós:1. Como aplicar o conteúdo dessas mensagens para um plano que ultrapasse a ação individual e atinja o coletivo?2. Como realizar, no cotidiano concreto, na sociedade real brasileira e latino-americana ações cidadãs que conduzam a transformação das estruturas e garantam a realização da justiça?3. Como ir além de uma ação assistencialista a favor desta ou daquela pessoa, de forma a superarmos aquela mentalidade e práticas individualistas, presentes em nossas igrejas, para ações que busquem o direito de um coletivo de pessoas?4. Ou então, como realizar ações para a superação da injustiça, indo além daquela visão assistencialista de amor evangélico que não ajuda a promover transformações substanciais nas relações sociais, econômicas e políticas?Voltando para o contexto da reflexão bíblica, todos aqueles relatos nos dizem que o Criador foi tão generoso que, gratuitamente nos concedeu o direito à vida. Ela, a vida é, portanto, um legado, um patrimônio de toda a humanidade. Nesse sentido, podemos dizer que a luta pela Justiça na História é uma forma de concretização, ainda que parcial e limitada, do direito fundamental à vida por Deus doada e defendida por Jesus, como o mais radical ato de amor que poderíamos realizar. O apelo presente lá no texto do juízo final é, dirigido a todas as pessoas, em benefício de todo o gênero humano, independente de fazerem parte da comunidade de fé, a Igreja de Cristo.É neste trecho da nossa reflexão que se coloca a necessidade da unidade entre todas as pessoas de boa vontade. Devemos, de novo, nos inspirar em João, que rogou para que fossemos um, pelo menos para que, juntos, pudéssemos promover ações visando a garantia de direitos e da vida. Sem direitos assegurados, não há justiça.Estamos habituados a ouvir notícias e notícias sobre conflitos e guerras que têm na religião a sua causa ou o seu efeito. Quantas notícias já ouvimos em relação a isso? Provavelmente esta jornada não será destaque em noticiários de jornais e da televisão. Mas se amanhã uma igreja se desentender com a outra, vai ser manchete. Provavelmente esses conflitos são mais divulgados porque dá mais ibope ou então é um sinal que aquele ditado popular "quanto mais o circo pegar fogo, melhor" expresse uma vontade coletiva: Tomara que não seja por isso.Mas, para nossa alegria - e o fato de estarmos aqui é uma prova - há tantos sinais e gestos de unidade na luta pela justiça. Pequenas e grandes experiências, locais e regionalizadas, por toda a parte, envolvendo as mais diferentes denominações, estão espalhadas por todo canto. Gente de igreja que se articula com religiões não cristãs, organizações populares, movimentos e outros grupos da sociedade civil para promover ações das mais variadas naturezas para a realização da cidadania. Se é verdade que o sonho ideal da unidade ainda não está definitivamente realizado, o que já existe em andamento nos faz felizes e esperançosos. Durante estes dias da Jornada, muitas novas iniciativas estão sendo relatadas, não só entre denominações cristas, mas na articulação com movimentos populares e com outras expressões religiosas.A unidade clamada por Jesus na súplica angustiada que faz ao Pai no Evangelho de João, se concretiza através das iniciativas que estamos realizando e que ainda poderemos realizar em nossas cidades e estados. Portanto, não nos entristeçamos porque já podemos antecipar o canto do Salmo 85: não mais uma dia "justiça e paz se abraçarão". Elas já estão abraçadas. Louvemos ao Senhor por isso.

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