Cadeia deve ser apenas para crimes mais graves
Artigo publicado no Jornal"O Estado de São Paulo"
Mais baratas e eficientes para delitos leves, penas alternativas são saída para superlotação de prisões
A construção de novos presídios e a adoção de políticas voltadas à humanização do sistema penitenciário são insuficientes para resolver o problema da superpopulação carcerária no Brasil. O número de presos do País vem crescendo quase 10% ao ano desde 1994, quando se iniciaram os censos nacionais do setor. "A fixação da sociedade pela prisão está provocando o aumento da criminalidade; o encarceramento é uma escola de crime", afirma Cláudio Tucci, secretário-adjunto da Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo.
No Estado de São Paulo, enquanto a população cresceu 39% desde 1980, o número de presos aumentou 239%. Dessa forma, embora o governo estadual tenha ampliado em 80% o número de vagas em penitenciárias, criando 18 mil novas vagas em quatro anos, a superlotação mantém-se porque, nesse período, a população carcerária cresceu, passando de um total de 58.996 para 78.130 pessoas.
Por esses motivos cresce - no Brasil e no mundo - a convicção de que se deve destinar ao regime fechado apenas os autores de crimes mais graves, como os de assassinato ou estupro. Para os demais, o Estado deveria buscar penas de restrição parcial da liberdade (prisão nos fins de semana ou em regime aberto ou semi-aberto, nos quais o condenado sai para trabalhar) e ampliar a aplicação das chamadas penas alternativas, que restringem direitos, mas não a liberdade. Nesses casos, a pessoa pode perder, por exemplo, o direito de dirigir, ser condenada a pagar multa ou a prestar serviços à comunidade.
Penas alternativas - Em 1995, as Nações Unidas aprovaram documento com essa orientação. No Brasil, que regulamentou as penas alternativas em 1984, as experiências mais bem-sucedidas são as condenações à prestação gratuita de serviços à comunidade, como forma de ressarcir a sociedade por seu crime.
Os números são os melhores argumentos a favor das penas alternativas. No Estado de São Paulo, enquanto a reincidência média do sistema penitenciário é de 47%, nas penas alternativas restringe-se a 12%. O Estado de São Paulo gasta cerca de R$ 620 reais ao mês para manter um preso numa penitenciária, enquanto um condenado à prestação de serviços à comunidade custa em média R$ 26. Isso sem computar o valor do trabalho que realizam nos órgãos públicos ou entidades filantrópicas.
Segundo Tucci, entre 20% e 25% da atual população carcerária poderia cumprir pena em liberdade, prestando serviços à comunidade. Ele avalia que apenas 35% dos atuais presos deveriam estar em presídios de alta segurança. O restante poderia estar em prisões de menor segurança ou em unidades de regime aberto ou semi-aberto. "Mandar jovens que cometeram pequenos furtos para a cadeia pode fazer com que ele saia pior; além disso, o crime do reincidente é sempre pior em crueldade e sofisticação", pondera Armando Tambelli, da Pastoral Carcerária Estadual, com a autoridade de quem freqüenta os presídios do Estado há 13 anos.
Resistência - Apesar dos bons resultados, o País ainda resiste à aplicação das penas alternativas. Em 1995, 11 anos depois da sua regulamentação, apenas 2.508 condenados cumpriam penas nesse sistema, enquanto 148.760 presos se amontoavam num sistema prisional com capacidade para 65.883 pessoas. Em 1997, o número de condenados a penas alternativas caiu para 1.516 e apenas 689 cumpriam pena de prestação de serviços à comunidade.
O grande problema para a aplicação das penas alternativas é a resistência do Judiciário.
Para ampliar o uso dessas penas, em 1997, a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo fez convênios com as Secretarias Estaduais do Trabalho e do Patrimônio Histórico com o objetivo de criar vagas para o trabalho de condenados em hospitais, prédios públicos e projetos de recuperação do patrimônio público.
Apesar do sucesso da experiência, porém, existem hoje em São Paulo 1.700 vagas disponíveis para penas alternativas e apenas 130 condenados cumprindo penas nesse sistema.
"Os juízes resistem a aplicar essas penas porque não confiam na capacidade de controle do sistema", explica o secretário da Administração Penitenciária do Estado, João Benedicto de Azevedo Marques. Ele argumenta, porém, que o controle é simples e eficiente: o órgão que recebe os serviços do condenado faz um relatório periódico, informando apenas sobre o tipo de relacionamento que a pessoa manteve no trabalho, se compareceu e se houve algum incidente.
Já em Porto Alegre, capital do Estado que foi pioneiro, começando a aplicar as penas alternativas há dez anos, o acompanhamento do cumprimento dessas sentenças é mais detalhado. Com uma pequena equipe, a Vara de Execuções Penais telefona semanalmente para os locais de trabalho dos condenados e assistentes sociais intervêm sempre que surge problema. Com isso, as penas alternativas conquistaram a confiança dos juízes, fazendo com que o número de condenações nessa modalidade crescesse sete ou oito vezes em dez anos. No Rio Grande do Sul essas penas são aplicadas, sobretudo, no caso de crimes de furto, estelionato, uso de drogas e os relacionados a acidentes de trânsito. A prestação de serviços é feita quase sempre em entidades filantrópicas com trabalho em creches, escolas e associações para deficientes e excepcionais.
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