quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

UM POUQUINHO DE UM PAIS CHAMADO BRAZIL



Colunista do 247, Tereza Cruvinel 
é uma das mais 
respeitadas jornalistas políticas do País



Poderes duelam na beira do esbarrancado

A grande trombada entre os poderes, com potencial 
para uma ruptura institucional, deu mais um passo. O 
Congresso fez da pior forma o que poderia até ser bem 
compreendido pela população se feito de outro modo, 
com debate e transparência. A coalizão 
Judiciário/Ministério
 Público/Lava Jato também reagiu da pior forma,
 com
 ameaças chantagiosas, às mudanças no pacote 
anti-corrução, que incluíram a aprovação de
 emenda 
sobre abuso de autoridade. O procurador Deltan
 Dallagnol 
apelidou-a de “Lei da Intimidação do Judiciário e do Ministério 
Público”. Num repto a Michel Temer, os procuradores
 ameaçaram renunciar à Lava Jato caso a proposta seja 
aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente 
da 
República. Só se esquecem de uma coisa: vetos
 podem ser 
derrubados pelo Congresso e isso costuma acontecer 
quando
 o assunto é dar o troco. Ainda há ingredientes
 explosivos
 para serem colocados nesta crise mas em algum
 momento
 ela vai bater no muro.

No ponto crítico a que ela chegou hoje, a presidente 
do STF, 
Carmem Lucia, disparou contra o Congresso 
emitindo sinal
 verde para que os outros subissem o tom. Janot 
falou grosso, 
os da Lava Jato dispararam e do outro lado coube 
a Renan 
Calheiros, como não poderia deixar de ser,
 responder em
 nome do Congresso que preside: as dez medidas
 propostas
 pelo Ministério Público só poderiam ser aprovadas 
no
 fascismo, disse ele, acrescentando que o Congresso
 não
pode deliberar por pressão externa. Renan, Justiça seja
 feita, é quem tem defendido publicamente, com palavras
 francas, a necessidade de reequilibrar a balança entre os
 poderes que, ao longo dos meses e numa sequência de
 episódios, pendeu para o Judiciário, naturalizando uma
 supremacia que fere o princípio do equilíbrio e da 
equipotência entre os poderes. Tipificar o abuso de
 autoridade e estabelecer que magistrados e procuradores
 também respondam por crimes de responsabilidade
 funcionais só viraram anátema por conta da supremacia
 judiciária que foi se estabelecendo.

Já os deputados fizeram tudo do pior modo para eles mesmos.
 Inicialmente, aprovaram na íntegra as dez medidas do 
Ministério Público. Deram a impressão de engolir propostas
 que Renan associou ao fascismo, como a flexibilização
 do habeas corpus e a criação da figura do reportante do 
bem, medida que estimulará o dedurismo recompensado,
 adubando a semente do estado policial. Ou o confisco 
alargado dos bens de um investigado, mesmo não estando provado
 a conexão com um crime de corrupção. Foi ingenuidade dos 
procuradores acreditar que o Congresso iria permitir a 
criminalização dos partidos políticos e a perda de registro por
 envolvimento de seus dirigentes em delitos. Os partidos não 
são indivíduos, pelo contrário, representam uma massa de
 filiados e eleitores que não podem responder por atos dos 
dirigentes. Eles que sejam punidos. A criminalização do 
caixa dois, por exemplo, foi aprovada, e em lugar da anistia,
 os deputados optaram por aprovar a emenda sobre abuso 
de autoridades de magistrados e procuradores. A população
 talvez compreendesse a impertinência de algumas das medidas
 derrubadas se a Câmara tivesse optado por um debate mais 
prolongado, expondo os inconvenientes que representam não
 para eles, unicamente, mas para toda a sociedade. O 
reportante-dedo-duro-premiado, por exemplo, pode germinar
 perigosamente na atual cultura envenenada pela cruzada
 moralista. A Câmara, ao invés de sustentar este debate, foi 
pelo atalho. Votou o pacote, fingiu que o engoliu e quando a
 noite ia alta começou a aprovar emendas. Mas no final do
 dia estava claro que isso iria acontecer. Ou pelo menos
que o abuso de autoridade passaria. No cafezinho do plenário
 o que mais havia eram deputados engasgados com o pacote.

O Senado acaba de rejeitar o pedido de urgência para a votação 
do pacote recebido da Câmara. Mais que derrota de Renan, 
sinal de que os senadores viraram bombeiros, querem baixar 
a temperatura. Mesmo com o recuo, não creio que o Senado 
aceitará o emparedamento que o Ministério Público tentou
 impor à Câmara e acabou perdendo. Os procuradores 
demonstraram, neste processo, não compreender nada do 
processo legislativo. Ali nada é aprovado tal como proposto,
 nem por governos nem pelos próprios parlamentares. Não
 seria o Ministério Público, nas atuais condições, que arrancaria 
de uma Câmara em estado de pânico com a iminência das 
delações sobre caixa dois, de origem legal ou ilícita, que 
arrancaria do plenário a chancela integral de sua proposta,
 por mais assinaturas de apoio que tenha tido.

Os senadores recuam por temer o agravamento, a crise institucional 
propriamente dita, mas também por saberem que, nesta guerra,
a força está com a coalizão Judiciário/Ministério Público/Polícia 
Federal. O lado podre da corda está com o Congresso, onde
 Renan responde a uma dezena de processos e mais de uma 
centena de parlamentares podem aparecer na lista da 
Odebrecht. Já vazou delação da Odebrecht contra Jucá, que
teria centralizado o recebimento de R$ 22 milhões para ele, 
Renan e companhias peemedebistas. Os procuradores não
 brincam em serviço.

Este confronto, agora em seu pico, já estava há muito anunciado
. O Supremo, a Lava Jato e Moro já atravessaram muitas
 vezes a linha do limite e o Congresso não reagiu. Lula e Dilma
 foram ilegalmente gravados e as conversas ilegalmente
 divulgadas. O STF, guardião da Constituição, lavou as mãos. 
Como a vítima era o PT, o Congresso não tossiu. Delcídio 
do Amaral foi preso no exercício do mandato e sem flagrante
. O Senado mugiu mas, acuado pela mídia diante do vazamento
 das conversas estarrecedoras do então senador petista, 
homologou a prisão autorizada pelo ministro Teori. Em 
Curitiba acontecem desatinos em série contra as garantias
individuais mas o STF não enfrenta Moro. Lula precisou ir
 à ONU porque não encontrou aqui respaldo a suas denúncias 
sobre a parcialidade e a perseguição movidas por Moro.

E o STF, para completar, continua legislando. Se “a turma 
do deixa disso” não entrar em campo, na semana que vem
 a Câmara pode revidar com mais um tiro: a aprovação,
 pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), de projeto 
que tipifica como crime de usurpação de competências de 
um poder por outro.

– Estou sendo muito cobrado a colocar meu parecer em
 votação mas achei que este não era o melhor momento. 
Vou deixar estas dez medidas serem votadas primeiro. 
Mas a pressão aumentou com esta notícia de que o Supremo 
mais uma vez legislou, aprovando o aborto até os três 
meses de gravidez – dizia o deputado Marcos Rogério
(DEM-RO), que é o relator do projeto na CCJ, durante 
a votação das medidas, mas antes da aprovação das emendas.

Agora, temos dois poderes na trincheira e no meio,
 um Temer
desafiado. Aguardemos os próximos tiros,
 torcendo para que 
não sobrem para a democracia, este lírio 
açoitado.
http://www.brasil247.com/
pt/blog/terezacruvinel/268135/
Poderes-duelam-na-beira-do-esbarrancado.htm

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