Foram necessárias 31 horas para que Fernando Lugo fosse julgado pelo
Senado paraguaio, e destituído da presidência. Quase o mesmo tempo foi
necessário para que líderes por toda América Latina recriminassem a ação,
comparando-a a um golpe de Estado. Na reunião do Mercosul que começou
nesta quinta-feira, 28, em Mendoza, na Argentina, Lugo afirmou que iria
como observador, mas voltou atrás. Federico Franco, seu sucessor, foi
considerado persona non grata pelo evento, e decidiu enviar o ministro
das Relações Exteriores, José Felix Fernández, como representante
. Mesmo sem a presença dos dois lados da disputa, o Paraguai está
suspenso do Mercosul, que começa a abrir seus braços para novos
membros como a Venezuela (cuja entrada no bloco dependia apenas de
um sinal verde do mesmo Senado que destituiu Lugo) e Equador.
“Mau desempenho das funções” foi o motivo alegado pelo Senado para
que Fernando Lugo fosse afastado da presidência paraguaia. Esse “mau
desempenho” teria sido fruto de sua negligência e inaptidão no confronto
entre policias e camponeses que deixou 17 mortes em Curuguaty, no
departamento de Canindeyú, no leste do país, próximo à fronteira com
o estado brasileiro do Paraná. Para figuras da oposição, como o
deputado Salym Buzzarouis, do PLRA (Partido Liberal Radical
Autêntico), o processo foi tão legal quanto o impeachment de
Fernando Collor. “Aqui não há nenhum golpe, foi tudo 100%
constitucional. Se um julgamento político é golpe de Estado, então
os brasileiros já fizeram um golpe de Estado em 1992”, disse. Para a
esquerda, tratou-se de um golpe patrocinado por corporações
estrangeiras como a Monsanto, interessadas em “perseguir os
camponeses, tomar suas terras, e garantir a proliferação de seus
transgênicos”, como escreveu o jornalista paraguaio Idilio Méndez
Grimaldi, dias antes da aprovação do impeachment.
Se por um lado não restam dúvidas de que a Constituição paraguaia
prevê a remoção de um presidente por “mau desempenho das funções”
, por outro, a impressionante velocidade com que seu processo de
impeachment foi concluído deu aos líderes dos países vizinhos a
clara impressão de que o ex-bispo paraguaio fora vítima de um golpe.
Dilma Rousseff sugeriu a suspensão do Mercosul. A argentina Cristina
Kirchner, o equatoriano Rafael Correa, e o dominicano Leonel
Fernández, se recusaram a reconhecer Franco como o novo
presidente do Paraguai. Colômbia e Chile também condenaram
o impeachment, que foi considerado um golpe de Estado pelos países
da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA). A vasta maioria dos
países da América Central e do Sul retirou seus embaixadores do
Paraguai. Apenas Canadá, Alemanha e Espanha reconheceram
oficialmente o novo governo.
A grande questão: o que isso tem a ver conosco?
Muito, diz Grimaldi. “O Brasil está construindo um processo de
hegemonia mundial junto com a Rússia, Índia e China. No entanto,
os Estados Unidos não recuam na tentativa de manter seu poder de
influência na região”, afirma o jornalista. “Enquanto isso, Washington
segue sua ofensiva diplomática em Brasília, tratando de convencer o
governo de Dilma Rousseff a estreitar vínculos comerciais, tecnológicos
e militares, e o Paraguai é um país em disputa por ambos, sendo ainda
amplamente dominado pelos Estados Unidos. Por isso, os eventos de
Curuguaty representam também um pequeno sinal para o Brasil, no
sentido de que o Paraguai pode se converter em um obstáculo para o
desenvolvimento do sudoeste do Brasil”.
Já Carlos Góes, em seu texto publicado quarta-feira, 27, no
Opinião & Notícia, alerta para os perigos que uma era intervencionista
pode trazer ao Brasil, citando os duvidosos reultados das missões no
Haiti e do apoio ao ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya. “
As reverberações do intervencionismo terminam por limitar as
possibilidades de atuação política do governo, por opções que
penalizam as pessoas – e não governos – e para caminhos cada vez
mais radicalizados. É necessário recordar, portanto, que as sanções
que Hugo Chávez hoje impõe ao Paraguai são justificadas de maneira
idêntica àquelas aplicadas contra o Iraque e que acabaram por resultar
numa invasão militar: a imposição exógena de uma visão de democracia”, diz Góes.
Tudo indica que, uma vez apaziguada a situação no país, as relações do
Paraguai com seus vizinhos devam voltar oa normal. Em suas primeiras
entrevistas como presidente, Franco tem enfatizado a necessidade de não
criar problemas com os países da América do Sul. “Somos o menor país da
região e precisamos de nossos vizinhos. Tenho 14 meses para governar
e o que menos quero é ter problemas com vizinhos poderosos como Brasil
e Argentina”. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota,
confirmou que há consenso no Mercosul para não aplicar sanções econômicas
ao Paraguai. Segundo o chanceler, o mais provável é que o bloco prorrogue a
suspensão do país para continuar participando de reuniões e do processo
decisório interno do bloco.
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