sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A força da mulher Selvino Heck *

Adital -
Tudo é muito, mas muito difícil para uma mulher. Como é para um negro, um indígena, um catador de material reciclável, um morador de rua. Primeiro, elas precisam provar que são gente, que têm a mesma inteligência e capacidade que o homem, e que não são rivais, mas parceiras. Segundo, quando chegam a algum espaço, cargo ou posição relevante, vem logo a cobrança, diferente da feita para o homem: "Mas como? Já está há tanto tempo no governo e ainda não fez nada?" - "Só podia ser mulher, sem capacidade e sem experiência!" - "Mulher é mesmo desastrada. Tem que botar um homem no lugar". Terceiro, se o seu lugar histórico é na cozinha, ‘no e do lar’, como podem elas hoje serem médicas, engenheiras, pedreiras, metalúrgicas, motoristas, e agora, até presidentas! Seu lugar é na retaguarda. Afinal, ‘atrás de um homem sempre tem uma grande mulher!...’.

Em 2010, terceiro milênio, muitos espaços ainda estão vedados para as mulheres. No máximo, sua profissão é ser professora: ganha pouco e tem a paciência necessária. Quando estão em empregos ou funções iguais ao homem, seus salários continuam menores. Seu esforço para mostrar competência tem que ser duplo ou triplo.
As mulheres brasileiras só puderam votar em 1934, há menos de oitenta anos, portanto. Pobres e trabalhadores sempre serviram de bucha de canhão das elites de pensamento europeu e cabeça norte-americana. Ser escravo (ainda hoje, muitas vezes) fazia (faz, na prática) parte da rotina de casa. A mulher negra é servidora da patroa. A Universidade até há pouco era para poucos e bem situados na vida. Assim tem sido ao longo do tempo com as Dilmas, as Marinas, com cada mulher deste país e do mundo.
Ao mesmo tempo, aí reside a força da mulher. Não porque gestou um filho por nove meses ou o amamentou, mas porque enfrentou todas as dificuldades e obstáculos do mundo, todos os preconceitos... e venceu! Porque vem de baixo e sabe sua força. Porque se afirma com sua sabedoria e dedicação. Porque precisa demonstrar a cada dia que é igual ou superior a qualquer um, a qualquer homem e é dona do seu nariz e destino. Porque não se deixa mais enganar, porque não esmorece, porque acredita em si mesma.
O presidente Lula vem dizendo que uma das coisas mais importantes de seu governo é o fato de os humilhados e ofendidos históricos deste país terem recuperado ou conquistado sua auto-estima. Quando foi sancionado o Projeto que cria a Política nacional de Resíduos sólidos, disse: "Severino e Madalena (dois catadores) reconquistaram o respeito próprio, a dignidade e o direito de andar de cabeça erguida nas ruas deste país. Quando um ser humano descobre ‘eu posso’, sai da frente, porque vai ser um grande vencedor".
As mulheres são maioria na sociedade, dizem todos os censos. As mulheres estão em todas as atividades, profissões, trabalhos e espaços. Conquistaram o direito de não serem mais discriminadas, de ser gente. Cada centímetro a mais que qualquer mulher ocupou neste país não foi dado de presente. Foi conquista dura, em geral sofrida. E não pode mais haver recuo, não haverá recuo.
Nestes tempos de campanha eleitoral, quando uma mulher pode ser a primeira presidenta do Brasil, quatro palavras ou frases podem expressar e condensar o que se passa neste momento histórico. Pedro Tierra escreveu, no poema Os Filhos da Paixão: "Hoje, temos uma cara. Uma voz. Bandeiras./ Temos sonhos organizados./ Queremos um país onde não se matem as crianças/ que escaparam do frio, da fome, da cola de sapateiro./ Onde os filhos da margem tenha direito à terra,/ ao trabalho, ao pão, ao canto, à dança,/ às histórias que povoam nossa imaginação, às raízes da nossa alegria".
As palavras de Dilma Rousseff, candidata a presidente no Teatro Casa Grande no Rio: "Nós mudamos alguns tabus. O principal deles é de que o país não poderia crescer distribuindo renda. Hoje isso parece óbvio, mas nunca foi óbvio. Por trás desse tabu está uma visão mercantil do Brasil. Uma visão que incorpora uma parte da população nos benefícios da modernidade e pouco se importa com a outra parte. Nós seremos uma nação desenvolvida. Mas não queremos ser os Estados Unidos da América do Sul, onde uma grande parte da população negra está na cadeia e uma parte da população branca pobre mora em trailers e não tem acesso às condições fundamentais de sobrevivência digna. Por isso, nós hoje somos respeitados no mundo. E vamos ser mais, pois ninguém respeita um país que deixa parte de seu povo na miséria".
Palavras de Chico Buarque no Teatro Casa Grande: "Venho aqui reiterar meu apoio entusiasmado à campanha da Dilma, essa mulher de fibra, que já passou por tudo, não tem medo de nada. Vai herdar o senso de justiça social, um marco do governo Lula, um governo que não corteja os poderosos de sempre, não despreza os sem-terra, os professores e os garis. A forma de Lula governar é diferente. O Brasil que queremos não fala fino com Washington e nem grosso com Bolívia e Paraguai. Por isso, é ouvido e respeitado no mundo. Nunca antes na História desse país houve algo assim".
E as palavras da filósofa Marilena Chauí: "A minha geração viu um negro na presidência da África do Sul, um índio na presidência da Bolívia, um negro presidente dos Estados Unidos, um operário dirigindo o Brasil e verá uma mulher presidir o nosso país".
Se assim é, assim será.

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