segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

TRIBUTO AO PROFESSOR ASSASSINADO KASSIO VINÍCIUS


J’ACUSE !!!
(Eu acuso !)

(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)

« Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice.
(Émile Zola)
Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (...) 
(Émile Zola)

Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de 
casos, desrespeito.

 Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte,

 um estudante processa a escola e o professor

 que lhe deu notas baixas,

 alegando que teve danos morais ao ter que virar noites 

estudando

 para a prova subsequente. 

(Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter 
que... estudar!).

A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças 

constantes.

 Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada 

por um aluno. 

O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro. 
O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua 

vida,

 com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas,

 com as lágrimas eternas de sua mãe, pela 

irresponsabilidade 

que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares. 
Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada

. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, 

às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método

 de ensino e imperativo de convivência supostamente 

democrática. 
No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas 

que

 “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que 

traumatiza”.

 A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. 

Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil 

dos nossos alunos”.

Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu 

conhecimento.”

 Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai 

avaliar o professor”. 

Afinal de contas, ele está pagando... 

Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto 

e

 burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a 

mercantilização

 desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é 

anabolizado pela 

lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno – 

cliente... 
Estamos criando gerações em que uma parcela considerável 

de nossos

 cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados 

para os problemas, 

decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com 

conflitos e, pior, 

dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes 

deve algo”. 

Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou 

uma

 faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração 

de um professor.

 Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, 

sentir, amar. 

Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos

 os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, 

o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em 

pena 

maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, 

fará parte do devido processo 
legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo 

Ministério Público.

 A acusação penal a o autor do homicídio covarde virá do 

promotor de justiça.

 Mas, com a licença devida ao célebre texto

 de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás 

do cabo da faca: 

EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende 

relativizar

 tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa; 

EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas 

do politicamente correto, que impedem a escola de constar

 faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos 

criminosos,

 deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em 

outras escolas; 

EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com 

mestrado e

 doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão 

pressionados a dar

 provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar 

a avaliação 

ao perfil dos alunos”; 

EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que 

em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, 

permitiram a proliferação de cursos superiores 

completamente sem condições, freqüentados por alunos 

igualmente sem condições de ali estar; 

EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de 

diplomas

 e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade 

com

 o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas

 futuras missões na sociedade; 

EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, 

cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e 

enganado, o qual, finge que não sabe que, para a escola que 

lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu 

sucesso e sua felicidade amanhã; 

EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam 

seus

 alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para

 maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o 

número 

de alunos com segundo grau completo cresceu “tantos por 

cento”; 

EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham 

pela

 massificação do ensino superior, sem entender que o aluno 

que ali

 chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, 

intelectual

 e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno 

“terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer

 saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros 

clientes-cobaia; 

EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo 

paradigma”,

 uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a 

boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às 

normas, à autoridade e do respeito ao ambiente 

universitário como um ambiente de busca do conhecimento; 

EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam

 que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de 

velho decrépito, 

EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se 

tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são 

comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e 

notas fáceis; 

EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade

 dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim 

como ACUSO os professores que, vendo tais alunos 

colarem,

 não têm coragem de aplicar a devida punição. 

EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e 

coordenadores que impedem os professores de punir os 

alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam 

“promoters” de seus cursos; 

EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram 

condutas

 desrespeitosas de alunos contra professores e 

funcionários,

 pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é 

diretamente 

responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;

Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos 

-clientes, serão despejados na vida como adultos 

eternamente 

infantilizados e totalmente despreparados, 
tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto 

pessoalmente

 para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia.

Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de 

grandeza

, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada 


essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e 

imprevisível

 que podemos chamar de “o outro”. 

A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, 

hoje 

na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu 

tiro nota 

baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a 

culpa é do patrão. 

Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, 

mato, a culpa é
do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima

. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em

 dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu 

queria. 

Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os 

pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, 

você pode ser o próximo.” 

Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer 

motivo. 

Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas.

 A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos 

nós

. Que a sua morte não seja em vão. 

É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos 

mão 

dos modismos e invencionices. 

A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas 

escolas e universidades

 é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de 

seriedade, responsabilidade, 
disciplina e estudo de verdade. 

Igor Pantuzza Wildmann 

Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.








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