quarta-feira, 31 de julho de 2019

CRIME CONTRA A HUMANIDADE QUE FIQUE CLARO É IMPUTÁVEL

A prisão de Augusto

 Pinochet: 20 anos do 

caso que transformou

 a Justiça internacional

A prisão do ditador chileno em Londres, em 

16 de outubro de 1998, marcou a jurisprudência

 global sobre os crimes contra a humanidade

O ditador chileno Augusto Pinochet em 1997, um ano antes de sua prisão em Londres. 
Vocês não têm o direito de fazer isso, 
não podem me
 prender! Estou aqui em uma missão
 secreta!", exclamou
 o ditador chileno Augusto Pinochet,
 então com 82 anos,
 quando, na noite de 16 de outubro de
 1998, foi preso 
na London Clinic da capital britânica,
 segundo o livro
 Yo, Augusto, de Ernesto Ekaizer.
 Havia viajado à 
Europa para fazer uma operação na
 coluna e, como
 era senador vitalício no Chile, pensava 
estar protegido
 pela imunidade diplomática. Mas era
 uma viagem
 particular, e o Governo do Reino
 Unido não havia sido
 informado. O juiz espanhol Baltazar 
Garzón aproveitou 
a situação para emitir, na véspera, um
 mandado
 internacional de prisão e solicitou
 sua extradição para
 a Espanha, justificada por uma 
queixa criminal sob 
a Operação Condor, a coordenação
 das ditaduras
 latino-americanas para perseguir 
e eliminar 
opositores. Foram 503 dias de prisão
 e, embora o
 Reino Unido não tenha autorizado
 sua transferência
 para a Espanha, o caso -- que
 completa 20 anos 
-- marcou a jurisprudência 
internacional sobre os
 crimes contra a humanidade.
A prisão de Pinochet mostrou que
 os juízes podem
 agir contra os violadores de direitos
 humanos em
 países terceiros e que é possível
 buscar justiça 
transnacionalmente. Para Naomi 
Roht-Arriaza, 
professora de Direito da Universidade
 da Califórnia, 
Hastings College of the Law, com o 
caso Pinochet 
houve a revalidação "da justiça 
universal como uma
 forma complementar da justiça
 internacional,
 paralela ao emergente Tribunal 
Penal Internacional 
-- o Estatuto de Roma é assinado no
 mesmo ano da
 detenção -- e aos tribunais 
ad hoc". Segundo a
 professora, a causa deu esperança
 às vítimas de
 uma série de conflitos de longa 
duração, e os 
advogados começaram a levar
 novos casos aos
tribunais estrangeiros, como na 
Bélgica e Espanha.
"Os militares e ex-chefes de Estado
de vários países
 -- Israel, Estados Unidos,
 Guatemala -- começam
 a cancelar viagens e limitam seus
 movimentos temendo
 os mandados de prisão. Isso, 
naturalmente, cria uma
 reação dos poderosos, que defendem
 restringir o 
uso da jurisdição universal e conseguem 
mudar as leis
 na Bélgica e na Espanha, promovendo
 interpretações
 restritas em outros países, embora
 agora o novo 
Governo espanhol esteja em 
processo de repensar 
essas limitações, a fim de ampliá-la
 novamente", diz 
Roht-Arriaza. "Os juízes, no entanto,
 continuam
 encontrando maneiras de fazer
 avançar a justiça", 
afirma a pesquisadora, que destaca
 um exemplo 
recente: o ex-coronel salvadorenho
 Inocente Orlando
 Montano foi extraditado dos EUA
 para a Espanha, 
onde aguarda julgamento pelo 
assassinato de seis
 jesuítas em 1989, um caso que foi 
reaberto em El Salvador.
"Certamente, o pedido de extradição
 para a Espanha do
 General Pinochet, quando este se
 encontrava no Reino
 Unido, foi um fato de especial
 importância para a
 compreensão do julgamento de
 crimes internacionais
 com base no princípio de jurisdição 
universal", explica
 Antonio Remiro Brotons, professor
 emérito de Direito 
Internacional na Universidade 
Autônoma de Madri. O 
autor de El Caso Pinochet. Los Límites
 de la Impunidad 
diz que "o caso Pinochet não foi o 
primeiro, obviamente,
 em que se considerou a aplicação
 da justiça internacional",
 mas esclarece que, naquela época,
 "ninguém acreditava
 que o princípio de jurisdição universal
pudesse chegar
 a essa classe de personagens". 
Em termos operacionais,
 destaca Brotons, foi a primeira vez 
que um ex-chefe 
de Estado deixou de ter imunidade 
em crimes contra
 a humanidade: "Não houve outro
 tão notório".
Para o professor, o princípio de 
jurisdição universal
 encontrou "vento de cauda" com o 
mandado de prisão
 e pedido de extradição emitidos pelo
 juiz Garzón.
 "Inúmeros processos haviam sido
 abertos em muitos
 países, mas o caso Pinochet ganhou
 destaque e 
sensibilizou a opinião pública".
 Segundo Brotons, o 
caso Pinochet "serviu, pelo menos,
 para reativar os
 processos iniciados no Chile
 (e o mesmo ocorreu na
 Argentina com relação às suas 
próprias juntas militares)".
A chilena Carmen Hertz, advogada de
 direitos humanos 
e deputada pelo Partido Comunista,
 tem a mesma opinião. 
"Até a prisão de Pinochet em Londres,
 em termos de justiça,
 havia se avançado muito pouco no 
Chile. A doutrina
 internacional de direitos humanos e
 o direito humanitário
 eram ignorados pelos tribunais. Sua
 prisão em 1998
 marcou um ponto de inflexão," avalia
 Hertz, atual
 presidenta da Comissão de Direitos
 Humanos do 
Congresso, que critica "as intensas
 manobras políticas
 e diplomáticas do Governo chileno
 [de Eduardo Frei
 Ruiz-Tagle] para conseguir que o 
ditador fosse enviado ao Chile".
Em maio de 2000, dois meses após o
 retorno de
 Pinochet ao Chile, a Corte de Apelações
 de Santiago 
aprovou sua destituição como senador
vitalício e o militar
 pôde ser investigado e processado 
pela Justiça local.
 "Apesar de não ter sido julgado por 
supostos problemas
 mentais, ao ser enviado ao Chile o
 Poder Judiciário
 passou por uma dinâmica diferente",
 diz a parlamentar.
 "De alguma forma, os juízes se
 sentiram obrigados
 a exercer seus poderes jurisdicionais
 e reivindicar seu
 papel na sociedade, bastante 
deteriorado até então."
Segundo o mais recente relatório anual
 do Centro de
 Direitos Humanos da Universidade
 Diego Portales, desde
 julho de 2010, a Suprema Corte 
concluiu 214 casos de 
violações de direitos humanos durante 
a ditadura de
 Pinochet, com 532 agentes envolvidos. 
As sentenças 
efetivas de prisão somaram 462 no
 mesmo período.
"O melhor e maior legado do caso
 Pinochet é essa 
inter-relação entre a justiça nacional
 e a jurisdição
 universal", diz Roht-Arriaza. "Não foi 
processado na 
Espanha, e retornou ao Chile 
supostamente por motivos
 de saúde. No entanto, enfrentou um 
panorama político
 e midiático diferente, com vítimas
 encorajadas, com
 juízes um pouco constrangidos 
porque não haviam
 conseguido desempenhar seu papel 
de forma 
adequada e com um compromisso
 do Governo de
 processá-lo em casa."

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