TENDÊNCIAS E DEBATES
Realidade e ficção na
novela do nióbio
O fato é que o Brasil negligencia o privilégio de ter quase a totalidade
das jazidas de um dos minerais mais cobiçados do planeta
Esqueça o ouro e o petróleo. Imagine um elemento químico raro em todo o
mundo, mas abudante no Brasil — e só no Brasil, que tem nada menos do
que 98% de todas as jazidas do planeta — que pode ser usado para a criação
de um biodiesel mineral inovador ou para a fabricação de ligas metálicas
biocompatíveis, baratas e resistentes, e que além disso é considerado
fundamental para a moderna indústria espacial, nuclear, aeronáutica,
de petróleo e gás, bélica, da construção pesada e de equipamentos médicos.
Leia também: Nióbio: a riqueza desprezada pelo Brasil
Trata-se do nióbio, mineral que tem sido objeto de grande controvérsia
no Brasil, com alguns especialistas — e outros nem tão entendidos assim —
dizendo que o país o vende “a preço de banana” e que grande parte do
nióbio que sai do país é contrabandeado, tudo, segundo eles, sob as
vistas grossas de um Estado subserviente aos interesses dos grandes
grupos econômicos internacionais.
Muitas dessas considerações partem da afirmação, ainda que feita sem
muita fundamentação, de que os números que constam nos dados oficiais
sobre o nióbio que sai do Brasil são muito inferiores aos números do
consumo global do minério, o que seria estranho à luz do fato de que o Brasil
produz 90% do nióbio usado no mundo.
Há alguns anos, por exemplo, o jornalista Cláudio Humberto citou uma
fonte identificada como “especialista na comercialização de metais
não-ferrosos”, segundo o qual “100% do nióbio consumido no mundo
é brasileiro, mas oficialmente exportamos só 40%”.
Do mensalão à Raposa Serra do Sol
Como alquimia, a suposta conta que não fecha transforma o nióbio em
matéria-prima não apenas para combustíveis revolucionários ou
supersupercondutores, mas também para informações desencontradas,
suspeitas, teorias da conspiração e até para a ficção mesmo, como a novela
“Máscara”, escrita por Lauro Cezar Muniz para a Rede Record, cuja
trama gira em torno de uma suposta “máfia no nióbio”.
Desta forma, a chamada “questão do nióbio” já foi relacionada a temas tão
diversos como o mensalão (Marcos Valério disse na CPI dos Correios que
“o dinheiro do mensalão não é nada, o grosso do dinheiro vem do
contrabando do nióbio”, e que José Dirceu estava negociando com bancos
uma mina de nióbio na Amazônia), a demarcação da reserva de Raposa Serra
do Sol (região que atrai forte atenção de ONGs ambientalistas ligadas a grupos
econômicos transnacionais e onde há grandes reservas de nióbio) e até a
presença dos irmãos Moreira Salles na última lista dos bilionários do mundo
publicada pela revista Forbes — fortunas que teriam sido conquistadas não
apenas no ramo bancário, mas sobretudo com a venda a chineses, japoneses
e coreanos (grandes consumidores de nióbio) de 15% da Companhia Brasileira
de Metalurgia e Mineração (CBMM), grupo que controla as operações na mina
de Araxá, em Minas Gerais, de onde sai cerca de 75% de todo o nióbio usado no planeta.
O fato é que a condição de detentor de quase a totalidade das jazidas globais
de um dos minérios mais valiosos do planeta ainda não resultou, inexplicavelmente,
no condicionamento da exportação brasileira à transferência de tecnologia
por parte das nações ricas e importadoras, para que o país consiga aumentar o
valor agregado do metal, em vez de meramente fornecer o material bruto.
A conta do prejuízo
Um estudo recente da agência norte-americana US Geological Survey mostrou
que a mineração brasileira, que explora 48 produtos minerais entre os 71
analisados no mundo, é líder global apenas na extração do nióbio.
Tampouco isso impele o governo brasileiro a qualquer movimento no sentido da ação mais elementar à vista da posição do país no mercado mundial de nióbio: ser ele, o Brasil, a determinar o preço internacional do produto, como por exemplo os países da Opep o fazem com o preço do petróleo, de acordo com os seus interesses estratégicos.
Em recente artigo, Adriano Benayon, ex-diplomata, professor aposentado do departamento de Economia da Universidade de Brasília e autor do livro “Globalização versus Desenvolvimento”, apresentou a sua conta sobre o prejuízo que o país tem ao não se investir em tecnologias que agreguem valor ao mineral:
“Só com o nióbio o Brasil deixa de ganhar anualmente centenas de bilhões de dólares. Diretamente perde cerca de US$ 40 bilhões, com o descaminho e com a diferença entre o valor das ligas ferro-nióbio no exterior e seu preço oficial de exportação, vezes a quantidade. Por ter a economia brasileira sido desnacionalizada e desindustrializada, a perda total é um múltiplo, maior que dez, dessa quantia. De fato, os bens finais em cuja produção o nióbio entra atingem preços até 50 vezes maiores que os valores reais no exterior dos insumos à base de nióbio. Esses insumos — como os do tântalo, do titânio, do quartzo etc – são ‘vendidos’ pelo Brasil por frações de seu valor no exterior. Já a China industrializa suas matérias-primas. Com isso o produto nacional bruto multiplicou-se por 20 nos últimos 30 anos, tornando-se a 2ª maior potência mundial”.
fonte OPINIÃO &NOTICIA
fonte OPINIÃO &NOTICIA
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