Em sua coluna semanal, meu amigo e nobre colega de Opinião & Notícia, Bolívar
Torres, fez pouco caso do tão falado aperto de mãos entre Lula e Paulo Maluf
, afirmando que há muito o PT era um partido como os outros, e que, portanto
, uma aliança com o ex-prefeito paulistano procurado pela Interpol não deveria
surpreender ninguém, especialmente depois que Lula já havia se aproximado de
antigos desafetos como José Sarney e Fernando Collor de Mello. No dia anterior
, Claudio Schamis, que semanalmente sacia a sede dos vorazes antipetistas que
se amontoam na nossa seção de comentários, comparara o ato de Lula e do
PT à prostituição. Talvez os maias estivessem certos e o fim do mundo
realmente esteja se aproximando, mas pela primeira vez me peguei
concordando mais com o Schamis do que com o Bolívar.
Dez dias antes, o blog de Reinaldo Azevedo na Veja trazia um artigo
dos socialistas de Copacabana, Ipanema e Leblon, no qual o raivoso
conservador criticou a postura do candidato do PSOL à prefeitura do
Rio de Janeiro. O motivo para tamanha fúria foi o fato de Freixo ter dito
que sua campanha tentaria repetir os moldes dos protestos da Primavera
Árabe, que tiveram grande participação da juventude nas redes sociais.
Freixo também declarou que, chegando a segundo turno, não faria
“alianças espúrias”, e buscaria “alianças com a sociedade”.
Você pode gostar ou não da Veja. Você pode gostar ou não de Marcelo
Freixo. Você pode gostar ou não de Lula e Maluf. Muitos adoram
, e muitos odeiam. Mas de onde eu venho, se um candidato – que até hoje
vive sob esquema de proteção por sua atividade contra o crime
organizado, e que terá cerca de um minuto nos programas eleitorais
– diz que se recusa a fazer “alianças espúrias”, ele merece aplausos
independentemente de sua ideologia, e não a avalanche de pedradas
que Freixo recebeu da Veja.
Tratá-lo como queridinho dos socialistas da Zona Sul (leia-se, de gente
apegada a valores esquerdistas no conforto de seus luxuosos
apartamentos) é se esquecer de que sua atuação na CPI das Milícias
visava proteger gente oprimida na Zona Oeste, certamente uma área da
cidade em que não vivem os leitores da Veja (salvo pelos moradores
da Barra da Tijuca, uma espécie de Flórida carioca, completamente
fora de sintonia com o resto da região). Apresentar os resultados da
Primavera Árabe – tiranias que agora se tornaram tiranias legitimadas
pelo voto – é no mínimo ridículo, especialmente porque o próprio artigo
deixa bem claro que o candidato falava sobre a mobilização da juventude
nas redes sociais, algo que o PSDB quis emplacar na última eleição
presidencial, e não conseguiu.
Mas Azevedo vai mais longe. Ele ironiza a decisão de evitar as alianças
espúrias. “Aliança só com o povo! Huuummm… Digam-me um só ditador
que não tenha tido essa idéia (sic) primeiro”. Ora, a aliança de um
governante deve sim ser com o povo que ele governa, e não com os
burocratas do cenário político. Na visão do blogueiro da Veja, Freixo
estaria pedindo licença para ser um ditador municipal ou para conduzir
o Rio ao caos e à paralisia. Mas não há na fala do deputado qualquer espécie
de discurso “contra tudo e contra todos”, e sim uma posição firme de não
comprometer os ideais sob o quais sua candidatura foi lançada. O apoio do
ator Wagner Moura à candidatura também é ironizado, já que um dos
personagens de Tropa de Elite 2 é inspirado em Freixo. Para Azevedo
, o segundo filme conseguiu descaracterizar tudo o que havia de bom no
primeiro, então eu deduzo que ele preferia ver o capitão Nascimento colocand
o os traficantes favelados “no saco”, e ameaçando empalá-los com cabos de
vassoura, do que vê-lo combatendo a nefasta relação do poder público
com as milícias.
Sobram críticas ao PSOL, usando como exemplo o desligamento de Heloísa Helena e as críticas ao partido feitas pelo senador amapaense Randolfe Rodrigues (que disse sim que o PSOL deve ser um partido preparado para dialogar com as massas e não apenas consigo mesmo, mas que não afirmou – ao contrário do que publicou a versão online do jornal carioca O Globo – que existem setores fascistas dentro do partido). E o PSOL é criticável e admirável justamente por isso: por ser, talvez excessivamente, apegado às velhas ideologias, e pouco disposto a cruzar as linhas que muitos eleitores do PT acham que Lula cruzou ao se aliar a seus desafetos.
Marcelo Freixo não é o super-herói que seus correligionários acreditam que ele seja. Mas é visto até mesmo por seus adversários como um político sério, e no cenário atual – onde homens de terno vendem a mãe por uma nota de R$ 100 – é alguém disposto a não poluir sua candidatura com alianças com figuras duvidosas. É importante lembrar que a disputa conta ainda com a temida aliança entre Rodrigo Maia e Clarissa Garotinho (sobrenomes que trazem calafrios a boa parte do eleitorado carioca), e o tucano Otávio Leite. Ele talvez nem chegue ao segundo turno. Eduardo Paes, o atual prefeito, que defendeu no palanque os mesmo milicianos que Freixo combateu, lidera uma coligação de nada menos que 18 partidos. O discurso de Freixo e algumas de suas escolhas (como a de colocar o músico Marcelo Yuka como seu vice) são perfeitamente questionáveis. Já a decisão de não corromper sua candidatura não é.
Amigos meus, eleitores assumidos de Freixo, comemoraram o artigo de Azevedo, afirmando que a popularidade do deputado anda causando temores na direita. Não acho que seja o caso, embora esteja bem claro que o medo é o grande instrumento a ser usado aqui. Um exemplo claro disso é que mesmo com o PT diariamente dando de bandeja motivos para as mais ferozes críticas, é quase impossível não esbarrar com comentários que associam o governo corrupto do Partido dos Trabalhadores a sei lá quantos mil mortos em Cuba, à ameaça de uma ditadura comunista e a uma série de bobagens repetidas incessantemente por aqueles que culpam o atual governo por qualquer unha encravada que os aflija. Mesmo com a abundância de motivos para reclamar, os antiesquerdistas ainda baseiam seus discursos nos bichos papões da Guerra Fria, o que só prova que – tanto de um lado quanto do outro – a política brasileira ainda não chegou ao século XXI
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