Quem trouxe e em que sentido foi utilizada essa filosofia na nossa bandeira?
Na Rua Benjamin Constant, número 74, bairro da glória, Rio de Janeiro, está localizado um intrigante Templo, conhecido por todos como Templo da Humanidade, pertencente à Religião da Humanidade, criada a partir dos conceitos Positivistas apresentados por Comte. Ao chegar no edifício, notamos uma interessante rosa-dos-ventos desenhada no chão da área externa. Augusto Comte havia recomendado que esses templos tivessem a frente construída na direção da cidade de Paris, a verdadeira Meca Positivista. Como na época o município não autorizou a construção na posição correta, os positivistas da época colocaram a rosa-dos-ventos para indicar a direção de Paris.
Ao entrar no templo vemos a direita uma pequena biblioteca da filosofia Positiva. Nela 250 livretos antigos escritos de próprio punho estão disponíveis livremente para pesquisas e estudo. Do lado esquerdo há outra sala, com as mesmas dimensões, da qual falaremos por último, mas antes, penetremos mais nesse prédio.
Seguindo nos deparamos com o salão principal, o parlatório. Nota-se uma perfeição na organização de tudo, principalmente das cadeiras. O prédio é bem iluminado pelas amplas janelas expostas no segundo andar. No fundo está o busto de Augusto Comte e logo atrás um quadro com a imagem de Clotilde de Vaux, aos trinta anos de idade, segurando no colo um bebê, representado a personificação da humanidade, passando a idéia de que o passado e o presente vivos estão segurando e cuidando das futuras gerações. Ela aparece novamente em duas telas, recostadas em estantes com livretos para serem distribuídos. Clotilde de Vaux teve um romance com Augusto Comte, sendo considerada a co-fundadora da religião positivista. Como já tinha sido casada, lutou bravamente pelo divorcio e morreu sem conseguir. Ela foi à musa inspiradora de Comte.
Nas paredes laterais há mais bustos com os rostos dos representantes dos campos da atividade humana em diferentes períodos históricos, acima deles, títulos que definem suas representações. No de Bichat, por exemplo, está escrito: A “Siencia” Moderna. Apenas no título a Santificação Feminina, vemos a presença de mais de uma figura. Três mulheres.
Perambulando pelo prédio, encontramos também uma cama que pertenceu a Tiradentes e utensílios pessoais dos fundadores da igreja. De volta à sala que fica ao lado da pequena biblioteca, vemos alguns retratos de positivistas famosos, um deles Toussaint L’Ouverture e um molde em gesso da figura de Clotilde de Vaux. Deparamos-nos também com o desenho original da Bandeira do Brasil, feito por Teixeira Mendes. Encontramos então na origem do desenho da atual bandeira brasileira e o significado e sentido da frase escrita no arco: “Ordem e Progresso”.
A origem e a igreja positiva
Augusto Comte (1798 – 1857) introduziu a idéia do Positivismo no início do século XIX, analisando os preceitos combinados das concepções apresentadas por Bacon, Descartes e das descobertas de Galileu. Além da influência vinda do empirismo apresentado pelo filósofo inglês David Hume (morto em 1776) que propagou a necessidade de procurar entender as coisas do mundo com um olhar científico. Comte considera essa doutrina como filosófica, sociológica e política. Ela se desenvolveu a partir do Iluminismo, nas crises da sociedade industrial, processos estes que influenciaram a Revolução Francesa e tiveram como objetivo a consolidação da ciência nas análises de estudo e das relações sociológicas e políticas.
Miguel Lemos, alienado por tal filosofia, após uma viagem de estudos a Paris, onde se converteu a religião da Humanidade, fundou em 11 de maio de 1881 o Templo da Humanidade, sendo o primeiro edifício no mundo construído para propagação dessa nova religião. O primeiro culto na igreja foi realizado quando Miguel Lemos tinha 26 anos, ao lado de seu amigo e futuro cunhado, o influenciado Raimundo Teixeira Mendes, de mesma idade. Devido as idéias avançadas de interpretação da realidade a partir de fatores científicos, as reuniões foram um verdadeiro “prato cheio” para participação de republicanos e abolicionistas. Miguel Lemos era o Diretor da Igreja e Teixeira Mendes tornou-se seu vice-diretor.
Durante os cultos, fala-se da Trindade Positivista. “Humanidade”, ou “Grande Ser”, entidade coletiva, real e abstrata, formada pelo conjunto de seres humanos convergentes do passado, que contribuíram para o progresso da civilização do futuro e do presente. São 13 grandes tipos humanos, glorificando os nomes mais importantes da religião, literatura, filosofia, ciência e política: Moisés (Teocracia Inicial), Homero (Poesia Antiga), Aristóteles (Filosofia Antiga), Arquimedes (Ciência Antiga), César (Civilização Militar), São Paulo (O Catolicismo), Carlos Magno (Civilização Católico-Feudal), Dante (Poesia Moderna), Gutenberg (Indústria Moderna), Shakespeare (Drama Moderno), Descartes (Filosofia Moderna), Frederico II (Política Moderna) e Bichat (Ciência Moderna), mais Heloísa (representante das "Santas Mulheres" ou "A glorificação feminina"). Lembra dos bustos dentro da igreja citados anteriormente? São esses acima. Todos descritos por Comte como grandes expressões do pensamento humano. Apreciando o Planeta Terra e todos os seus elementos como o “Grande Fetiche” e o “Grande Meio”, referindo-se ao espaço e os astros que compõe o Universo.
Unindo-se a essa trindade, estão as “leis naturais” que os regem e regulam, compondo a “Ordem Universal” constituída pela “Ordem Natural” e pela “Ordem Humana”.
Os dois pregadores do Positivismo
Ao longo da década de 1880, Miguel Lemos e o parceiro Teixeira Mendes, divulgaram o positivismo interpretando a realidade sócio-politica-economica daquela época, apoiando a abolição da escravatura, a proclamação da república, a separação entre a igreja e o estado e as reformas que trariam o proletariado ao meio da sociedade. A primeira grande conquista foi em 1888 com a abolição da escravatura. Um grande troféu, mesmo que de responsabilidade parcial para os lideres e agitadores abolicionistas.
Dentro desse cenário surge um importante Positivista. Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Militar que difundia as idéias filosóficas e religiosas do positivismo entre a jovem oficialidade do Exército Brasileiro. Ele foi um dos principais lideres do movimento que destituiu o Gabinete do Visconde de Ouro Preto e proclamou a república no amanhecer do dia 15 de novembro de 1889. Após o evento, Miguel Lemos, Teixeira Mendes e Benjamin Constant se reuniram para discutir a situação do Positivismo no novo regime, apontando outra direção, mas apoiando o que vinha acontecendo.
Em seguida o grupo formado por Teixeira Mendes, por Miguel Lemos e por Manuel Pereira Reis, catedrático de astronomia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, desenvolveu a bandeira do Brasil, sendo desenhada pelo pintor Décio Vilares, conforme rigorosas indicações. Quatro dias depois, 19 de novembro, coube a Teixeira Mendes apresentar ao provisório governo um projeto de bandeira nacional republicana, apoiado pela ajuda do Ministro da Agricultura, outro positivista infiltrado nas lideranças. A aprovação imediata substituiu a bandeira imperial, mantendo o verde e amarelo, que indicava subliminarmente a permanência da sociedade brasileira, e substituindo o brasão imperial pela esfera armilar, representando o céu do dia 15 de novembro. No centro da bandeira, a frase abreviada de autoria de Augusto Comte, “Ordem e Progresso” foi apresentada. O Amor por princípio e a Ordem por base; Progresso por fim. Como sentido da realização dos ideais republicanos na busca de condições sociais básicas e o avanço do país materialmente, intelectualmente e moralmente.
Decifrando o código da bandeira
A idéia de progresso citado na bandeira, no positivismo surge a partir da análise histórica dos três estados que classificam a o espírito humano. O primeiro vem como o estado Teológico, nas explicações baseadas no sobrenatural, para definir os fenômenos e organizar a sociedade. Em seguida temos o estado Metafísico, que apresenta a abstração das idéias e a explicação regida pela natureza. Logo em seguida, o Positivismo se origina como último estado dessa evolução da humanidade, apresentando os conceitos científicos para explicação dos fenômenos e para organização da sociedade. A realidade passa a ser captada pelas verdades positivas da ciência. Nesse contexto de progresso, vemos também que enquanto as ciências exatas avançam, as sociais ainda estão presas a pensamentos abstratos ou teológicos, e para Comte, as leis científicas deveriam ser aplicadas no social urgentemente. Nasce então a Sociologia. Sua aplicação permitiria aos governantes futuros um alto grau na previsão das decisões a serem tomadas ou consideradas.
Ordem se liga a idéia da reorganização da vida social na qual serão eliminados o anarquismo e a crise, avançando em direção a hegemonia científica, unindo o temporal e o espiritual, num momento em que a fé monoteísta é substituída pela síntese humana. As instituições dessa nova ordem devem ser adequadas ao futuro do predomínio científico. Para tal se deve impor um sistema único de educação apoiado em um código ético. Dentro desse pensamento o governo seria constituído por cientistas amparados nas leis precisas extraídas das ciências naturais e que defenderão, como o recurso da república positivista, as classes humildes.
De acordo com Comte a humanidade avançaria para o progresso dentro da ordem, sem revolução ou bruscas rupturas, longe dos tumultos, numa espécie de evolucionismo conservador. Idéia que representa bem o desejo da burguesia francesa pós-revolucionária, que confiava no sucesso do avanço industrial. Seria “reorganização coletiva sem Deus e sem Rei, sob a preponderância exclusiva do sentimento social, assistido pela razão positiva e da ação”. Havendo assim o encaixe perfeito no surgimento da nova república.
Quando falamos da divisão de trabalho, por exemplo, entramos nisso. Quando Comte mostra que uma sociedade não é forte pelo número de indivíduos, e sim pela cooperação que existe entre eles. Pela divisão inteligente do trabalho, que pode ser perceptível quando a sociedade se condensa como nos grandes centros urbanos e se agita por necessidade, ele mostra que a organização é a base para a evolução, que no caso seria o progresso.
A sociologia versus a religião
Essa ideologia de transformação social foi proposta por Comte através de uma ação política consciente, na qual o movimento deve esclarecer o pensamento das pessoas para que possa surgir o mais rápido possível a Era Científica. Comte reserva a seus seguidores a função de apóstolos, divulgadores de suas idéias, dedicando ao Sacerdócio da humanidade.
Surge então uma seita de discípulos que passaram a cultuá-lo como se fosse um messias dos tempos científicos. Essa idéia contagia Miguel Lemos, e num outro momento Benjamin Constant, que mais tarde propagariam as idéias positivistas no cerne do surgimento da nova república, o Brasil. A vitória de seus ideais pode ser representado na sua forma máxima na expressão da frase positiva no centro da bandeira.
Mais sobre o Positivismo
A imagem é clássica. O macaco lança ao alto um pedaço de osso que se transforma em uma nave espacial. A cena do filme 2001 – uma odisséia no espaço define os estados pelos quais o conhecimento humano passa, fazendo clara alusão ao progresso. O macaco com o osso simboliza o estado teológico, o osso sendo lançado ao céu representa o estado metafísico e ele se transformando em nave espacial o Positivismo. Augusto Comte (1798 – 1857) introduziu a idéia do Positivismo no início do século XIX , analisando os preceitos combinados das concepções apresentadas por Bacon, Descartes e das descobertas de Galileu. Comte considera essa doutrina como filosófica, sociológica e política. Ela se desenvolveu a partir do Iluminismo, nas crises sociais da sociedade industrial, processos estes que influenciaram a Revolução Francesa. Recorreremos agora à história, estudando os estados que antecedem o Positivismo. O primeiro é o teológico – fictício, que apela aos agentes sobrenaturais para justificar os fenômenos universais. Seu auge é atingido com o alcance do monoteísmo. Entrando como uma fase de transição, vem o estado metafísico - abstrato, que é suprido pela imaginação, no sentido de personificar as abstrações e denominando a natureza como fonte exclusiva de todos os fenômenos.
A necessidade de explicar os fatos observados, combinados com leis e lógica, faz surgir o terceiro estado denominado Positivismo, no qual o homem busca descobrir as leis dos fenômenos com o objetivo de comprovar sua teoria. Comte surge afirmando que apenas através desse estudo podem-se chegar às leis do espírito humano. Através da observação e da comprovação atingimos o conhecimento das leis lógicas. Segue então as idéias que se aplicam a natureza positivista:
- Fenômenos sujeitos a leis naturais invariáveis;
- Inexistência da causa (o aqui e agora deve ser levado em consideração, uma vez que o objeto de investigação é um; nós o dividimos com o objetivo de separar as dificuldades para melhor resolvê-las);
- A análise com exatidão das circunstâncias da produção;
- Vinculo com relações de sucessão e similitude.
- Inexistência da causa (o aqui e agora deve ser levado em consideração, uma vez que o objeto de investigação é um; nós o dividimos com o objetivo de separar as dificuldades para melhor resolvê-las);
- A análise com exatidão das circunstâncias da produção;
- Vinculo com relações de sucessão e similitude.
Podemos observar quatro impactos resultados da aplicação dessa filosofia. A primeira manifestação acontece quando, pelas leis precisas, determinadas pela racionalidade, realizamos experiências comprobatórias, que trazem o verdadeiro porque dos fenômenos, trazendo uma opinião definitiva e indubitável.
A segunda ordena a reforma da educação, na qual não haveria mais o espaço para ensinamentos teológicos e metafísicos, que lançam uma real escuridão sobre o pensamento racional e se portam como uma constante ameaça ao ensino das leis comprovadas, principalmente em relação ao teologismo, que ainda hoje trás seus preceitos. O duelo pode ser exemplificado, mostrando a positivismo embutido na teoria de Darwin e seu principal rival, que se auto reformulou, apresentando o suposto Projeto Inteligente, com suas bases enraizadas no teologismo na sua forma mais avançada de monoteísmo.
A terceira reúne e ordena o assunto investigado, que deve ser único, antes dividido para ser mais bem resolvido e compreendido. A união de todas as teorias, com trás o exemplo do estudo iniciado por Albert Einstein em sua teoria da relatividade. Nessa ilustração, expor as causas geradoras dos fenômenos pesquisados dificulta a conclusão, por isso a investigação do único. A quarta propriedade fundamental afirma categoricamente que apenas ela serve de base para a organização social, sugerido o movimento incessante rumo à unidade cientifica.
Nos tempos modernos, notamos que os três estados estão presentes no dia a dia, cada qual com seu impacto na estrutura da sociedade, mas que apenas graças ao terceiro e último estado, temos conseguido alcançar conquistas que nos tornaram uma sociedade melhor, mais saudável e provida de uma tecnologia heróica num primeiro momento. Mas a apresentação das economias nesse contexto, nos trás a idéia da constante crise capitalista, que ora retrocede e ora avança em direção a um futuro misterioso. N
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