Habitantes de divisas no Piauí, no Ceará e no Rio Grande do Norte não sabem ao certo em que Estado moram e ficam abandonados .
Nenhum político aparece na região para pedir votos. Os padres não chegam para rezar missa. Não há hospitais. Jumentos são o único meio de transporte na densa caatinga. Ninguém paga impostos. E os cidadãos dali não sabem ao certo em que Estado vivem. O mapa oficial do Brasil prova que esse lugar ainda existe. Situa-se nas baixadas da Serra Grande, um maciço de 300 quilômetros de extensão por 10 quilômetros de largura na zona de fronteira entre o Ceará e o Piauí. As terras não pertencem oficialmente a nenhuma das duas unidades da Federação. Nenhum administrador público se considera responsável por elas. Aregião até ganhou um apelido pejorativo: Estado do Piocerá. O litígio persiste há 220 anos. "A população está entregue à própria sorte", admite José Alon, vereador do PSDB em Crateús, município situado ao sul da Serra Grande. Perto dali, no vilarejo de Pitombeira, só há mulheres e crianças. Os homens migraram para Fortaleza ou Teresina, as capitais estaduais mais próximas. Não há energia elétrica. "Luz, só de Deus", resigna-se Ronilson Nunes. "Estamos passando fome", reclama Maria Bezerra dos Santos. Na vila de Oiticica, uma placa indica que a linha de fronteira cruza a casa do aposentado piauiense Francisco Lima. Ele acha que mora no Piauí - mas vota no Ceará. O título de eleitor é valioso. Apresentá-lo é indispensável para receber cestas básicas e inscrever-se nas frentes de trabalho contra a seca. A indefinição da divisa é antiga. Em 1880, os cearenses cederam aos piauienses um pedaço do litoral em troca de uma área no sertão. "Não há marcos de limite confiáveis", explica Antônio Carlos Rodrigues, diretor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em Fortaleza. "Ninguém se preocupa em colocar marcos sobre um amontoado de pedras onde há poucos eleitores", diz Rodrigues. A Constituição estabeleceu que comissões estaduais deveriam ser criadas até 1991 para definir os limites territoriais de cada Estado. Passados quase 12 anos da promulgação da Carta, a lei com as regras para a solução do impasse ainda não saiu do papel. Existem no país 11 áreas de litígio estadual. O Ceará concentra a maior parte. Na divisa com o Rio Grande do Norte, o controle sobre as salinas alimenta a disputa entre Jaguaruana (CE) e Baraúna (RN). No distrito de Lageiro do Pacheco, o poço artesiano foi cavado pelo Ceará, mas a bomba d'água foi doada pelo Rio Grande do Norte. Na vila há uma escola construída pelo Ceará. Cem metros adiante, o Estado vizinho ergueu outra. A guerra dos televisores é acirrada. Na praça existe um aparelho colorido, doado pelo município potiguar, e um preto-e-branco, instalado por políticos cearenses.
Fonte:REVISTA ÉPOCA
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