sábado, 31 de outubro de 2009

Reflexão sobre preconceito

Os novos negros – Bicharlyson (Vale a pena ler)

Não faz muito tempo, o mundo – e o Brasil, em particular –, se escandalizou
com as manifestações racistas contra jogadores de futebol que foram
hostilizados por torcedores nos estádios europeus apenas porque eram negros.
Na Itália e na Espanha, diversos jogadores negros, inclusive brasileiros,
foram chamados de “macacos”, “gorilas” e “pretos de merda” por torcidas
organizadas dos maiores times daqueles países. As reações foram, felizmente,
imediatas. Intelectuais, jornalistas, políticos e autoridades esportivas de
todo o planeta botaram a boca no trombone e reduziram, como era de se
esperar, gente assim ao nível de delinqüentes comuns. Ainda há,
eventualmente, exaltações racistas nos gramados, mas há um consenso
razoavelmente arraigado sobre esse tipo de atitude, tornada, universalmente,
inaceitável. Você não irá ver, por exemplo, no Maracanã, torcidas inteiras –
homens, mulheres e crianças – gritando “crioulo safado” para o artilheiro
Adriano, do Flamengo, por conta de alguma mancada do Imperador. Com a PM
circulando, nem racistas emperdenidos se arriscam a tanto.*
*Mas, ai de Adriano, se ele fosse gay.*
*No sábado passado, espremido no Maracanã ao lado de meu filho mais velho e
outras 57 mil pessoas, fui ver um jogaço, Flamengo 2 x 1 São Paulo, de
virada, um espetáculo de futebol. Quando o time do São Paulo entrou em
campo, as torcidas organizadas do Flamengo, além de milhares de outros
torcedores avulsos, entoaram, a todo pulmão: “Veados, veados, veados!”. Daí,
o painel eletrônico passou a anunciar, com a ajuda do sistema de
autofalantes, a escalação são-paulina, recebida com as tradicionais vaias da
torcida da casa, até aí, nada demais. Mas o Maraca veio abaixo quando o nome
do volante Richarlyson foi anunciado: “Bicha, bicha, bicha!”. E, em seguida:
“Bicharlyson, bicharlyson!” . Ao longo da partida, bastava que o são-paulino
tocasse na bola para receber uma saraivada de insultos semelhantes. No ápice
da histeria homofóbica, a Raça Rubro Negra, maior e mais importante torcida
do Rio, e uma das maiores do Brasil, convocou o estádio a entoar uma
quadrinha supostamente engraçada. Era assim:*
*“O time do São Paulo/só tem veado/o Dagoberto/come o Richarlyson”. *
*Richarlyson virou alvo da homofobia esportiva brasileira, com indisfarçável
conivência de cronistas esportivos, jornalistas e colegas de vestiário, a
partir de 2005, quando fez uma espécie de “dança da bundinha” ao comemorar
um gol do São Paulo, time que por ser oriundo do elitista bairro do Morumbi
acabou estigmatizado como reduto homossexual, ou time dos “bambis”, como
resumem as torcidas adversárias. A imprensa chegou a anunciar o dia em que
Richarlyson iria assumir sua homossexualidade, provavelmente numa entrada ao
vivo, no programa Fantástico, da TV Globo – o que, diga-se de passagem,
nunca aconteceu. Desde então, no entanto, o volante nunca mais teve paz. No
Maracanã lotado, qualquer lance que o envolvesse era, imediatamente, louvado
por um coro uníssono e ensurdecedor de “veado, veado, veado!”. Homens,
mulheres e crianças. O atacante Dagoberto entrou de gaiato nessa história
apenas porque, com Richarlyson, forma uma eficiente dupla de ataque no São
Paulo.*
*Agora, imaginem se, no Morumbi, a torcida do São Paulo saudasse o atacante
Adriano, do Flamengo, aos berros de “macaco, macaco, macaco!”, apenas para
ficarmos nas analogias retiradas do mundo animal. Ou, simplesmente, entoasse
uma quadrinha do tipo criada para a dupla Dagoberto/Richarlys on, dizendo que
no Flamengo só tem crioulo, que Adriano enraba, sei lá, o Petkovic. O mundo
iria cair, e com razão, porque chegamos a um estágio civilizatório onde o
racismo tornou-se motivo de repulsa, mesmo em suas nuances tão brasileiras,
escondidas em piadas de salão e ódios de cor mal disfarçados no elevador
social. Usa-se, no caso dos gays, o mesmo mecanismo perverso que perdurou na
sociedade brasileira escravagista e pós-escravagista com o qual foi possível
transformar em insulto uma condição humana que deveria, no fim das contas,
ser tão somente aceita e respeitada. Assim, torcedores brasileiros chamam de
veados os são-paulinos em campo como, não faz muito tempo, nos chamavam, os
argentinos, de “macaquitos”, em pleno Monumental de Nuñes, em Buenos Aires,
para revolta da nação.*
*Quando – e se – a lei que criminaliza a homofobia no Brasil, a exemplo do
racismo, for aprovada no Congresso Nacional, será preciso educar gerações
inteiras de brasileiros a respeitar a sexualidade alheia. Espero, a tempo de
recebermos os atletas que virão às Olimpíadas de 2016, no Rio,
provavelmente, no mesmo Maracanã que hoje se compraz em xingar Richarlyson
de veado. Por enquanto, a discussão sobre a lei está parada, no Brasil,
porque o lobby das bancadas religiosas teme abrir mão de um filão explorado
por fanáticos imbuídos da missão de “curar” homossexuais, ou de outros, para
quem os gays são uma aberração bíblica passível, portanto, da ira de deus.*
*Nos jornais de domingo, nem uma mísera linha sobre o assunto. Das duas uma:
ou é fato banal e corriqueiro, logo, tornado invisível aos olhos das dezenas
de repórteres enfiados na tribuna da imprensa do Maracanã; ou é conivência
mesmo.*

Textode autoria:Leandro Fortes
Gentilmente enviado pela colaboradora Stela Regina Lopes Tomaz-Vitória-ES

Um comentário:

  1. Felizmente vivemos em um século "evoluido", mas continuamos com alguns hábitos "barbaros" da era medieval, que é o preconceito.Infelizmente o povo brasileiro ainda persiste no preconceito, por falta de cultura, pela péssima educação pública e por julgar a cultura que não condiz com a nossa.

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