domingo, 31 de março de 2019

BRASIL DESCENDO A LADEIRA

BRASIL

Relator da ONU pede para

 Bolsonaro “reconsiderar”

 celebração do golpe

mediaFabián Salvioli é relator especial sobre a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição, ligado ao Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU.ONU/Rick Bajornas/ divulgação
A ONU Direitos Humanos divulgou um comunicado 
nesta sexta-feira (29) no qual pede para que o
 presidente Jair Bolsonaro “reconsidere” os planos
 de comemoração do aniversário do golpe militar
 no Brasil, ocorrido em 31 de março de 1964. Em
 entrevista à RFI, o relator especial sobre a
 promoção da verdade, justiça, reparação e
 garantias de não-repetição, Fabián Salvioli, que 
assinou o comunicado, disse que os comentários
 do líder brasileiro a respeito da ditadura são
 “de uma gravidade inaceitável”.
Nesta semana, Bolsonaro solicitou que o Ministério da Defesa
 promovesse neste fim de semana “as comemorações devidas” 
dos 55 anos do golpe, que resultou em uma ditadura de 1964 a
 1985. Depois, Bolsonaro recuou e falou em “rememorar” a data,
 mas até o momento não fez qualquer menção de condenação
 aos anos de chumbo em vigor no país, durante os quais os 
partidos políticos foram extintos e as eleições diretas, suspensas.
“Mais de 8.000 indígenas e pelo menos 434 suspeitos de serem 
dissidentes políticos foram mortos ou desapareceram
 forçadamente. Estima-se também que dezenas de milhares 
de pessoas foram arbitrariamente detidas e/ou torturadas”,
 afirma o texto divulgado nesta tarde. “No entanto, uma lei de
 anistia promulgada pela ditadura militar impediu a
 responsabilização pelos abusos”, lembra o comunicado.
Além da publicação do documento, a missão diplomática do
 Brasil nas Nações Unidas foi contatada pelo órgão, ligado ao 
Alto Comissariado dos Direitos Humanos, com sede em Genebra. 
À RFI, Fabián Salvioli se disse “muito surpreso” e “preocupado”
 com as declarações de Bolsonaro sobre o assunto, e ressaltou
 que, enquanto chefe de Estado, ele tem “obrigações”.
Leia abaixo a entrevista completa:
RFI Brasil: Qual foi a sua reação ao tomar conhecimento das
 declarações de Bolsonaro?
Fabián Salvioli: Fiquei sabendo das declarações e fiquei muito
 surpreso com elas, vindas de um presidente de um país
 democrático. Celebrar um golpe de Estado é um pouco
 incompreensível, em primeiro lugar, mas é mais grave se 
consideramos que este golpe de Estado instalou um regime 
que perpetrou graves e massivas violações dos direitos humanos, 
constatadas pelo próprio Estado brasileiro.
O relatório da Comissão da Verdade é muito claro em relação 
a isso, assim como as sentenças da Corte Interamericana dos 
Direitos Humanos. É muito preocupante que o presidente 
Bolsonaro possa celebrar ou abrir a porta para uma celebração
 de um golpe de Estado responsável por torturas,
 desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais.
Bolsonaro nunca escondeu ser a favor do regime militar, mas 
agora ele é presidente do país. Isso muda tudo?
Sim, o papel de chefe de Estado engendra obrigações. Cada um e
 cada uma podem ter as suas opiniões pessoais sobre o golpe de 
Estado e sua posição política. Isso é uma questão. Mas enquanto 
presidente da República, é de uma gravidade inaceitável, porque 
tratam-se de declarações oficiais do Estado que permitem o 
cometimento de fatos gravíssimos. Na realidade, seria obrigação
 dos estados fazer investigações, identificar responsáveis e reparar
 as vítimas integralmente. São obrigações que ainda não foram 
cumpridas pelo Estado.
Bolsonaro e vários de seus aliados defendem até uma revisão dos 
livros de história sobre o período, com o argumento de que os 
historiadores escreveram a ditadura sob uma perspectiva de
 esquerda. Essa tentativa de reescrever a história da ditadura 
aconteceu em outros países latino-americanos?
Sim, sempre houve opiniões no sentido de gerar um recuo na 
história. Mas essas opiniões não têm nenhum apoio que 
possamos considerar sério. Há relatórios da Comissão
 Interamericana dos Direitos Humanos, há relatórios das Nações
 Unidas sobre a situação dos direitos humanos no Brasil e da 
situação na época [da ditadura], há também as sentenças da
 Corte Interamericana dos Direitos Humanos, além do relatório 
da Comissão da Verdade do Brasil. O que mais precisa? Isso
 não é um problema de direita ou de esquerda. É tortura, 
desaparecimentos e execuções extrajudiciais, e isso é inaceitável.
Tendo em vista os engajamentos do Brasil junto à ONU, inclusive 
no Alto Comissariado de Direitos Humanos, a atitude de
 Bolsonaro pode ter implicações?
Sim, é um Estado que ratificou instrumentos de proteção dos
 direitos humanos e deve não apenas transmitir relatórios
 periódicos ao Conselho de Direitos Humanos da ONU como
 aos órgãos que promovem a verdade, a exemplo dos comitês
 de direitos humanos e contra a tortura. Imagino que esses 
comitês vão observar com preocupação a esse tipo de
 declaração e serão objeto de debates públicos durante a
 próxima apresentação do Brasil diante desses dois órgãos.
Já enviei uma carta de alegações à missão diplomática do
 Estado brasileiro e um comunicado foi publicado ainda nesta 
sexta-feira. O comunicado lembra as conclusões da Comissão
 Nacional da Verdade do Brasil. Por exemplo, que mais de 
8.000 indígenas sofreram violações dos direitos humanos, 
quase 450 dissidentes políticos foram executados ou 
desapareceram. Fazer apologia a esse tipo de coisa é algo 
insustentável.
Essa postura de Bolsonaro gera consequências junto à 
comunidade internacional? Pode isolar o país, já que o 
respeito aos direitos humanos e a não apologia a atrocidades 
como mortes e desaparecimentos políticos costumam ser
 condições para um país ser respeitado enquanto interlocutor,
 nas questões internacionais?
Sim, absolutamente. O Brasil sempre se comprometeu em
compromissos internacionais nesse sentido. A diplomacia
 do Brasil sempre foi muito séria. Mas vemos um recuo, um
recuo evidente e com consequências muito graves.
Espero que o presidente da República vá refletir e vá proibir
 todo o tipo de celebração de um golpe de Estado, enquanto
 presidente democrático. Mas também espero que ele condene
 os crimes cometidos pelo Estado, porque ele tem 
responsabilidades que não podem ser delegadas.   

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