domingo, 1 de maio de 2016

EU SÓ PEÇO A DEUS MERCEDES SOSA E BETH CARVALHO






Terça-feira, 29 de Março de 2016
Desembargador reage a
 modelo Moro e pergunta: 

Poder Judiciário partidarizado?





Desembargador e a crítica ao partidarismo do judiciário

Desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, Tutmés Airan de
 Albuquerque Melo é um magistrado diferente de boa parcela dos que
 conhecemos por aí: não é corporativista. Costuma falar em nome da razão
 e dos seus estudos sem recorrer ao velho dilema dos colegas que se 
travam para não se indispor com colegas - mesmo violentando a consciência 
- quando não, o direito. Neste artigo ele mergulha em documentos e 
publicações nas quais aponta um conjunto de erros que revelam a
 partidarização do judiciário brasileiro - uma praga que pode custar 
a nossa democracia. Leia aqui.

Tutmés Airan de Albuquerque Melo*

A guerra política instaurada no Brasil, que pode levar ao impeachment da
 presidenta Dilma, tem vários ingredientes. Nenhum deles, talvez, nem
 mesmo a atuação da mídia, tem despertado mais polêmica do que as
 decisões judiciais que brotam do conflito.

A ideia deste texto é, a partir da análise de algumas dessas decisões, 
tentar entender o porquê da polêmica e, entendendo o porquê, refletir
 sobre as suas consequências em relação à própria existência do Poder 
Judiciário e à sua capacidade de ser, numa crise desse tamanho, um
 mediador para o conflito.

Mãos à obra.

1ª DECISÃO

A Revista Veja, ano 48, edição nº 44, com circulação no mês 
de novembro de 2015, em sua capa, estampou uma foto do ex-presidente
 Lula com trajes de presidiário, atrás das grades.

Sentindo-se ofendido em sua honra e imagem, propôs ação de indenização
 por dano moral contra a Editora Abril S/A, processo distribuído para
 a juíza Luciana Bassi de Melo, titular da 5ª Vara Cível do Foro 
Regional XI de Pinheiros, Comarca de São Paulo.

Julgando o conflito, inclusive de forma antecipada, sua excelência 
decidiu que o ex-presidente Lula não tinha razão.

É certo, como sustenta Kelsen [1] , que decidir é um ato de escolha entre
 alternativas possíveis. Isso não quer dizer ou sugerir que o Estado dê um
 cheque em branco para o juiz decidir como quiser.

É que, não obstante tenha uma margem considerável de poder para 
construir a sua decisão, todo juiz sabe ou pelo menos intui que há
 interpretações-limite sobre o sentido e alcance dos textos normativos,
 a partir das quais tudo o mais não passa de uma tentativa autoritária de
 fazer prevalecer a vontade pessoal em detrimento dos limites impostos 
pela legalidade.

No caso em análise, embora tenha procurado ancorar a decisão em
 precedentes jurisprudenciais, para fazer prevalecer a sua vontade
 a juíza não hesitou, inclusive, em falsear a realidade, porque somente
 a falseando poderia decidir como decidiu.

Vejamos.

Chama a atenção uma passagem da sentença na qual, enfaticamente, 
sua excelência, em mal português, disse que a capa da revista não
 havia inventado nada, deturpado ou distorcido notícias a respeito do
 autor. Como não?!

Colocá-lo na capa de uma revista de circulação nacional vestido de
 presidiário, e atrás das grades, é absolutamente incompatível com
 o fato de que até hoje o ex-presidente Lula não tem contra si nenhum
 processo penal em tramitação e muito menos condenação, mesmo não
 transitada em julgado, capaz de sugerir ou indicar que ele poderia ser 
eventualmente colocado, em consequência de um processo ou de uma
 condenação, na condição de prisioneiro.

A toda evidência, pois, a capa da revista não se limitou a narrar ou 
criticar um fato real. Antes, criou um fato conveniente aos seus interesses
 na perspectiva clara de desconstruir a imagem de um homem que,
 até que se prove o contrário, é inocente e como tal deve ser, por 
imperativo constitucional, tratado.

Ao não reconhecer o óbvio - a ofensa à honra e à imagem do ex-presidente
 Lula -, sua excelência fez imperar uma espécie de justiça particular, 
ferindo de morte um dos pilares mais importantes do devido processo
 legal, segundo o qual as decisões judiciais devem obediência a regras
 prévias e democraticamente postas, limitadoras do poder de qualquer juiz.

A subversão da cláusula constitucional do devido processo legal não
 parou por aí. Nota-se que, por mais de uma vez, sua excelência justifica
 e legitima a capa da revista Veja, como se ela traduzisse as
 manifestações populares, no seio das quais, inclusive, teria havido a 
criação do boneco "Pixuleco", "representando o autor como prisioneiro".

São conhecidas as relações entre o Direito e as avaliações morais que os
 homens fazem sobre suas condutas. Uma delas, a que interessa neste
 instante, é a de que, através das normas jurídicas que produz e
 garante, o Estado deve proteger as pessoas contra os linchamentos
 e execrações produzidas apressadamente pela moralidade média.

Ao não enxergar na atitude da revista qualquer excesso, e ao ancorar a
 sua argumentação exatamente naquilo que ela tinha o dever de evitar
ou combater, sua excelência descurou de um compromisso fundante
 do devido processo, segundo o qual as pessoas não podem ficar à 
mercê do juízo moral e de suas consequências devastadoras.

A propósito, bastaria um simples exercício mental para perceber isso.
 Um bom juiz deve se colocar no lugar do outro. Será que sua excelência 
gostaria de ter a sua imagem veiculada nas mesmas condições em que 
a revista retratou o ex-presidente Lula?

2ª E 3ª DECISÕES

Sexta-feira, dia 4 de março, o Brasil amanheceu em polvorosa: agentes
 da Polícia Federal levaram o ex-presidente Lula. De início se imaginou
 tratar de uma prisão anunciada. Logo depois, no entanto, constatou-se
tratar-se de uma condução coercitiva que, enquanto tal, teria que ocorrer
caso fosse verificada a hipótese prevista no artigo 260 do 
Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório,
 reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser
 realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
[.]

Como se vê, não se pode conduzir uma pessoa para depor coercitivamente 
sem que ela tenha sido previamente convidada para tal e, em consequência 
desse convite, se recusado a fazê-lo. Aqui, por mais que se queira dar asas
 à imaginação, não cabe outra interpretação: ir depor sob "vara" pressupõe
 resistência injustificada a um chamamento da justiça.

Eis que logo se descobriu que o ex-presidente Lula não tinha sido
previamente convidado a depor, não se podendo obviamente dizê-lo
 resistente a um convite que não houve. O que então justificaria uma
 condução coercitiva?

Instado a se explicar, o juiz Sérgio Moro, responsável pelo mandado 
de condução coercitiva disse que a determinou em nome da busca da
 verdade e "para evitar tumultos e confrontos entre manifestantes
 políticos favoráveis e desfavoráveis ao ex-presidente". Acontece que
sua excelência, a pretexto de lançar mão da prerrogativa contida no
 artigo 260 do CPP, o fez de forma absolutamente divorciada de sua 
hipótese legal legitimadora.

Sua excelência, portanto, legalmente falando, não teria essa prerrogativa, 
no caso, exorbitando, consciente e deliberadamente, de seu poder,
 desprezando, tal como na decisão anterior, os marcos normativos 
pública e democraticamente estabelecidos, para, autoritariamente, 
fazer prevalecer a sua vontade. Como disse o ministro do Supremo 
Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, comentando a decisão de 
condução coercitiva, o juiz estabeleceu "o critério dele, de plantão".

Por melhores que sejam os propósitos, um juiz não pode decidir contra
 o sentido unívoco da lei, sobretudo porque a mensagem não deixa
 margem a qualquer dúvida. Como disse o referido ministro, 
"não se avança atropelando regras básicas". Afinal, mais dia menos
 dia, "o chicote muda de mão", e também de alvo.

Sua excelência, portanto, negou submissão às regras do jogo [2] 
, agindo fora dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico,
 afrontando, assim como na decisão anterior, regra basilar do devido 
processo legal.

Como se isso não bastasse, e em nova afronta ao devido processo legal
, expôs de modo desnecessário e vexatório o ex-presidente, quando
 seria do seu dever protegê-lo contra a execração pública e midiática.

Com efeito, ao que tudo indica sua excelência queria exatamente
 isto: que o ex-presidente Lula fosse execrado pública e midiaticamente
. E por quê? Porque, violando o que estabelecem os artigos 8º e 9º da 
Lei nº 9.296/1996, que regulamenta o procedimento de interceptação 
telefônica, permitiu que conversas ao telefone feitas pelo ex-presidente 
Lula viessem a público, inclusive algumas estritamente privadas que
 não interessavam à investigação, bem como uma conversa havida
 entre o Lula e a presidenta Dilma, cuja divulgação somente poderia
 ser excepcionalmente autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, 
dada a prerrogativa de foro da presidenta.

É de se imaginar que sua excelência sabia dessas proibições/limitações
 a ele impostas pelo ordenamento jurídico, mesmo porque parece ser
 dotado de bom preparo técnico. Não obstante, apesar delas e contra
 elas, resolveu decidir como decidiu, nesse caso criminosamente. 
Veja-se o que diz o artigo 10 da lei acima citada:

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações
 telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da
 Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

É que o diálogo entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula já foi
 captado num momento em que a interceptação, por decisão do próprio 
Moro, já não poderia mais ser feita. Contrariando a sua própria decisão,
 sua excelência não somente trouxe para o inquérito o referido diálogo
como permitiu a sua divulgação. Ao agir assim, parece ter cometido 
o crime previsto no artigo 10 acima referenciado, expondo-se a um risco
que racionalmente só se explica se o juiz tiver objetivos que transcendem
 o simples ato de dizer e aplicar o Direito na vida das pessoas, objetivos
de resto não autorizados em lei.

E quais seriam esses objetivos?

O primeiro parece ter sido o de indispor o ex-presidente Lula com
 instituições respeitáveis e altas autoridades da República, a exemplo
 do Supremo Tribunal Federal e da Ordem dos Advogados do Brasil. 
Veja-se, para ilustrar, o teor dos diálogos interceptados e revelados:

- Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos
 uma Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, (Conversa
 entre Lula e a presidenta Dilma)

[.]

- Amanhã eles vão fazer alguma putaria com o Lula. Terça-feira o filha
 da puta da OAB vai botar aqui dizendo que o Conselho da OAB acha
 que nesse caso. É uma palhaçada. (Fala atribuída ao ministro Jacques
 Wagner em conversa com o Lula)

Porque as altas autoridades são humanas e as instituições são compostas 
por homens que se ressentem e se ofendem, sua excelência parece ter
 conseguido o seu intento, tanto assim que a OAB nacional, que até
 então se posicionava contra o impeachment da presidenta Dilma,
 mudou de posição.

A consciência da ilegalidade da decisão que tomou e os riscos daí 
decorrentes parecem ter valido a pena: o ex-presidente Lula e, por 
tabela, a presidenta Dilma, a toda evidência, saíram enfraquecidos desse episódio.

O segundo objetivo também parece ter sido plenamente alcançado: 
a produção de um massacre midiático no qual diálogos foram manipulados
 para dar a eles a serventia que era conveniente, no caso, tentar convencer
 parte da população de que o ex-presidente Lula havia aceitado o cargo
 de ministro chefe da Casa Civil para, ganhando foro privilegiado, livrar-se 
de uma prisão iminente e inevitável, à Sérgio Moro [4].

Novamente, arriscar-se ao ponto de agir criminosamente parece ter valido
 a pena: uma parcela da população se convenceu de que o Lula quis
 ser ministro para evitar a prisão.

4ª DECISÃO

Inteiramente contaminado por essa perspectiva, um outro juiz entra em 
cena e, instado a decidir liminarmente, em sede de ação popular, o Dr
. Itagiba Catta Preta Neto, resolveu suspender a nomeação e posse do
 ex-presidente Lula na Casa Civil.

À parte a discussão sobre a verossimilhança dos argumentos utilizados,
 o fato é que graças à atuação fiscalizadora de alguns bons jornalistas 
foram descobertos dois escândalos.

Na noite anterior à decisão, sua excelência deixou-se flagrar em pleno
 facebook participando alegre e entusiasticamente de um ato político em
 Brasília contra a presidenta Dilma e a favor do seu impeachment. Na
 postagem que colocou, além de sua fotografia na companhia possivelmente 
da família, sua excelência ridiculariza a presidenta Dilma, associando-a à
 imagem de uma bruxa, e, lá para as tantas, diz que é preciso derrubar a 
presidenta para que o dólar baixe e possibilite que pessoas como ele voltem a viajar.

Descoberto, apagou o perfil de sua conta no facebook, num esforço
 envergonhado e tardio de diminuir o vexame.

Uma outra descoberta desnudou sua excelência de vez. Analisando o 
percurso da ação popular no sistema de automação da Justiça Federal
 do Distrito Federal, percebeu-se que, entre o peticionamento e a decisão,
 transcorreram 28s. Quer dizer, em 28s o juiz recebeu o processo, analisou
 o argumento da parte e decidiu!

Como isto não é humanamente possível, e até por sua declarada opção
 político-ideológica, o fato é que a decisão de proibir o ex-presidente 
Lula de assumir o Ministério parece ter sido produzida antes de sua
 excelência conhecer do processo, como se tivesse sido encomendada [5].

Essas circunstâncias denunciam que sua excelência não tinha, face à 
sua opção política, nenhuma condição para decidir a ação popular.
 Ao fazê-lo, violou regras elementares que tratam da atividade do juiz, 
sobretudo aquelas que impõem o dever de imparcialidade e que
 disciplinam as hipóteses de suspeição.

Uma pergunta permanece no ar: se sua excelência se sabia suspeito,
 por que não se reconheceu enquanto tal? A resposta, tão inquietante 
quanto óbvia, sugere tratar-se, uma vez mais, de um juiz que, para
 fazer prevalecer as suas escolhas e a sua justiça, opta conscientemente
 por desprezar regras elementares do seu mister, desbordando dos
 limites impostos ao exercício de seu poder.

Que o Supremo Tribunal Federal, numa intervenção pedagógica, 
possa dar juízo aos nossos juízes.

NOTAS

[1] Em: Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado.
 São Paulo: Martins Fontes, 1999.

[2] O respeito às regras do jogo, segundo Norberto Bobbio, é que 
caracteriza o democrata e a democracia (In O Futuro da Democracia:
 Uma defesa das regras do jogo. Tradução: Marco Aurélio Nogueira.
 6ª edição. São Paulo: Paz e Terra).

[3] Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer
 natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do
 inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo
 das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. [.]

Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por
 decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após 
esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.

Parágrafo único. [.]

[4] Prisões preventivas que, na grande maioria, servem para a obtenção
, pelo sofrimento, de delações premiadas, ou, então, para materializar
 condenações penais antecipadas.

[5] Essa suspeita aumenta porque, em artigo publicado em alguns 
sites jornalísticos, mostramos que a decisão foi colocada no sistema
 4min19s antes do processo chegar ao juiz.

*Professor da UFAL e Desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas

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