A defesa da democracia brasileira terá de ser feita por
seus cidadãos e cidadãs. Os 11 do STF têm outra agenda
29/04/2016 13:04, atualizada às 29/04/2016 14:31
A um passo de assumir o governo pela porta dos fundos, Michel Temer
parece assustado com a possibilidade de ser afastado da sonhada
(e imerecida) presidência por uma campanha por eleições diretas.
Explica-se: uma pesquisa feita pelo Ibope mostrou que apenas 8%
da população aprova que Temer substitua Dilma Rousseff como
presidente, enquanto 62% dos entrevistados desejam novas eleições.
Cerca de 25% apoiam a permanência de Dilma no governo.
Temer não tem legitimidade política e não reúne apoio popular para
governar, mas conta com amigos importantes. Na terça-feira, segundo
a Folha, ele ouviu de seus emissários ao Supremo Tribunal Federal
que a convocação de eleições para substituir Dilma seria “inconstitucional”.
Animado por essa interpretação, ele teve a cara de pau de dizer a um
grupo de sindicalistas que falar em eleições este ano seria “golpe” . A
frase lembrou o romance 1984, de George Orwell, e a sua invenção
mais famosa, a novilíngua. Eleição é golpe. Guerra é paz. Amor é ódio.
Esse tipo de sinal sugere que não se deve esperar contribuições do
Supremo para a solução da crise política brasileira. O tribunal já deu
indicações de que não se oporá à retomada do poder pela oligarquia
numa manobra de bastidores, ignorando as aspirações populares por
democracia e pelo fim da corrupção. A despeito de quem tenha indicado
cada um dos seus 11 membros, a corporação se move por lógica
própria, coerente com a história e a vocação conservadora e classista
do judiciário brasileiro. Na hora H, se alinha com o velho status quo.
O exemplo mais flagrante disso tem sido dado pela relutância do
Supremo em discutir o afastamento do deputado Eduardo Cunha da
presidência da Câmara.
O pedido de afastamento foi feito em dezembro do ano passado pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ele acusou Cunha de
“destruir provas, pressionar testemunhas e intimidar vítimas”, agindo
contra a Lava Jato e a dignidade do Parlamento. Isso ocorreu há 135
dias, mas desde então o Supremo lavou as mãos, cruzou os braços,
sentou sobre o processo e não discutiu o afastamento.
Livre para agir como presidente da Câmara, Cunha explodiu a pauta
do Congresso em prejuízo do governo, conduziu com mão de ferro
a instalação do processo de impeachment da presidenta Dilma e
preparou, com todo o cuidado, as manobras regimentais (e possíveis
ameaças, como denunciou o procurador-geral) que podem livrá-lo do
processo de cassação pelos seus pares.
As coisas não teriam acontecido dessa forma se Cunha tivesse sido
afastado pelo Supremo.
A mesma cautela exagerada que o Supremo demonstra no trato
com Cunha não transparece na relação com a presidenta de República.
Na sexta-feira passada, quando Dilma foi à ONU com a intenção de
denunciar o golpe de que está sendo vítima, o Supremo fez fogo de
O ministro Celso de Mello deu entrevista à televisão explicando que
“impeachment não é golpe” e que ao afirmar isso no exterior a presidenta
estaria agindo “de forma estranha”. Seu colega Dias Tofolli foi mais
longe: acusou Dilma de estar “ofendendo as instituições” e
“prejudicando a imagem do país”. Gilmar Mendes também falou em
tom ácido contra presidenta. Intimidada, ela recuou.
As entrevistas do Supremo foram uma intervenção direta de um
poder sobre o outro, partindo espontaneamente de autoridades
que não foram convocadas oficialmente a se manifestar, mas
escolheram fazê-lo. Por quê?
Não foi a primeira vez que isso aconteceu.
No dia seguinte à divulgação pelo juiz Sergio Moro dos infames
o mesmo ministro Mello achou necessário se pronunciar.
Poderia ter criticado o juiz de Curitiba por um comportamento que até
estagiários de Direito sabiam ter sido temerário, para dizer o mínimo
. Poderia ter defendido a presidenta, cuja persona pública e cujo
cargo foram brutalmente atingidos pela gravação e pela divulgação
de seu conteúdo. Poderia até ter se calado, mas não.
O decano usou sua voz no Supremo para atacar o ex-presidente Lula
(e indiretamente a sua interlocutora) por desabafos privados que jamais
poderiam ter vindo à luz daquela forma – como ficou evidente, dias
depois, na decisão do ministro Teori Zavaski, que fez admoestações
Por que Eduardo Cunha nunca recebeu de Mello e dos demais ministros
do Supremo o mesmo tratamento que eles reservam à presidenta? A
conclusão disso tudo é que os brasileiros não devem colocar no Supremo
as suas esperanças de justiça no caso da presidenta Dilma e de seu vice ambicioso.
Para evitar o impeachment, resta aos brasileiros torcer por uma vitória no
Senado – que parece a cada dia mais improvável – ou lutar pela realização
de eleições diretas ainda este ano, antes que se consolide o arranjo
sombrio que está levando Temer ao poder.
Um plebiscito convocado por um terço da Câmara ou do Senado
poderia perguntar à população se ela quer Temer no Planalto ou se
prefere escolher um novo presidente nas urnas.
O plebiscito está previsto na Constituição – logo, não pode ser
derrubado no Supremo – mas exigiria a renúncia da presidenta Dilma.
Seria um gesto de desafio aos que se assanham para tomar o seu
lugar sem voto, em clara oposição ao desejo da maioria.
A democracia tem custo pessoal elevado, mas, assim como a luz,
expõe conspiradores e esvazia porões.
*Ivan Martins é jornalista, escritor e colunista do site da revista Época