quarta-feira, 30 de março de 2016

UM POUQUNHO DO BRASIL

30/03/2016 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - entrevista com Ciro Gomes. Foto: Guilherme Santos/Sul21
O doutor [Rodrigo] Janot, procurador-geral da República, está 
de posse de mil contas na Suíça, com US$ 800 milhões já
 identificados e bloqueados, com a fina flor dos políticos e dos
 empresários com eles conexos. Por isso que eles precisam
 aceleradamente [do impeachment]”, disse o ex-ministro 
Por Luís Eduardo Gomes, no Sul21

Em Porto Alegre para participar do Seminário Dívida Pública,
 Desenvolvimento e Soberania Nacional,  promovido pelo 
Sindicato dos Engenheiros (Senge), na PUCRS, o ex-ministro e 
ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) afirmou que o 
processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) 
está sendo movido por uma “coalizão de ladrões” que deseja
 implementar uma “agenda entreguista”, submetida a interesses
 internacionais.
Em entrevista concedida ao Sul21 e ao Jornal Já, Ciro Gomes
 afirmou que a saída do PMDB do governo federal, 
sacramentada em votação que durou três minutos na tarde de
 terça-feira (29), em Brasília, tem o objetivo de acelerar o
 processo de impeachment para tentar impedir que as investigações
 da Operação Lava Jato atinjam mais nomes da classe política brasileira.
“O doutor [Rodrigo] Janot, procurador-geral da República, está
 de posse de mil contas na Suíça, com US$ 800 milhões já 
identificados e bloqueados, com a fina flor dos políticos e dos
 empresários com eles conexos. Por isso que eles precisam
 aceleradamente [do impeachment]. Faz cinco meses que o 
processo de cassação do Eduardo Cunha não anda um passo 
sequer na Câmara e uma presidência da República da oitava
 economia mundial, em menos de 15 dias, pelo que nós estamos 
contando hoje, pode cair”, afirma Ciro.
Para o ex-governador, provável candidato a presidência da
 República pelo PDT em 2018, o impeachment da presidenta
 ainda não é inevitável, mas será preciso que o “povão acorde” 
e que haja uma mudança no contexto nacional para que ele seja
 barrado. Ciro ainda prevê que, caso se concretize a queda de
 Dilma, o vice-presidente Michel Temer terá muitas dificuldades
 para governar diante da crise econômica e política vivida pelo país.
Confira a seguir a íntegra da entrevista.
30/03/2016 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - entrevista com Ciro Gomes. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21






Como você avalia a saída do PMDB do governo?
Ciro Gomes: Isso é a crônica de uma morte anunciada. Se não
 fosse uma tragédia para o país, eu seria um dos brasileiros que
 poderia estar dizendo, com muita moral e coerência, que eu 
avisei. Quantas vezes eu falei com o Lula, eu falei com a Dilma,
 lá na ancestralidade desse projeto, o quanto estúpido e
 equivocado era colocar esse lado quadrilha da política brasileira
 na linha de sucessão do País. Prevaleceu o pragmatismo que
 acabou entregando organicamente ao PMDB a resultante do 
poder no Brasil, sem voto. E agora eles estão percebendo que
 podem consumar o fato, eliminar os intermediários e assumir 
diretamente. São componentes absolutamente escandalosos e 
enojantes. Eu não estou exagerando em nenhuma palavra, porque 
assistir o País ir para o risco que está correndo, para o Michel 
Temer, organicamente vinculado a tudo que está errado sob o ponto
 de vista institucional e de corrupção no Brasil – eu sei muito 
bem o que estou falando, é só pesquisar meu mandato de deputado
 federal, com ele na presidência da Câmara – e parceiro íntimo do 
Eduardo Cunha, que vira vice-presidente da República.
Com isso eles vão, apoiados pelo PSDB nesse instante, cumprir
 a segunda tarefa depois de assaltar o poder, que é matar a Lava
 Jato, que agora, sob o ponto de vista dos politiqueiros de Brasília, 
parece ter saído do controle. Só para eu lhe dar alguns dados que 
não saem na grande mídia porque não interessa. O doutor [Rodrigo] 
Janot, procurador-geral da República, está de posse de mil contas na
 Suíça, com US$ 800 milhões já identificados e bloqueados, com a 
fina flor dos políticos e dos empresários com eles conexos. Por isso
 que eles precisam aceleradamente [do impeachment]. Faz cinco meses
 que o processo de cassação do Eduardo Cunha não anda um passo 
sequer na Câmara e uma presidência da República da oitava economia 
mundial em menos de 15 dias, pelo que nós estamos contando hoje, 
pode cair.
O que acontece nos dias seguintes à chegada do Temer à presidência?
Ciro: O que acontece é que um governo ilegítimo se constitui.
 Esse governo não é gravemente negativo para o país só porque
 é ilegítimo e viola a democracia. Esse governo vem com uma 
agenda basicamente entreguista, dos últimos interesses nacionais
 que essa gentalha não conseguiu entregar para o estrangeiro. Anote 
o que eu estou lhe dizendo: petróleo e gás. Mas também para 
arrebentar com o rudimento de avanço social que o país experimentou,
 porque eles têm uma convicção, está nos textos do Armínio Fraga
, de que o salário mínimo, que é base para toda massa salarial
 brasileira, passou do limite, que tem que ser reduzido. Nos textos 
deles está lá que a política social não deve mais ser universal, e
 sim focada em pequenos grupos como defende o neoliberalismo 
mais tacanho, que inclusive está superado internacionalmente.
 Enfim, é uma tragédia completa para o Brasil. O que significa dizer 
que, dado que esses politiqueiros não conhecem o Brasil que existe
 hoje, que nós dissolveremos muito rapidamente esse quase consenso 
que está sendo construído que é pela negação, porque a sociedade 
brasileira está machucada pela crise econômica e indignada com
 a novelização do escândalo. Mas, na hora que esse consenso
 negativo provocar uma ruptura imprudente da nossa tradição 
democrática, no dia seguinte essa energia não vai para casa. E eu 
estarei junto com eles tocando fogo, porque não toleraremos que o
 Brasil seja vendido.
O senhor já disse que será o primeiro a entrar com um pedido de 
impeachment do Temer se ele assumir a presidência..
Ciro : É todo um contexto. Eu não sou ninguém e há muita manipulação
 nesse Facebook, com perfis falsos. O que eu disse, e vou repetir, é 
que o impeachment é um procedimento jurídico-político. Ele não pode
 ser nem só político e nem só jurídico, e está escrito na Constituição
 que essa interrupção de um mandato de um presidente da República 
só se dará na condição de cometimento de crime de responsabilidade.
 A Dilma não foi acusada de nenhum cometimento, de nenhuma dessas 
figuras penais da lei de responsabilidade. O pretexto do pedido que está 
tramitando e pode derivar numa ruptura democrática do país é o que
 eles chamam de pedalada fiscal, que é um crime contábil, completamente 
errado, não defendo, mas que todos os governos vêm fazendo e nunca, 
em circunstância alguma, é crime. Entre o elenco formal da lei não é
 crime. Portanto você tem um golpe.
E eu disse na entrevista e vou repetir pro senhor, se foi esse o pretexto
 que vai levar à ruptura do Brasil e há esse risco de ninguém mais
 governar o nosso país pelos próximos 20 anos, eu estou comovidamente
 convencido disso, eu entrarei imediatamente com um pedido de 
impeachment baseado no fato, que eu já tenho todos os documentos,
 de que o Michel Temer, como vice-presidente ocupando a presidência 
da República, assinou dezenas de decretos de pedaladas fiscais, igualzinho
 a Dilma. Portanto, se valer para ela juridicamente – evidentemente 
que isso é só pretexto -, vai ficar a sociedade brasileira muito esclarecida
 de que isto também foi uma molecagem de golpe. Mas vou entrar na hora.
A partir do impeachment da Dilma e de um possível impeachment também do Temer, qual seria a solução? Novas eleições?
Ciro: Um impeachment só acontece quando há uma construção consensual. Hoje, esse consenso não existe ainda. Ele se acelerou muito por conta de você ter feito encontrar interesses internacionais poderosos, que têm uma influência importante na formação da mega mídia, especialmente de São Paulo, que se autodenomina imprensa nacional, e do Rio de Janeiro, com uma sociedade muito angustiada com a crise econômica e com a loucura da denúncia moral, que foi extremamente passionalizada com aquilo que pareceu ao povo uma jogadinha miúda, metendo o centro da República nela, que é trazer o Lula para dentro do Palácio. Eu espero que ainda dê tempo e que essa marcha da insensatez se interrompa. Não acontecendo, o próximo passo de um impeachment do Michel Temer é muito improvável, porque imediatamente ele passa a ser o representante no poder dos interesses internacionais, que hoje estão na clandestinidade, balançando as bases da democracia brasileira.
É só vocês fazerem uma pesquisa rapidinha: quais são os lugares da Geografia do mundo onde há petróleo com algum excedente e você imediatamente vai ver a mesma instabilidade que há no Brasil, até agravada. Agravada, por exemplo, como é o caso do Iraque. Agravada pelas tensões no Irã, agravada pelas tensões no Egito, pelas tensões na Líbia. É uma coisa que não é coincidência. Arábia Saudita está balançando. A Venezuela, na nossa América Latina, está completamente em frangalhos, a sua institucionalidade. Isso é um jogo bruto, não é um jogo para criança. Agora, esse interesse passa a vencer. Imediatamente a mídia correlata já está fazendo o que para qualquer brasileiro é uma coisa enojante. Um partido que está há 10 anos mamando, roubando, escandalosamente e fisiologicamente entranhado no governo, que, portanto, se tem alguma coisa boa no governo, ele pode reclamar para si também e, se tem alguma coisa completamente errada, o PMDB também é responsável por isso. Sai (do governo) e a Rede Globo faz uma novela dignificando, nobilitando o gesto do PMDB. É a novilíngua. George Orwell, no livro “1984”, escreveu sobre isso.
Ciro, você fala de entreguismo do PMDB…
Ciro: Está escrito. Leia o que eles estão chamando ridiculamente de Ponte para o Futuro.
O senhor acha que o PMDB tem condições políticas de implementá-lo?
Ciro: Nenhuma chance. É uma grande fraude. É uma grande e imensa fraude porque o Brasil hoje tá pinçado por três crises, e uma alimenta a outra, e “trocar Chico por Manel” não resolve nada. Pelo contrário, quando você excita expectativas simplórias, grosseiras, como está acontecendo hoje, em que todo o problema brasileiro seria essa novela moral, que nós vamos trocar uma pessoa que não tá acusada de nada por uma linha de sucessão que é Michel Temer, Eduardo Cunha, Renan Calheiros – os três estão citados na Lava Jato e ela é a única que não foi citada nem é investigada em coisa nenhuma -, o que acontece no dia seguinte? Eles vão trabalhar para desarmar a Lava Jato, mas as três crises vão estar do mesmo tamanho.
Vamos lá, crise número 1: internacional. Um constrangimento, eu diria para você, paradigmático. O Brasil encerrou um ciclo, nós perdemos qualquer veleidade de ter um projeto de desenvolvimento, nisso o PT comete talvez seu maior erro. Fez um avanço, mas não institucionalizou nada, não mexeu em estrutura nenhuma do País. O resultado prático é que, quando terminar o ano de 2016, entre produtos industrializados que nós vendemos para o estrangeiro e produtos industrializados que nós compramos do estrangeiro, o buraco já está em US$ 110 bilhões. A gente vinha, até 2014, pagando este buraco com um ciclo de commodities muito caras. Então, eu estou trabalhando na CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), nós vendíamos, em 2014, uma tonelada de minério de ferro por US$ 180. Chegamos a vender por US$ 40. O petróleo, quando nós comemoramos a maravilhosa descoberta do pré-sal, eu estava lá ajudando a fazer a lei de partilha, aquilo tinha e tem ainda o condão no futuro de mudar radicalmente a estrutura brasileira social, econômica e de infraestrutura, o que acontecia, o petróleo custava US$ 110. Então, a gente gasta US$ 41 para tirar um barril de petróleo, com este nível de escala hoje, e vendíamos a US$ 110. É uma fortuna. Pois bem, o petróleo custa US$ 41 para tirar e nós estamos vendendo a US$ 30. “Micou” o pré-sal. Você tem a soja, o milho, etc., que não caíram tanto, mas caíram 15%, 20% todos. Ou seja, a gente artificializou de fora para dentro uma conta macroscópica do Brasil com o estrangeiro e esse ciclo morreu e morreu para sempre – pelo menos pelas duas próximas décadas. O país está desafiado a recelebrar toda a sua matriz de desenvolvimento agora, catando outro lugar aonde assentar essa imprudência de não termos uma política industrial de comércio exterior. Então, segura a primeira crise que eu quero ver como esses golpistas vão tratar.
30/03/2016 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - entrevista com Ciro Gomes. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Segunda crise, quando você tem um desequilíbrio nas suas contas externas, você transfere para dentro do país uma variável que é a desvalorização da moeda. Eu não tenho tempo aqui, mas, basicamente, se eu tenho um buraco nas contas com o estrangeiro, a consequência prática dentro do país, a primeira, é que a moeda se desvaloriza. O real se desvaloriza perante o dólar. Isto imediatamente se irradia para os preços, todos os preços que são imediatamente sensíveis ao câmbio. Por exemplo, você compra pão, pão é trigo, o Brasil não produz trigo com suficiência, importa, é dólar. Então, se você tem uma desvalorização do real frente ao dólar, o pão fica mais caro, a pizza fica mais cara. Remédio, 75% da química fina brasileira é importada. Se você desvalorizada a moeda, o remédio fica mais caro. Passagem de ônibus, a principal variável é o diesel, diesel é petróleo, petróleo é câmbio. Então, você tem uma pressão de preços relativos que dá uma miragem de inflação. Tentaram botar desde o senhor Fernando Henrique, e o PT manteve a mesma equação, a economia num tal piloto-automático do inflation target, que aqui tomou o nome de meta da inflação. Aí você atira com taxas de juros. Você tem a maior recessão, que não é mais, é depressão econômica, da história do Brasil, e a taxa de juros do Brasil é a maior do mundo. Eu quero ver o que essa calhordice aí, desses golpistas salafrários, vai fazer no dia seguinte que tomar posse.
E, terceiro, a crise política. Ou você acha que PT, MST, CUT, Ubes, eu e todos nós que estamos convencidos de que há um golpe em marcha no Brasil vamos deixar esse governo governar para vender o País para o estrangeiro. Nenhuma chance. Nós vamos para o pau contra eles. Eu não reconheço legitimidade nesse governo que está querendo se construir em cima do golpe. Eu não reconheço e vou lutar, no meu limite, com as ferramentas que estiveram a meu alcance, para que essa tragédia não se abata sobre o Brasil.
O impeachment é inevitável?
Ciro: Não é inevitável. Eu estou lhe falando e é preciso que a gente date as coisas, porque as coisas estão muito frenéticas no Brasil, mas o que a sociedade precisa saber é que o processo de cassação do Eduardo Cunha, pilhado com milhões de dólares no estrangeiro roubados da Petrobras, flagrantemente, tudo demonstrado com interações internacionais constrangedoras, faz cinco meses não deu o primeiro passo ainda na comissão, e essa coalizão de ladrões, esta cleptocracia que está se organizando ao redor do senhor Michel Temer, está querendo derrubar uma presidente em 20 dias. Tá marcado para o dia 17 de abril e, no momento em que eu estou lhe falando, só um milagre nos salva. Esse milagre é possível de ser praticado se o nosso povo acordar, não só nós que já estamos na luta, mas o povão, que ainda está vendo as coisas, com muita razão, com um pé atrás, mas eu ainda tenho esperança que Deus toque o coração e a cabeça da sociedade brasileira. E isso pode mudar as coisas.
Foto de capa: Guilherme Santos/Sul21

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