quinta-feira, 31 de março de 2016

UM POUQUINHO DE UM PAIS CHAMADO BRASIL CONHECEREIS A VERDADE E A VERDADE VOS LIBERTARÁ

Terça-feira, 29 de Março de 2016

Desembargador reage a modelo Moro e

 pergunta: Poder Judiciário partidarizado?

Da Redação
Desembargador e a crítica ao partidarismo do judiciário
Desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, Tutmés Airan de Albuquerque 
Melo é um magistrado diferente de boa parcela dos que conhecemos por aí: não 
é corporativista. Costuma falar em nome da razão e dos seus estudos sem recorrer
 ao velho dilema dos colegas que se travam para não se indispor com colegas -
 mesmo violentando a consciência - quando não, o direito. Neste artigo ele
 mergulha em documentos e publicações nas quais aponta um conjunto de
 erros que revelam a partidarização do judiciário brasileiro - uma praga que
 pode custar a nossa democracia. Leia aqui.

Tutmés Airan de Albuquerque Melo*

A guerra política instaurada no Brasil, que pode levar ao impeachment da presidenta 

Dilma, tem vários ingredientes. Nenhum deles, talvez, nem mesmo a atuação da mídia
, tem despertado mais polêmica do que as decisões judiciais que brotam do conflito.

A ideia deste texto é, a partir da análise de algumas dessas decisões, tentar entender

 o porquê da polêmica e, entendendo o porquê, refletir sobre as suas consequências
 em relação à própria existência do Poder Judiciário e à sua capacidade de ser, numa
 crise desse tamanho, um mediador para o conflito.

Mãos à obra.

1ª DECISÃO

A Revista Veja, ano 48, edição nº 44, com circulação no mês de novembro de 2015,

 em sua capa, estampou uma foto do ex-presidente Lula com trajes de presidiário, atrás
 das grades.

Sentindo-se ofendido em sua honra e imagem, propôs ação de indenização por dano

 moral contra a Editora Abril S/A, processo distribuído para a juíza Luciana Bassi de Melo,

 titular da 5ª Vara Cível do Foro Regional XI de Pinheiros, Comarca de São Paulo.

Julgando o conflito, inclusive de forma antecipada, sua excelência decidiu que o 

ex-presidente Lula não tinha razão.

É certo, como sustenta Kelsen [1] , que decidir é um ato de escolha entre alternativas 

possíveis. Isso não quer dizer ou sugerir que o Estado dê um cheque em branco para o
 juiz decidir como quiser.

É que, não obstante tenha uma margem considerável de poder para construir a sua

 decisão, todo juiz sabe ou pelo menos intui que há interpretações-limite sobre o
 sentido e alcance dos textos normativos, a partir das quais tudo o mais não passa 
de uma tentativa autoritária de fazer prevalecer a vontade pessoal em detrimento 
dos limites impostos pela legalidade.

No caso em análise, embora tenha procurado ancorar a decisão em precedentes

 jurisprudenciais, para fazer prevalecer a sua vontade a juíza não hesitou, inclusive,
 em falsear a realidade, porque somente a falseando poderia decidir como decidiu.

Vejamos.

Chama a atenção uma passagem da sentença na qual, enfaticamente, sua excelência, 

em mal português, disse que a capa da revista não havia inventado nada, deturpado
 ou distorcido notícias a respeito do autor. Como não?!

Colocá-lo na capa de uma revista de circulação nacional vestido de presidiário, e atrás 

das grades, é absolutamente incompatível com o fato de que até hoje o ex-presidente 
Lula não tem contra si nenhum processo penal em tramitação e muito menos
 condenação, mesmo não transitada em julgado, capaz de sugerir ou indicar que ele
 poderia ser eventualmente colocado, em consequência de um processo ou de uma 
condenação, na condição de prisioneiro.

A toda evidência, pois, a capa da revista não se limitou a narrar ou criticar um fato real.

 Antes, criou um fato conveniente aos seus interesses na perspectiva clara de desconstruir 
a imagem de um homem que, até que se prove o contrário, é inocente e como tal 
deve ser, por imperativo constitucional, tratado.

Ao não reconhecer o óbvio - a ofensa à honra e à imagem do ex-presidente Lula -, sua 

excelência fez imperar uma espécie de justiça particular, ferindo de morte um dos 
pilares mais importantes do devido processo legal, segundo o qual as decisões judiciais
 devem obediência a regras prévias e democraticamente postas, limitadoras do poder
 de qualquer juiz.

A subversão da cláusula constitucional do devido processo legal não parou por aí. 

Nota-se que, por mais de uma vez, sua excelência justifica e legitima a capa da 
revista Veja, como se ela traduzisse as manifestações populares, no seio das quais,
 inclusive, teria havido a criação do boneco "Pixuleco", "representando o autor como prisioneiro".

São conhecidas as relações entre o Direito e as avaliações morais que os homens 

fazem sobre suas condutas. Uma delas, a que interessa neste instante, é a de que,
 através das normas jurídicas que produz e garante, o Estado deve proteger as 
pessoas contra os linchamentos e execrações produzidas apressadamente pela moralidade média.

Ao não enxergar na atitude da revista qualquer excesso, e ao ancorar a sua argumentação

 exatamente naquilo que ela tinha o dever de evitar ou combater, sua excelência descurou
 de um compromisso fundante do devido processo, segundo o qual as pessoas não
 podem ficar à mercê do juízo moral e de suas consequências devastadoras.

A propósito, bastaria um simples exercício mental para perceber isso. Um bom juiz deve

 se colocar no lugar do outro. Será que sua excelência gostaria de ter a sua imagem
 veiculada nas mesmas condições em que a revista retratou o ex-presidente Lula?

2ª E 3ª DECISÕES

Sexta-feira, dia 4 de março, o Brasil amanheceu em polvorosa: agentes da Polícia Federal 

levaram o ex-presidente Lula. De início se imaginou tratar de uma prisão anunciada.
 Logo depois, no entanto, constatou-se tratar-se de uma condução coercitiva que,
 enquanto tal, teria que ocorrer caso fosse verificada a hipótese prevista no artigo 260 
do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou

 qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar
 conduzi-lo à sua presença.
[.]

Como se vê, não se pode conduzir uma pessoa para depor coercitivamente sem que ela

 tenha sido previamente convidada para tal e, em consequência desse convite, se 
recusado a fazê-lo. Aqui, por mais que se queira dar asas à imaginação, não cabe outra
 interpretação: ir depor sob "vara" pressupõe resistência injustificada a um chamamento da justiça.

Eis que logo se descobriu que o ex-presidente Lula não tinha sido previamente

 convidado a depor, não se podendo obviamente dizê-lo resistente a um convite 
que não houve. O que então justificaria uma condução coercitiva?

Instado a se explicar, o juiz Sérgio Moro, responsável pelo mandado de condução

 coercitiva disse que a determinou em nome da busca da verdade e "para evitar 
tumultos e confrontos entre manifestantes políticos favoráveis e desfavoráveis ao
 ex-presidente". Acontece que sua excelência, a pretexto de lançar mão da prerrogativa
 contida no artigo 260 do CPP, o fez de forma absolutamente divorciada de sua 
hipótese legal legitimadora.

Sua excelência, portanto, legalmente falando, não teria essa prerrogativa, no caso,

 exorbitando, consciente e deliberadamente, de seu poder, desprezando, tal como n
a decisão anterior, os marcos normativos pública e democraticamente estabelecidos, para,
 autoritariamente, fazer prevalecer a sua vontade. Como disse o ministro do Supremo 
Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, comentando a decisão de condução coercitiva, o
 juiz estabeleceu "o critério dele, de plantão".

Por melhores que sejam os propósitos, um juiz não pode decidir contra o sentido

 unívoco da lei, sobretudo porque a mensagem não deixa margem a qualquer dúvida.
 Como disse o referido ministro, "não se avança atropelando regras básicas". Afinal
, mais dia menos dia, "o chicote muda de mão", e também de alvo.

Sua excelência, portanto, negou submissão às regras do jogo [2] , agindo fora dos

 limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico, afrontando, assim como na decisão
 anterior, regra basilar do devido processo legal.

Como se isso não bastasse, e em nova afronta ao devido processo legal, expôs de modo

 desnecessário e vexatório o ex-presidente, quando seria do seu dever protegê-lo
 contra a execração pública e midiática.

Com efeito, ao que tudo indica sua excelência queria exatamente isto: que o ex-presidente

 Lula fosse execrado pública e midiaticamente. E por quê? Porque, violando o que
 estabelecem os artigos 8º e 9º da Lei nº 9.296/1996, que regulamenta o procedimento 
de interceptação telefônica, permitiu que conversas ao telefone feitas pelo ex-presidente
 Lula viessem a público, inclusive algumas estritamente privadas que não interessavam à
 investigação, bem como uma conversa havida entre o Lula e a presidenta Dilma, cuja 
divulgação somente poderia ser excepcionalmente autorizada pelo Supremo Tribunal 
Federal, dada a prerrogativa de foro da presidenta.

É de se imaginar que sua excelência sabia dessas proibições/limitações a ele impostas 

pelo ordenamento jurídico, mesmo porque parece ser dotado de bom preparo técnico. 
Não obstante, apesar delas e contra elas, resolveu decidir como decidiu, nesse caso
 criminosamente. Veja-se o que diz o artigo 10 da lei acima citada:

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática

 ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com
 objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

É que o diálogo entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula já foi captado num

 momento em que a interceptação, por decisão do próprio Moro, já não poderia mais
 ser feita. Contrariando a sua própria decisão, sua excelência não somente trouxe para
 o inquérito o referido diálogo como permitiu a sua divulgação. Ao agir assim, parece ter
 cometido o crime previsto no artigo 10 acima referenciado, expondo-se a um risco que 
racionalmente só se explica se o juiz tiver objetivos que transcendem o simples ato de 
dizer e aplicar o Direito na vida das pessoas, objetivos de resto não autorizados em lei.

E quais seriam esses objetivos?

O primeiro parece ter sido o de indispor o ex-presidente Lula com instituições respeitáveis

 e altas autoridades da República, a exemplo do Supremo Tribunal Federal e da Ordem dos
 Advogados do Brasil. Veja-se, para ilustrar, o teor dos diálogos interceptados e revelados:

- Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos uma Superior Tribunal

 de Justiça totalmente acovardado, (Conversa entre Lula e a presidenta Dilma)

[.]

- Amanhã eles vão fazer alguma putaria com o Lula. Terça-feira o filha da puta da OAB

 vai botar aqui dizendo que o Conselho da OAB acha que nesse caso. É uma palhaçada.
 (Fala atribuída ao ministro Jacques Wagner em conversa com o Lula)

Porque as altas autoridades são humanas e as instituições são compostas por homens

 que se ressentem e se ofendem, sua excelência parece ter conseguido o seu intento, 
tanto assim que a OAB nacional, que até então se posicionava contra o impeachment da
 presidenta Dilma, mudou de posição.

A consciência da ilegalidade da decisão que tomou e os riscos daí decorrentes parecem

 ter valido a pena: o ex-presidente Lula e, por tabela, a presidenta Dilma, a toda evidência,
 saíram enfraquecidos desse episódio.

O segundo objetivo também parece ter sido plenamente alcançado: a produção de um

 massacre midiático no qual diálogos foram manipulados para dar a eles a serventia
 que era conveniente, no caso, tentar convencer parte da população de que o ex-presidente
 Lula havia aceitado o cargo de ministro chefe da Casa Civil para, ganhando foro privilegiado
, livrar-se de uma prisão iminente e inevitável, à Sérgio Moro [4].

Novamente, arriscar-se ao ponto de agir criminosamente parece ter valido a pena: uma 

parcela da população se convenceu de que o Lula quis ser ministro para evitar a prisão.

4ª DECISÃO

Inteiramente contaminado por essa perspectiva, um outro juiz entra em cena e, instado

 a decidir liminarmente, em sede de ação popular, o Dr. Itagiba Catta Preta Neto, resolveu
 suspender a nomeação e posse do ex-presidente Lula na Casa Civil.

À parte a discussão sobre a verossimilhança dos argumentos utilizados, o fato é que 

graças à atuação fiscalizadora de alguns bons jornalistas foram descobertos dois escândalos.

Na noite anterior à decisão, sua excelência deixou-se flagrar em pleno facebook participando

 alegre e entusiasticamente de um ato político em Brasília contra a presidenta Dilma e
 a favor do seu impeachment. Na postagem que colocou, além de sua fotografia na
 companhia possivelmente da família, sua excelência ridiculariza a presidenta Dilma
, associando-a à imagem de uma bruxa, e, lá para as tantas, diz que é preciso derrubar
 a presidenta para que o dólar baixe e possibilite que pessoas como ele voltem a viajar.

Descoberto, apagou o perfil de sua conta no facebook, num esforço envergonhado

 e tardio de diminuir o vexame.

Uma outra descoberta desnudou sua excelência de vez. Analisando o percurso da ação

 popular no sistema de automação da Justiça Federal do Distrito Federal, percebeu-se
 que, entre o peticionamento e a decisão, transcorreram 28s. Quer dizer, em 28s o juiz
 recebeu o processo, analisou o argumento da parte e decidiu!

Como isto não é humanamente possível, e até por sua declarada opção político-ideológica, 

o fato é que a decisão de proibir o ex-presidente Lula de assumir o Ministério parece ter 
sido produzida antes de sua excelência conhecer do processo, como se tivesse sido encomendada [5].

Essas circunstâncias denunciam que sua excelência não tinha, face à sua opção política,

 nenhuma condição para decidir a ação popular. Ao fazê-lo, violou regras elementares 
que tratam da atividade do juiz, sobretudo aquelas que impõem o dever de imparcialidade
 e que disciplinam as hipóteses de suspeição.

Uma pergunta permanece no ar: se sua excelência se sabia suspeito, por que não se reconheceu

 enquanto tal? A resposta, tão inquietante quanto óbvia, sugere tratar-se, uma vez mais, de
 um juiz que, para fazer prevalecer as suas escolhas e a sua justiça, opta conscientemente
 por desprezar regras elementares do seu mister, desbordando dos limites impostos
 ao exercício de seu poder.

Que o Supremo Tribunal Federal, numa intervenção pedagógica, possa dar juízo aos nossos juízes.

NOTAS

[1] Em: Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

[2] O respeito às regras do jogo, segundo Norberto Bobbio, é que caracteriza o democrata

 e a democracia (In O Futuro da Democracia: Uma defesa das regras do jogo. Tradução:
 Marco Aurélio Nogueira. 6ª edição. São Paulo: Paz e Terra).

[3] Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza

, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo
 criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. [.]

Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, 

durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento 
do Ministério Público ou da parte interessada.

Parágrafo único. [.]

[4] Prisões preventivas que, na grande maioria, servem para a obtenção, pelo sofrimento,

 de delações premiadas, ou, então, para materializar condenações penais antecipadas.

[5] Essa suspeita aumenta porque, em artigo publicado em alguns sites jornalísticos,

mostramos que a decisão foi colocada no sistema 4min19s antes do processo chegar ao juiz.

*Professor da UFAL e Desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas

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