Usuários migram para a
Cantareira
Logo no início da Serra da Cantareira, uma mata que
separa casas de R$ 1 milhão e barracos do Jardim Elisa Maria,...
Logo no início da Serra da Cantareira, uma mata que separa casas de
R$ 1 milhão e barracos do Jardim Elisa Maria, na zona norte de São Paulo,
virou refúgio para dezenas de usuários de crack expulsos de uma favela
vizinha. Eles vivem no mato há pelo menos três meses, em lonas erguidas às
margens de um córrego.
Assustados, moradores do condomínio Parque Itaguaçu da Cantareira colocaram
seguranças particulares para vigiar a mata ocupada pelos dependentes. O Estado
entrou ontem na trilha que leva ao camping montado pelos dependentes. No meio da
floresta, ao som dos passarinhos, os "noias" se retorciam com cachimbos na mão.
"Quero ficar em paz aqui no mato, assim minhas filhas e minha mãe sofrem menos.
Elas não precisam me ver desse jeito", desabafa Fabrícia Lombardi, de 28 anos,
expulsa da favela do Elisa Maria. Com cachimbo nas mãos, rosto sujo de terra e
agachada dentro de sua lona, ela diz estar mais perto de Deus ali na mata.
"A bandidagem não quer a gente por perto. Ninguém gosta de 'noia', né?",
emenda a jovem.
Ao seu lado, o ex-camelô Salvador de Almeida, de 55 anos, conta já ter morado
dois anos na cracolândia do centro de São Paulo. Há dois meses, trocou a Rua
dos Gusmões pelo meio da Cantareira. "Dá bem menos vergonha e medo ficar
aqui. Eu já tive emprego bom, tenho meus filhos que moram no interior, em Rio Claro.
Não gosto de pedir esmola em semáforo", contou Almeida, que passa parte do dia
catando papelão e ferro pelas ruas do Jardim Peri, ali perto.
Quando quer fumar crack, o ex-camelô volta para seu barraco na mata. "A gente pega
umas pedrinhas lá na favela. O pessoal só não gosta que ninguém fique fumando nas
vielas. O negócio é vender as coisas no ferro-velho, pegar o que tem de pegar para
fumar e voltar para o mato bem quietinho", acrescenta.
Outro homem, de 43 anos, que se identificou apenas como Maciel, tinha fala articulada
e contou ser professor da rede estadual de ensino. "Não moro aqui, venho só fumar um
crack e curtir a natureza, qual o problema?"
No condomínio vizinho de alto padrão, separado apenas por uma cerca de arame da
mata da serra, moradores relatam que a presença de grupos de dependentes químicos
ali é recente. "O que nós temos feito é evitar que eles entrem no condomínio. Nunca houve
essa comunidade do crack no meio da mata", conta Ricardo de Almeida Pimentel Mendes,
de 54 anos, administrador do condomínio.
Rodoanel. O pedaço da mata da Cantareira no qual os dependentes construíram
barracos vai sumir para a construção do Trecho Norte do Rodoanel. O traçado da
estrada também vai desapropriar casas do condomínio Itaguaçu da Cantareira.
Por enquanto, porém, quase ninguém incomoda o grupo de dependentes que se
instalou na mata.
Durante mais de três horas, as únicas pessoas que a reportagem viu passar pelo
trecho onde estão os dependentes foram garotos que caçam passarinhos silvestres.
Eles dizem que, dependendo da espécie, conseguem vendê-los no mercado negro
por até R$ 2 mil. Dezenas de meninos com gaiolas e pequenos sacos de alpiste
passam o dia à procura de periquitos e até de tucanos na Cantareira.
Polícia. Soldados do 47.º Batalhão da Polícia Militar retiraram os barracos e os
dependentes do meio da mata há cerca de dois meses. A corporação também
informou fazer constantes patrulhas no local, mas eles sempre acabam retornando.
"A preocupação dos policiais é de que nenhuma nova moradia seja montada no
trecho do Rodoanel, ninguém está muito preocupado com a presença dos viciados",
critica uma moradora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário