A partir do início da década de 1990 o governo brasileiro vendeu mais de 100
empresas estatais e concessionárias de serviços públicos, em um processo de
privatizações — ainda em curso, vide aeroportos — que já abarcou a telefonia,
a distribuição de energia elétrica, muitas rodovias e gigantes da mineração e
da siderurgia. Mas o que foi feito com o telefone, a luz, as estradas e o minério
de ferro pode ser feito com as penitenciárias e sua, digamos, clientela?
Na verdade, a largada já foi dada no processo de privatização do altamente
degradado e falido sistema prisional brasileiro, alvo de críticas severas
das principais organizações internacionais de defesa dos direitos humanos.
Será inaugurado em agosto deste ano, na cidade de Ribeirão das Neves, na
região metropolitana de Belo Horizonte, o primeiro presídio privado do
Brasil, construído por meio de Parceria Público-Privada (PPP), e que será
gerido pela concessionária GPA, sigla do grupo mineiro Gestores Prisionais
Associados (GPA).
Outros grupos de olho no filão
Serão 3.040 vagas divididas em cinco unidades com capacidade para 608
presos cada uma. Como em todo processo de privatização, as promessas de
maravilhas são muitas:
Atendimento médico com intervalo máximo de 45 dias, tecnologias de ponta
para monitoramento de presos e metas para impedimento de fugas e outros
eventos graves, o que será tentado mediante a utilização de sistemas de
sensoriamento de presença, controle de acesso de um ambiente para o outro
, comando de voz e Circuito Fechado de Televisão (CFTV) em todo o complexo.
“Com oferta de trabalho, estudo, saúde e controle da segurança, a possibilidade
de obter sucesso é muito maior”, disse à imprensa o coordenador da unidade
setorial de PPP da Secretaria de Defesa Social (Seds) de Minas, Marcelo Costa.
Além do grupo GPA, que arrematou os direitos de exploração do primeiro
presídio privado do Brasil, tem mais gente de olho neste filão, como o consórcio
JVS (formado pela Gocil, Heleno & Fonseca e JVS Consultoria), que chega com
soluções financeiras para presídios consideradas inovadoras debaixo do braço,
e a construtora Queiroz Galvão, que firmou parceria com empresas espanholas
que têm experiência na ressocialização de detentos.
Meio milhão de presos espremidos
A clientela é grande. O Brasil tem a quarta maior população carcerária do planeta
(depois apenas de EUA, China e Rússia), com cerca de meio milhão de pessoas vivendo
espremidas atrás das grades — a despeito do senso comum de que somos o país da
impunidade — em um sistema carcerário para lá de superlotado. Especialistas
dizem que existe um déficit de nada menos do que 200 mil vagas.
E o mercado, por assim dizer, tende a crescer, uma vez que os legisladores cedem
cada vez mais à tentação da solução penal, ou seja, da criminalização, de tudo e
todos quanto seja possível, na esteira das políticas criminais norte-americanas de
tolerância zero e efeitos pífios sobre os índices de criminalidade, e na contramão
da modernidade jurídica, a do Direito Penal mínimo.
“Minha Casa, Minha Vida” que nada. Por aqui, caminhamos para o cenário
descrito pelo sociólogo francês da Universidade da Califórnia Loïc Wacquant,
para quem em países como os EUA a penitenciária se transformou na verdadeira
política habitacional dos tempos que correm.
Nenhum comentário:
Postar um comentário