Tribunal de Justiça de Goiás - TJGO.
DENÚNCIA Nº 196-7/269 (200603817348) - AURILÂNDIA
DENUNCIANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
DENUNCIADO: EULER JOSÉ DE OLIVEIRA E OUTRO
RELATOR: JUIZ G. LEANDRO S. CRISPIM
EMENTA - DENÚNCIA. PREFEITO MUNICIPAL. CRIME DE
RESPONSABILIDADE - DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS -
DECRETO-LEI 201/67. FALSIDADE IDEOLÓGICA.
MATERIALIDADES DOS DELITOS E INDÍCIOS DE
AUTORIA. ACUSAÇÃO EMBASADA EM INQUÉRITO
CIVIL PÚBLICO - POSSIBILIDADE. DOLO - MATÉRIA
PROBATÓRIA. ÓBITO DA SEGUNDA DENUNCIADA -
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - REJEIÇÃO DA
DENÚNCIA EM RELAÇÃO À SUA PESSOA.
I - Demonstradas as materialidades dos delitos narrados
na exordial acusatória e presentes indícios suficientes da
autoria atribuída ao Prefeito Municipal, ante a farta
documentação apresentada, impõe-se o recebimento da
denúncia, que se avulta ante o fato de figurar como vítima
a Administração Pública Municipal, e denunciado o seu
representante legal.
II - Não é vedado ao Ministério Público valer-se de
inquérito civil público, ou outros elementos de
convencimento que indiquem a ocorrência de delitos,
para embasar o oferecimento da denúncia,
prescindindo-se, pois, de inquérito policial.
III - Alegação pertinente à ausência de dolo para
configuração de infração penal pressupõe incursão
meritória, a ser dirimida em sede própria, qual seja,
na instrução criminal respectiva.
IV - Comprovado nos autos, mediante certidão de óbito,
o falecimento da segunda denunciada, impõe-se o
reconhecimento da extinção da punibilidade e
conseqüente rejeição da denúncia em relação à sua
pessoa, ex vi das disposições conjugadas dos artigos
107, inciso II, do Código Penal e 43, inciso II, do Código
de Processo Penal.
Denúncia recebida em relação ao primeiro denunciado
e rejeitada quanto à segunda acusada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDA o
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela 3ª Turma
Julgadora de sua Primeira Câmara Criminal, à unanimidade,
receber a denúncia em relação ao primeiro denunciado e
rejeitá-la quanto à segunda acusada, nos termos do voto
do Relator e da Ata de Julgamentos.
Goiânia, 02 de agosto de 2007.
Desa. Juraci Costa
PRESIDENTE
Juiz G. Leandro S. Crispim
RELATOR SUBSTITUTO
RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado de Goiás, por seu representante, o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Saulo de Castro Bezerra, com fulcro nos artigos 129, inciso I e 29, inciso X, da Constituição Federal, artigo 41, do Código de Processo Penal, artigos 46, inciso VIII, alínea 'c' e 117, inciso I, da Carta Estadual, artigo 29, inciso V, da Lei nº 8.625/93, artigo 46, inciso V, da Lei Complementar Estadual nº 25/98 e Lei nº 8.038/90 com o acréscimo introduzido pela Lei nº 8.658/93, oferta denúncia em face de supostas condutas delituosas praticadas contra o Município de Cachoeira de Goiás, atribuídas ao Prefeito Municipal, Euler José de Oliveira, e à Secretária de Finanças da Prefeitura, Ileni Calixto da Silva, ambos qualificados, consubstanciadas no desvio de verbas da Fazenda Municipal.
Consta da exordial acusatória, que no período de 03 de março a 20 de junho de 2005, foram celebrados pelo primeiro acusado, na condição de Prefeito, seis contratos de prestação de serviços entre a Prefeitura de Cachoeira de Goiás e os particulares: Jerônimo Pereira de Oliveira, Eurípedes Cordeiro da Silva, Divino Alan de Queiroz Anselmo e Emy Alves Rodrigues (fls. 65/69, 70/77, 78/85 e 86/98, respectivamente).
Alega o denunciante que, segundo restou apurado, o Prefeito, auxiliado pela segunda denunciada, Secretária de Finanças, "seguindo o mesmo modus operandi, simularam o pagamento dos valores totais previstos nos referidos contratos, com lançamentos e recibos inidôneos, todavia fazendo pagamento a menor aos contratados, dando destino diverso e indevido à verba pública restante."
Descreve minuciosamente os serviços e valores objetos dos respectivos contratos, discriminando as quantias contratadas em cada qual, os valores realmente pagos aos particulares e os remanescentes das negociações, concluindo, pois, que os denunciados, mediante simulações das despesas previstas contratualmente, criaram obrigações para o Município, desviando a maior parte dos valores a eles destinados para indevido pagamento de pessoas que trabalharam para a Prefeitura, à época, conforme confessado pela segunda denunciada às fls. 99/100.
Após afirmar configurada a prática, pelo primeiro denunciado, do delito tratado no artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei 201/67, c/c artigo 299 do Código Penal, em concurso material, imputando à segunda a prática dos mesmos crimes, com incidência do regramento previsto no artigo 29, do Código Penal, requer a notificação dos denunciados para defesa preliminar, na forma prevista no artigo 4º, da Lei nº 8.038/90 e, empós, seja recebida a denúncia e processada a ação penal, com a final condenação dos denunciados nas penas cabíveis (fls. 02/05).
Apresentada a exordial acusatória, foram os autos distribuídos e conclusos ao eminente Relator, Des. Huygens Bandeira de Melo, que determinou a notificação dos denunciados, conforme despacho de fls. 112.
Seguiu-se o procedimento, com a manifestação do primeiro denunciado, em sede de defesa preliminar, oportunidade em que sustenta, após ressaltar ser vítima de 'perseguição' por parte do Promotor de Justiça de Aurilândia, juntamente com opositores políticos, que culminou no aforamento de diversas ações civis públicas em seu desfavor, que a denúncia não pode ser recebida porque embasada em informações oriundas de ação civil pública e não de inquérito policial, carecendo, o Ministério Público, de legitimidade para instaurar e presidir inquéritos para instruir ações penais, incidindo, na espécie, a norma do artigo 564, inciso IV, do Código de Processo Penal. Além disso, alega que as provas produzidas, unilateralmente, pelo Promotor de Justiça afrontam os princípios do contraditório, ampla defesa e da isonomia entre as partes; por outro lado, afirma que não se configurou o dolo específico, elemento subjetivo para que sua conduta seja enquadrada nos crimes tipificados no Decreto- Lei 201/67. Finaliza, requerendo o não recebimento da denúncia, caso recebida, que lhe seja facultada a utilização de todos os meios de provas, no curso da instrução processual (fls. 114/126), acoplando os documentos de fls. 127 a 372.
Comparece novamente aos autos o denunciado, requerendo juntada do instrumento procuratório e vista do processo (fls. 374/375, seguindo-se a juntada da Carta de Ordem Notificatória, informando-se a regular notificação do denunciado e a impossibilidade de notificar a segunda denunciada, por ter falecido (376/382).
É o relatório.
VOTO
Trata-se de Denúncia ofertada pelo Procurador-Geral de Justiça em face do Prefeito de Cachoeira de Goiás, Euler José de Oliveira, e da Secretária de Finanças da Prefeitura, Ileni Calixto da Silva, atribuindo-se-lhes responsabilidade penal por suposta prática de infrações contra a Fazenda Pública Municipal, consistentes no indevido desvio de verbas públicas e falsidade ideológica, condutas tipificadas nos artigos 1º, inciso III, do Decreto-Lei 201/67 e artigo 299, parágrafo único, do Código Penal, em concurso material, ainda c/c o artigo 29, do Código Penal, em relação à segunda denunciada.
De início, considerando o teor da Certidão de fls. 381 vº, na qual a srª. Oficial de Justiça noticia o falecimento da segunda denunciada, com fulcro nas disposições conjugadas do artigo 107, inciso I, do Código Penal, e artigo 43, inciso II, do Código de Processo Penal, declaro extinta a punibilidade em relação à acusada Ileni Calixto da Silva, de conseqüência, rejeito a denúncia em face de sua pessoa.
Pois bem. Pelo que os autos estão a noticiar, a peça acusatória, embasada no procedimento nº 72135/2005 (fls. 07 a 108), descreve, de forma clara e objetiva os fatos imputados ao agente, identificando claramente as condutas típicas a ele atribuídas, portanto, satisfaz o regramento previsto no artigo 41, do Código de Processo Penal, que assim prescreve:
"A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas."
Constato, pois, que a denúncia está formalmente apta, contendo todos os requisitos estabelecidos no precitado artigo 41, por outro lado, não restam configuradas nenhumas das hipóteses elencadas no artigo 43, ambos do Código de Processo Penal, viabilizando-se, assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa, orientadores do devido processo legal.
Com efeito, as condutas narradas na exordial acusatória tipificam, em tese, os crimes previstos no artigo artigos 1º, inciso III, do Decreto-Lei 201/67 e artigo 299, parágrafo único, do Código Penal, em concurso material.
Demais disso, o Procurador-Geral de Justiça constitui parte legítima para promover a ação penal em questão, porquanto titular da mesma.
De outra feita, entendo que não merecem acolhida as alegações sustentadas pelo denunciado na defesa preliminar, senão vejamos:
É sabido que o Ministério Público, na condição de titular da ação penal, não pode presidir e realizar inquérito policial, atribuição afeta à autoridade específica, todavia, de acordo com o entendimento sedimentado dos tribunais, é admissível e são considerados válidos, em princípio, os atos investigatórios realizados pelo Órgão Ministerial, que servem, inclusive, para embasar a propositura de ação penal.
In casu, no exercício de função institucional (CF/88, artigo 129, III), o representante do Ministério Público instaurou inquérito civil público em virtude de informações de possível conduta ímproba atribuída ao ora denunciado, emergindo do referido procedimento provável ocorrência de crime de responsabilidade e crime comum, ensejadores de aplicação de sanção penal, mediante processo criminal adequado. Daí, dispensando o órgão acusador inquérito policial, de conformidade com a previsão contida no parágrafo primeiro, do artigo 46, do Código de Processo Penal, ofereceu a presente denúncia, o que não enseja qualquer nulidade.
Pertinente a transcrição de elucidativo julgamento, recente, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça relativo ao tema, assim ementado:
"EMENTA: CRIMINAL. RESP. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA EMBASADA EM MATERIAL PRODUZIDO EM DILIGÊNCIAS CONDUZIDAS PELO PARQUET. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. I. Não obstante se verifique, atualmente, o debate em torno da questão pelo Supremo Tribunal Federal, o entendimento consolidado desta Corte é no sentido de que são válidos, em princípio, os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público. II. A interpretação sistêmica da Constituição e a aplicação dos poderes implícitos do Ministério Público conduzem à preservação dos poderes investigatórios deste Órgão, independentemente da investigação policial. III. Independentemente da investigação policial, o Ministério Público pode se valer de outros elementos de convencimento, como diligências complementares, a sindicâncias ou auditorias desenvolvidas por outros órgãos, peças de informação, bem como inquéritos civis que evidenciem, além dos fatos que lhe são próprios, a ocorrência, também, de crimes. IV. A vedação dirigida ao Ministério Público é quanto a presidir e realizar inquérito policial. Precedente do STF. V. Recurso provido.(REsp 901320/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, j. 10/05/2007).
De tal sorte, não procede a afirmativa de nulidade da ação penal que se pretende instaurar, em decorrência de a denúncia estar embasada em inquérito civil público, presidido pelo Órgão acusador, e não em inquérito policial, porque, ao revés disto, não é vedado ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, dirigir investigações, restrição aplicável, repito, tão somente ao inquérito policial, sendo- lhe permitido valer-se de quaisquer elementos de informação que ensejem a formação de sua opinio delicti, para o conseqüente oferecimento de denúncia, como ocorre no caso sub examine.
Demais disso, a ação penal contará com a fase instrutória, na qual se observará os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, onde será facultado ao acusado o amplo debate e produção de provas relativas às teses de sua defesa. Por tais razões, não há se falar em afronta aos referidos princípios constitucionais, quando das investigações realizadas no respectivo inquérito civil, que, na espécie, tem o condão de, tão só, instruir a denúncia em testilha.
No tocante à ausência de dolo na conduta do denunciado, o qual sustenta, por tal razão, não caracterizadas as infrações penais narradas na exordial acusatória, concluo que referida tese defensiva pressupõe incursão meritória, a ser dirimida em sede própria, qual seja, na instrução criminal que será procedida na espécie.
A propósito, registro elucidativos julgados deste egrégio Tribunal, o primeiro apropriado sobremaneira ao caso em foco pois relativo à pessoa do ora denunciado, em que apresentadas as mesmas teses defensivas. Confiram-se:
"EMENTA: AÇÃO PENAL CONTRA PREFEITO. ATOS INVESTIGATÓRIOS PRATICADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DENÚNCIA. LEI Nº 7.347/85. JUSTA CAUSA PARA O RECEBIMENTO. 1 - O Ministério Público pode valer-se de quaisquer elementos de convencimento que evidenciem a ocorrência de crimes, para a formação da opinio delicti, como, por exemplo, o inquérito civil público. 2 - A improcedência da denúncia somente pode ser reconhecida quando, evidenciada, estreme de dúvida, a inviabilidade da instauração da persecutio. 3 - Referindo-se as razões do acusado ao mérito da intenção punitiva, deve-se aguardar o desenrolar da instrução probatória. Denúncia recebida." (1ª CCr - Denúncia nº 157-0/269, j. 02/03/2006, Rel. Desa. Juraci Costa).
"EMENTA: DENÚNCIA CONTRA PREFEITO MUNICIPAL. PROVA MATERIAL DO DELITO E EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS VEEMENTES DA AUTORIA. RECEBIMENTO. O recebimento da denúncia não se baseia em juízo de certeza sobre os fatos narrados, bastante a prova material do delito e presença de indícios sérios e convergentes da autoria do denunciado. Recebida a denúncia e denegada a decretação da prisão, por unanimidade". (Ação Penal nº 503-0/212 , Des. Jamil Pereira de Macedo, DJ 13450 de 29/12/2000).
Sendo assim, demonstrada a materialidade dos delitos narrados e presentes indícios suficientes da autoria atribuída ao Prefeito Municipal, Euler José de Oliveira, ante a farta documentação apresentada pelo denunciante, com relevo para a confissão dos fatos externada pela Secretária de Finanças às fls. 88/89, portanto presentes os elementos e requisitos necessários à instauração da ação penal, afigura-se como medida impositiva o recebimento da denúncia, que se avulta ante o fato de ser a vítima a Administração Pública Municipal e o denunciado o seu representante legal.
Ao teor do exposto, recebo a denúncia ofertada em face de Euler José de Oliveira, Prefeito do Município de Cachoeira de Goiás, ao tempo em que determino as seguintes providências:
Proceda-se a adequação dos registros e autuação pertinentes ao presente procedimento, por se tratar, a partir de então, de Ação Penal; outrossim, que seja extraída cópia da Certidão de Óbito da segunda denunciada, constante às fls. 249 dos autos da Denúncia nº 1983/269 (200604195103), juntando-se nestes autos.
Defiro o requerimento de fls. 06, determinando a juntada aos autos de certidões narrativas criminais relativas à pessoa do denunciado, deste Tribunal e da Comarca de Aurilândia.
Para realização da citação e interrogatório do denunciado, nos termos do parágrafo primeiro, do artigo 9º, da Lei nº 8.038/90, delego poderes ao ilustrado Juiz de Direito da Comarca de Aurilândia, a quem também atribuo competência para inquirição das testemunhas arroladas pela acusação, residentes no Distrito Judiciário de Cachoeira de Goiás, pertencente àquela Comarca, a saber: Jerônimo Pereira de Oliveira (qualificado fls. 68); Eurípedes Cordeiro da Silva (qualificado fls. 77); Divino Alan de Queiroz Anselmo (qualificado fls. 85); Emy Alves Rodrigues (qualificado fls. 97); Jairo Rodrigues da Silva (qualificado fls. 05); e Lázaro Camilo de Souza (qualificado fls. 05). Para tal, deve ser expedida a respectiva carta de ordem, com prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para cumprimento.
Cientifique-se o Ministério Público.
É como voto.
Juiz G. Leandro S. Crispim
RELATOR SUBSTITUTO
DENÚNCIA Nº 196-7/269 (200603817348) - AURILÂNDIA
DENUNCIANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
DENUNCIADO: EULER JOSÉ DE OLIVEIRA E OUTRO
RELATOR: JUIZ G. LEANDRO S. CRISPIM
EMENTA - DENÚNCIA. PREFEITO MUNICIPAL. CRIME DE
RESPONSABILIDADE - DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS -
DECRETO-LEI 201/67. FALSIDADE IDEOLÓGICA.
MATERIALIDADES DOS DELITOS E INDÍCIOS DE
AUTORIA. ACUSAÇÃO EMBASADA EM INQUÉRITO
CIVIL PÚBLICO - POSSIBILIDADE. DOLO - MATÉRIA
PROBATÓRIA. ÓBITO DA SEGUNDA DENUNCIADA -
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - REJEIÇÃO DA
DENÚNCIA EM RELAÇÃO À SUA PESSOA.
I - Demonstradas as materialidades dos delitos narrados
na exordial acusatória e presentes indícios suficientes da
autoria atribuída ao Prefeito Municipal, ante a farta
documentação apresentada, impõe-se o recebimento da
denúncia, que se avulta ante o fato de figurar como vítima
a Administração Pública Municipal, e denunciado o seu
representante legal.
II - Não é vedado ao Ministério Público valer-se de
inquérito civil público, ou outros elementos de
convencimento que indiquem a ocorrência de delitos,
para embasar o oferecimento da denúncia,
prescindindo-se, pois, de inquérito policial.
III - Alegação pertinente à ausência de dolo para
configuração de infração penal pressupõe incursão
meritória, a ser dirimida em sede própria, qual seja,
na instrução criminal respectiva.
IV - Comprovado nos autos, mediante certidão de óbito,
o falecimento da segunda denunciada, impõe-se o
reconhecimento da extinção da punibilidade e
conseqüente rejeição da denúncia em relação à sua
pessoa, ex vi das disposições conjugadas dos artigos
107, inciso II, do Código Penal e 43, inciso II, do Código
de Processo Penal.
Denúncia recebida em relação ao primeiro denunciado
e rejeitada quanto à segunda acusada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDA o
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela 3ª Turma
Julgadora de sua Primeira Câmara Criminal, à unanimidade,
receber a denúncia em relação ao primeiro denunciado e
rejeitá-la quanto à segunda acusada, nos termos do voto
do Relator e da Ata de Julgamentos.
Goiânia, 02 de agosto de 2007.
Desa. Juraci Costa
PRESIDENTE
Juiz G. Leandro S. Crispim
RELATOR SUBSTITUTO
RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado de Goiás, por seu representante, o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Saulo de Castro Bezerra, com fulcro nos artigos 129, inciso I e 29, inciso X, da Constituição Federal, artigo 41, do Código de Processo Penal, artigos 46, inciso VIII, alínea 'c' e 117, inciso I, da Carta Estadual, artigo 29, inciso V, da Lei nº 8.625/93, artigo 46, inciso V, da Lei Complementar Estadual nº 25/98 e Lei nº 8.038/90 com o acréscimo introduzido pela Lei nº 8.658/93, oferta denúncia em face de supostas condutas delituosas praticadas contra o Município de Cachoeira de Goiás, atribuídas ao Prefeito Municipal, Euler José de Oliveira, e à Secretária de Finanças da Prefeitura, Ileni Calixto da Silva, ambos qualificados, consubstanciadas no desvio de verbas da Fazenda Municipal.
Consta da exordial acusatória, que no período de 03 de março a 20 de junho de 2005, foram celebrados pelo primeiro acusado, na condição de Prefeito, seis contratos de prestação de serviços entre a Prefeitura de Cachoeira de Goiás e os particulares: Jerônimo Pereira de Oliveira, Eurípedes Cordeiro da Silva, Divino Alan de Queiroz Anselmo e Emy Alves Rodrigues (fls. 65/69, 70/77, 78/85 e 86/98, respectivamente).
Alega o denunciante que, segundo restou apurado, o Prefeito, auxiliado pela segunda denunciada, Secretária de Finanças, "seguindo o mesmo modus operandi, simularam o pagamento dos valores totais previstos nos referidos contratos, com lançamentos e recibos inidôneos, todavia fazendo pagamento a menor aos contratados, dando destino diverso e indevido à verba pública restante."
Descreve minuciosamente os serviços e valores objetos dos respectivos contratos, discriminando as quantias contratadas em cada qual, os valores realmente pagos aos particulares e os remanescentes das negociações, concluindo, pois, que os denunciados, mediante simulações das despesas previstas contratualmente, criaram obrigações para o Município, desviando a maior parte dos valores a eles destinados para indevido pagamento de pessoas que trabalharam para a Prefeitura, à época, conforme confessado pela segunda denunciada às fls. 99/100.
Após afirmar configurada a prática, pelo primeiro denunciado, do delito tratado no artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei 201/67, c/c artigo 299 do Código Penal, em concurso material, imputando à segunda a prática dos mesmos crimes, com incidência do regramento previsto no artigo 29, do Código Penal, requer a notificação dos denunciados para defesa preliminar, na forma prevista no artigo 4º, da Lei nº 8.038/90 e, empós, seja recebida a denúncia e processada a ação penal, com a final condenação dos denunciados nas penas cabíveis (fls. 02/05).
Apresentada a exordial acusatória, foram os autos distribuídos e conclusos ao eminente Relator, Des. Huygens Bandeira de Melo, que determinou a notificação dos denunciados, conforme despacho de fls. 112.
Seguiu-se o procedimento, com a manifestação do primeiro denunciado, em sede de defesa preliminar, oportunidade em que sustenta, após ressaltar ser vítima de 'perseguição' por parte do Promotor de Justiça de Aurilândia, juntamente com opositores políticos, que culminou no aforamento de diversas ações civis públicas em seu desfavor, que a denúncia não pode ser recebida porque embasada em informações oriundas de ação civil pública e não de inquérito policial, carecendo, o Ministério Público, de legitimidade para instaurar e presidir inquéritos para instruir ações penais, incidindo, na espécie, a norma do artigo 564, inciso IV, do Código de Processo Penal. Além disso, alega que as provas produzidas, unilateralmente, pelo Promotor de Justiça afrontam os princípios do contraditório, ampla defesa e da isonomia entre as partes; por outro lado, afirma que não se configurou o dolo específico, elemento subjetivo para que sua conduta seja enquadrada nos crimes tipificados no Decreto- Lei 201/67. Finaliza, requerendo o não recebimento da denúncia, caso recebida, que lhe seja facultada a utilização de todos os meios de provas, no curso da instrução processual (fls. 114/126), acoplando os documentos de fls. 127 a 372.
Comparece novamente aos autos o denunciado, requerendo juntada do instrumento procuratório e vista do processo (fls. 374/375, seguindo-se a juntada da Carta de Ordem Notificatória, informando-se a regular notificação do denunciado e a impossibilidade de notificar a segunda denunciada, por ter falecido (376/382).
É o relatório.
VOTO
Trata-se de Denúncia ofertada pelo Procurador-Geral de Justiça em face do Prefeito de Cachoeira de Goiás, Euler José de Oliveira, e da Secretária de Finanças da Prefeitura, Ileni Calixto da Silva, atribuindo-se-lhes responsabilidade penal por suposta prática de infrações contra a Fazenda Pública Municipal, consistentes no indevido desvio de verbas públicas e falsidade ideológica, condutas tipificadas nos artigos 1º, inciso III, do Decreto-Lei 201/67 e artigo 299, parágrafo único, do Código Penal, em concurso material, ainda c/c o artigo 29, do Código Penal, em relação à segunda denunciada.
De início, considerando o teor da Certidão de fls. 381 vº, na qual a srª. Oficial de Justiça noticia o falecimento da segunda denunciada, com fulcro nas disposições conjugadas do artigo 107, inciso I, do Código Penal, e artigo 43, inciso II, do Código de Processo Penal, declaro extinta a punibilidade em relação à acusada Ileni Calixto da Silva, de conseqüência, rejeito a denúncia em face de sua pessoa.
Pois bem. Pelo que os autos estão a noticiar, a peça acusatória, embasada no procedimento nº 72135/2005 (fls. 07 a 108), descreve, de forma clara e objetiva os fatos imputados ao agente, identificando claramente as condutas típicas a ele atribuídas, portanto, satisfaz o regramento previsto no artigo 41, do Código de Processo Penal, que assim prescreve:
"A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas."
Constato, pois, que a denúncia está formalmente apta, contendo todos os requisitos estabelecidos no precitado artigo 41, por outro lado, não restam configuradas nenhumas das hipóteses elencadas no artigo 43, ambos do Código de Processo Penal, viabilizando-se, assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa, orientadores do devido processo legal.
Com efeito, as condutas narradas na exordial acusatória tipificam, em tese, os crimes previstos no artigo artigos 1º, inciso III, do Decreto-Lei 201/67 e artigo 299, parágrafo único, do Código Penal, em concurso material.
Demais disso, o Procurador-Geral de Justiça constitui parte legítima para promover a ação penal em questão, porquanto titular da mesma.
De outra feita, entendo que não merecem acolhida as alegações sustentadas pelo denunciado na defesa preliminar, senão vejamos:
É sabido que o Ministério Público, na condição de titular da ação penal, não pode presidir e realizar inquérito policial, atribuição afeta à autoridade específica, todavia, de acordo com o entendimento sedimentado dos tribunais, é admissível e são considerados válidos, em princípio, os atos investigatórios realizados pelo Órgão Ministerial, que servem, inclusive, para embasar a propositura de ação penal.
In casu, no exercício de função institucional (CF/88, artigo 129, III), o representante do Ministério Público instaurou inquérito civil público em virtude de informações de possível conduta ímproba atribuída ao ora denunciado, emergindo do referido procedimento provável ocorrência de crime de responsabilidade e crime comum, ensejadores de aplicação de sanção penal, mediante processo criminal adequado. Daí, dispensando o órgão acusador inquérito policial, de conformidade com a previsão contida no parágrafo primeiro, do artigo 46, do Código de Processo Penal, ofereceu a presente denúncia, o que não enseja qualquer nulidade.
Pertinente a transcrição de elucidativo julgamento, recente, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça relativo ao tema, assim ementado:
"EMENTA: CRIMINAL. RESP. CASA DE PROSTITUIÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA EMBASADA EM MATERIAL PRODUZIDO EM DILIGÊNCIAS CONDUZIDAS PELO PARQUET. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. I. Não obstante se verifique, atualmente, o debate em torno da questão pelo Supremo Tribunal Federal, o entendimento consolidado desta Corte é no sentido de que são válidos, em princípio, os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público. II. A interpretação sistêmica da Constituição e a aplicação dos poderes implícitos do Ministério Público conduzem à preservação dos poderes investigatórios deste Órgão, independentemente da investigação policial. III. Independentemente da investigação policial, o Ministério Público pode se valer de outros elementos de convencimento, como diligências complementares, a sindicâncias ou auditorias desenvolvidas por outros órgãos, peças de informação, bem como inquéritos civis que evidenciem, além dos fatos que lhe são próprios, a ocorrência, também, de crimes. IV. A vedação dirigida ao Ministério Público é quanto a presidir e realizar inquérito policial. Precedente do STF. V. Recurso provido.(REsp 901320/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, j. 10/05/2007).
De tal sorte, não procede a afirmativa de nulidade da ação penal que se pretende instaurar, em decorrência de a denúncia estar embasada em inquérito civil público, presidido pelo Órgão acusador, e não em inquérito policial, porque, ao revés disto, não é vedado ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, dirigir investigações, restrição aplicável, repito, tão somente ao inquérito policial, sendo- lhe permitido valer-se de quaisquer elementos de informação que ensejem a formação de sua opinio delicti, para o conseqüente oferecimento de denúncia, como ocorre no caso sub examine.
Demais disso, a ação penal contará com a fase instrutória, na qual se observará os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, onde será facultado ao acusado o amplo debate e produção de provas relativas às teses de sua defesa. Por tais razões, não há se falar em afronta aos referidos princípios constitucionais, quando das investigações realizadas no respectivo inquérito civil, que, na espécie, tem o condão de, tão só, instruir a denúncia em testilha.
No tocante à ausência de dolo na conduta do denunciado, o qual sustenta, por tal razão, não caracterizadas as infrações penais narradas na exordial acusatória, concluo que referida tese defensiva pressupõe incursão meritória, a ser dirimida em sede própria, qual seja, na instrução criminal que será procedida na espécie.
A propósito, registro elucidativos julgados deste egrégio Tribunal, o primeiro apropriado sobremaneira ao caso em foco pois relativo à pessoa do ora denunciado, em que apresentadas as mesmas teses defensivas. Confiram-se:
"EMENTA: AÇÃO PENAL CONTRA PREFEITO. ATOS INVESTIGATÓRIOS PRATICADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DENÚNCIA. LEI Nº 7.347/85. JUSTA CAUSA PARA O RECEBIMENTO. 1 - O Ministério Público pode valer-se de quaisquer elementos de convencimento que evidenciem a ocorrência de crimes, para a formação da opinio delicti, como, por exemplo, o inquérito civil público. 2 - A improcedência da denúncia somente pode ser reconhecida quando, evidenciada, estreme de dúvida, a inviabilidade da instauração da persecutio. 3 - Referindo-se as razões do acusado ao mérito da intenção punitiva, deve-se aguardar o desenrolar da instrução probatória. Denúncia recebida." (1ª CCr - Denúncia nº 157-0/269, j. 02/03/2006, Rel. Desa. Juraci Costa).
"EMENTA: DENÚNCIA CONTRA PREFEITO MUNICIPAL. PROVA MATERIAL DO DELITO E EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS VEEMENTES DA AUTORIA. RECEBIMENTO. O recebimento da denúncia não se baseia em juízo de certeza sobre os fatos narrados, bastante a prova material do delito e presença de indícios sérios e convergentes da autoria do denunciado. Recebida a denúncia e denegada a decretação da prisão, por unanimidade". (Ação Penal nº 503-0/212 , Des. Jamil Pereira de Macedo, DJ 13450 de 29/12/2000).
Sendo assim, demonstrada a materialidade dos delitos narrados e presentes indícios suficientes da autoria atribuída ao Prefeito Municipal, Euler José de Oliveira, ante a farta documentação apresentada pelo denunciante, com relevo para a confissão dos fatos externada pela Secretária de Finanças às fls. 88/89, portanto presentes os elementos e requisitos necessários à instauração da ação penal, afigura-se como medida impositiva o recebimento da denúncia, que se avulta ante o fato de ser a vítima a Administração Pública Municipal e o denunciado o seu representante legal.
Ao teor do exposto, recebo a denúncia ofertada em face de Euler José de Oliveira, Prefeito do Município de Cachoeira de Goiás, ao tempo em que determino as seguintes providências:
Proceda-se a adequação dos registros e autuação pertinentes ao presente procedimento, por se tratar, a partir de então, de Ação Penal; outrossim, que seja extraída cópia da Certidão de Óbito da segunda denunciada, constante às fls. 249 dos autos da Denúncia nº 1983/269 (200604195103), juntando-se nestes autos.
Defiro o requerimento de fls. 06, determinando a juntada aos autos de certidões narrativas criminais relativas à pessoa do denunciado, deste Tribunal e da Comarca de Aurilândia.
Para realização da citação e interrogatório do denunciado, nos termos do parágrafo primeiro, do artigo 9º, da Lei nº 8.038/90, delego poderes ao ilustrado Juiz de Direito da Comarca de Aurilândia, a quem também atribuo competência para inquirição das testemunhas arroladas pela acusação, residentes no Distrito Judiciário de Cachoeira de Goiás, pertencente àquela Comarca, a saber: Jerônimo Pereira de Oliveira (qualificado fls. 68); Eurípedes Cordeiro da Silva (qualificado fls. 77); Divino Alan de Queiroz Anselmo (qualificado fls. 85); Emy Alves Rodrigues (qualificado fls. 97); Jairo Rodrigues da Silva (qualificado fls. 05); e Lázaro Camilo de Souza (qualificado fls. 05). Para tal, deve ser expedida a respectiva carta de ordem, com prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para cumprimento.
Cientifique-se o Ministério Público.
É como voto.
Juiz G. Leandro S. Crispim
RELATOR SUBSTITUTO
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