Pelo direito de não ser
indiferente: uma breve
reflexão sobre o último golpe
Por: Ramsés Pinheiro
1822 – golpe;
1823 – golpe;
1840 – golpe;
1889 – golpe;
1891 – golpe;
1930 – golpe;
1937 – golpe;
1945 – golpe;
1954 – tentativa de golpe;
1955 – contragolpe;
1961 – tentativa de golpe;
1964 – golpe;
1968 – golpe dentro do golpe;
2016 – golpe;
Como afirmou recentemente o historiador Leandro
Karnal, somos a terra do golpe.
Com a participação dos militares, ou sem eles.
Por dentro dos mecanismos institucionais, ou por
fora deles. Palacianos, ou não. O golpe faz parte
da história do Brasil desde a própria constituição
como Estada. O resultado do processo de
impeachment, com a consequente perda definitiva
do mandato de Dilma Rousseff no último dia 31
de agosto, constitui mais um episódio nesta
lista de golpes de estado, embora as particularidades
o distingam de todos os demais.
Determinados setores da esquerda brasileira
afirmam que o fato do PT ter se coligado nestas
eleições municipais com os partidos que iniciaram
o impeachment, significa que não houve um golpe.
Em suma, a cumplicidade entre golpistas e golpeados
seria algo completamente atípico quando falamos
em golpe de estado. Esta pode não ser a melhor
interpretação. Neste sentido, a cumplicidade
entre republicanos franceses derrubados por Luis
Napoleão após 1851 não desautorizou Marx a
afirmar que houve um golpe de estado na França.
Ao contrário, Marx enfatizou justamente a
responsabilidade dos republicanos no golpe que
os retirou da direção política do Estado francês
naquele momento.
Por outro lado, também é comum a cumplicidade
entre golpistas e golpeados em momentos
imediatamente anteriores ao golpe de estado.
Getúlio Vargas fora Ministro da Fazenda de
Washington Luis, Castelo Branco ocupava a chefia
da Casa Militar do presidente Jango e Pinochet
era o chefe do gabinete militar de Allende.
Outro argumento, que contrário à ideia de golpe
de estado no Brasil, consiste em apontar a
ausência de participação das forças armadas e
o cumprimento do rito constitucional pelos golpistas.
O primeiro argumento reduz o golpe de estado
ao golpe militar. Já a segunda tese cai na armadilha
do formalismo institucional e ignora que golpes
de estado podem ser conduzidos pelo Legislativo
e, ou pelo Judiciário, como visto recentemente
através dos considerados golpes ocorridos em
Honduras e no Paraguai.
A ideia de golpe palaciano discutida por Henrique
Carneiro e as reflexões de Álvaro Bianchi e Demian
Melo sobre este fenômeno da luta de classes
são importantes para uma compreensão que não
limite o conceito de golpe aos clássicos
pronunciamentos militares. Afirmar que aqueles
que compreendem o impeachment como um golpe
promovem a defesa do governo petista e a volta
de Dilma é o mesmo que dizer que aqueles que
não interpretam o impeachment como golpe
fazem o jogo da direita. Nos dois casos
abandona-se a dialética como método de
interpretação da realidade.
É preciso sempre enfatizar que, ao reafirmar o
projeto de conciliação de classes construído
pelo PT ao longo dos últimos treze anos, Dilma
foi tão responsável por sua queda, quanto seus
algozes. Em outras palavras, Dilma e o PT estão
muito longe de serem vítimas de forças malignas,
que o digam os trabalhadores que hoje estão
sendo esmagados pelo ajuste fiscal e pelo
ataque aos direitos trabalhistas que não começaram
com Temer, mas sim com Lula e Dilma (PT).
Dizer não ao golpe travestido de impeachment,
em nenhum momento significou negar que o
governo do PT ao longo dos últimos treze anos
colocou em marcha um projeto de conciliação de
classes. Portanto, traiu os sonhos de milhões de
trabalhadores que compartilhavam a esperança de
transformação social. Ser indiferente diante do
resultado do impeachment, ou afirmar que foi uma
vitória dos trabalhadores é ignorar que a direta
tradicional sai mais fortalecida deste processo e
com maior unidade para aplicar os planos de
ajuste fiscal, desmantelamento da legislação
trabalhista e sucateamento dos serviços públicos.
A única vitória possível nesta tortuosa conjuntura
seria a queda de Dilma pelas mãos da classe
trabalhadora. Enfim, seguindo a esteira das
manifestações da noite do último dia 31 de
agosto, é hora de reforçar os atos pelo Fora Temer
e por eleições gerais.
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