E se Verônica Serra fosse filha
de Lula? Por Paulo Nogueira
Postado em 29 out 2015
Este texto está sendo republicado, dada sua atualidade.
Um título do site Viomundo, trazido ao Diário pelo atilado leitor e
comentarista Morus, merece reflexão.
E se o filho de Lula fosse sócio do homem mais rico do Brasil?
Antes do mais: certas perguntas têm mais força que mil repostas, e este é um caso.
Bem, o título se refere a Verônica Serra, filha de Serra. Ela foi notícia discreta
nas seções de negócios recentemente quando foi publicado que uma empresa
de investimentos da qual ela é sócia comprou por 100 milhões reais 20% de uma
sorveteria chamada Diletto.
Os sócios de Verônica são Jorge Paulo Lehman e Marcel Telles. Lehman é
o homem mais rico do Brasil. Daí a pergunta do Viomundo, e Marcel é um
velho amigo e parceiro dele.
Lehman e Marcel, essencialmente, fizeram fortuna com cerveja. Compraram
a envelhecida Brahma, no começo da década de 1980, e depois não pararam
mais de adquirir cervejarias no Brasil e no mundo.
Se um dia o consumo de cerveja for cerceado como o de cigarro, Lehman e
Marcel não terão muitas razões para erguer brindes.
Verônica se colocou no caminho de Lehman quando conseguiu dele uma
bolsa de estudos para Harvard.
Eu a conheci mais ou menos naquela época. Eu era redator chefe da Exame,
e Verônica durante algum tempo trabalhou na revista numa posição secundária.
Não tenho elementos para julgar se ela tinha talento para fazer uma carreira
tão milionária.
Ela não me chamou a atenção em nenhum momento, e portanto jamais
conversei mais detidamente com ela.
Mas ali, na Exame, ela já era um pequeno exemplo das relações perigosas
entre políticos e empresários de mídia. Foi a amizade de Serra com a Abril
que a colocou na Exame.
Depois, Verônica ganhou de Lehman uma bolsa para Harvard. Lehman, lembro
bem de conversas com ele, escolhia em geral gente humilde e brilhante para
, como um mecenas, patrocinar mestrados em negócios na Harvard, onde estudara.
Não sei se Verônica se encaixava na categoria dos humildes ou dos brilhantes,
ou de nenhuma das duas, ou em ambas. Conhecendo o mundo como ele é,
suponho que ela tenha entrado na cota de exceções por Serra ser quem é, ou
melhor, era.
Serra pareceu, no passado, ter grandes possibilidades de se tornar presidente.
Numa coluna antológica na Veja, Diogo Mainardi começou um texto em janeiro
de 2001 mais ou menos assim: “Exatamente daqui a um ano Serra estará
subindo a rampa do Planalto”. (Os jornalistas circularam durante muito tempo
esta coluna, como fonte de piada e escárnio.)
Cotas para excluídos são contestadas pela mídia, mas cotas para amigos são
consideradas absolutamente normais, e portanto não são notícia.
Bem, Verônica agradou Lehman, a ponto de se tornar, depois de Harvard, sócia dele.
O nome dela apareceu em denúncias – cabalmente rechaçadas por ela – ligadas
às privatizações da era tucana.
Tenho para mim que ela não precisaria fazer nada errado, uma vez que já caíra
nas graças de Lehman, mas ainda assim, a vontade da mídia de investigar as
denúncias, como tantas vezes se fez com o filho de Lula, foi nenhuma.
Verônica é da turma. Essa a explicação. Serra é amigo dos empresários de
mídia. E mesmo Lehman, evidentemente, não ficaria muito feliz em ver a
sócia exposta em denúncias.
Lehman é discreto, exemplarmente ausente dos holofotes. Mas sabe se
movimentar quando interessa.
Uma vez, pedi aos editores da Época Negócios um perfil dele depois da compra
de uma grande cervejaria estrangeira. Recomendei que os repórteres falassem
com amigos, uma vez que ele não dá entrevistas.
Rapidamente recebi um telefonema de João Roberto Marinho, o Marinho que
cuida de assuntos editoriais. João queria saber o que estávamos fazendo.
Lehman ligara a ele desgostoso. Também telefonara a seus amigos mais próximos
recomendando que não falassem com os repórteres da revista. Ninguém falou,
até mais tarde Lehman autorizá-los depois de ver os bons propósitos da reportagem.
A influência de Lehman sobre João Roberto se deve, é verdade, à admiração que
Lehman e seu lendário Grupo Garantia despertavam na família Marinho.
Mas é óbvio que a verba publicitária das cervejarias de Lehman falam alto
também. Um amigo me conta que em Avenida Brasil os personagens tomavam
cerveja sob qualquer pretexto.
Isto porque as cervejarias de Lehman pagaram um dinheiro especial pelo
chamado ‘product placement’, ou mercham, na linguagem mais vulgar.
O consumidor é submetido a uma propaganda sem saber, abertamente, que
é propaganda. Era como se realmente os personagens tivessem sempre motivos
para tomar uma gelada.
Verônica Serra, por tudo isso, esteve sempre sob uma proteção, na grande mídia,
que é para poucos. É para aqueles que ligam e são atendidos pelos donos das
empresas jornalísticas.
O filho de Lula não.
Daí a diferença de tratamento. E daí também a força incômoda, por mostrar
quanto somos uma terra de privilégios, da pergunta do site Viomundo.
FONTE http://www.diariodocentrodomundo
.com.br/e-se-veronica-serra-fosse-filha-de-lula/
FONTE http://www.diariodocentrodomundo
.com.br/e-se-veronica-serra-fosse-filha-de-lula/
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