Cuba antes de Fídel era
tratada como Bordel de
luxo pelos americanos e
lugar para tirar café
“Pierre, preciso de sua ajuda”, disse um solene John Fitzgerald
Kennedy para seu assessor Pierre Sallinger, ao chegar ao seu
gabinete, na Casa Branca, no dia 7 de fevereiro de 1962. Era
véspera do embargo que seria assinado pelo então presidente do
Estados Unidos a Cuba de Fidel Castro.
“Ficaria encantado em ajudá-lo”, respondeu o assessor, pouco
antes de ouvir um dos mais estranhos pedidos feitos por um
inquilino da Casa Branca. “Necessito de muitos puros”, continuou
o presidente.
Salinger teve um calafrio. Perguntou exatamente de quantos
JFK precisaria. “Uns mil Petit Uppman”. Um calafrio ainda
maior quando ouviu que a entrega deveria ser efetuada “ainda
amanhã de manhã”.
O assessor se virou como pode e conseguiu notáveis 1.200 charutos
cubanos da marca preferida de JFK. Ao tomar conhecimento
da chegada da encomenda, Kennedy pegou um grande papel
em sua gaveta e o assinou imediatamente.
A partir daquele momento, os charutos cubanos, como de resto
todos os demais produtos cubanos, estavam proibidos nos
Estados Unidos.
Esse era o tipo de hipocrisia, malandragem e pequenice a que os
presidentes nos EUA estavam acostumados a tratar Cuba até
então. A ilha, distante apenas 144 quilômetros da Flórida, era
tratada como quintal, parque de diversões, bordéu a céu aberto.
E quem conhece de perto as entranhas do poder do regime
cubano sabe que este é um dos grandes temores de uma eventual
abertura ao capitalismo e, mais do que isso, às negociações com
os EUA: evitar uma volta aos tempos pré-revolução. Um tempo
de esbórnia para os endinheirados estadunidenses, amalgamados
com corruptelas cubanas. Uma enxurrada de dólares,
prostituição, jogatina e crime organizado.
Leia mais: Cubanos e castristas temem abertura
Bananas ou tirânicos
Desde 1898, quando livrou Cuba do domínio espanhol, até 1959,
a América do Norte reinou absoluta naquela região do Caribe.
Os presidentes eleitos depois da desocupação militar da ilha, em
1902, resumiam-se a dois tipos bem característicos: ou eram
frouxos e incompetentes ou tirânicos e corruptos
Mas nem quando extrapolaram, desrespeitando direitos humanos
e apelando para golpes (Fulgêncio Batista derrubou o ditador
Gerardo Machado em 1933 e o banana Prío Socarrás em 1952),
receberam críticas ou ameaças de Washington. Afinal, eram
amigos, comparsas ou simplesmente úteis aos negócios
norte-americanos, à consolidação do que apregoava uma
estrofe de um sucesso musical da década de 1940: o rum e a
Coca-Cola workin’ for the yankee dollar (trabalhando
juntos para o dólar).
O sonho de uma “Cuba libre” resumiu-se ao drinque inventado
pelos soldados enviados pelo presidente William McKinley para
expulsar os espanhóis da ilha. José Martí, morto numa emboscada
em 1895, não chegou a ver Cuba livre do secular ocupante europeu,
mas alertou para a possível substituição dos espanhóis pelos
norte-americanos.
Muitos anos mais tarde, os cubanos entravam com o rum, a
cana-de-açúcar, os charutos, a música, as mulheres e a jogatina.
Os norte-americanos com os investimentos, a Coca-Cola, os carros
de última geração e todo o excedente da produção industrial made
in USA.
Cuba era um quintal. Um paraíso fiscal e um bordel de luxo.
Consta que o próprio JFK, então senador, andou por lá participando
de uma orgia com três call-girls no Hotel Comodoro. Foi a convite
do mafioso Santo Trafficante.
Com Batista no poder – que Fidel e Che Guevara derrubaram
– o quintal conquistou fama internacional. Seus hotéis, cassinos e
clubes noturnos atraíam astros de cinema, empresários, políticos,
playboys e, digamos, damas. Sinatra e Ava Gardner eram habitués.
A mordomia da elite-cubana-acasalada-com-
endinheirados-estadunidenses, com Sinatra cantando ao fundo,
era bancada pela Máfia.
“Pierre, preciso de sua ajuda”, disse um solene John Fitzgerald
Kennedy para seu assessor Pierre Sallinger, ao chegar ao seu gabinete
na Casa Branca, no dia 7 de fevereiro de 1962. Era véspera do
embargo que seria assinado pelo então presidente do Estados
Unidos a Cuba de Fidel Castro.
“Ficaria encantado em ajudá-lo”, respondeu o assessor, pouco antes
de ouvir um dos mais estranhos pedidos feitos por um inquilino
da Casa Branca. “Necessito de muitos puros”, continuou o presidente.
Salinger teve um calafrio. Perguntou exatamente de quantos JFK
precisaria. “Uns mil Petit Uppman”. Um calafrio ainda maior quando
ouviu que a entrega deveria ser efetuada “ainda amanhã de manhã”.
O assessor se virou como pode e conseguiu notáveis 1.200 charutos
cubanos da marca preferida de JFK. Ao tomar conhecimento da
chegada da encomenda, Kennedy pegou um grande papel em sua
gaveta e o assinou imediatamente.
A partir daquele momento, os charutos cubanos, como de resto
todos os demais produtos cubanos, estavam proibidos nos Estados
Unidos.
Esse era o tipo de hipocrisia, malandragem e pequenice a que os
presidentes nos EUA estavam acostumados a tratar Cuba até então
A ilha, distante apenas 144 quilômetros da Flórida, era tratada
como quintal, parque de diversões, bordéu a céu aberto.Seu
réquiem deu-se no réveillon de 1958. Foi inesquecível para os gringos,
para os cubanos e para o Batista. Convencido de que não tinha
mais como resistir ao avanço dos rebeldes barbudos comandados
por Fidel, o ditador cubano interrompeu a festa, ergueu um brinde,
anunciou sua renúncia e embarcou às pressas para a República
Dominicana. Levou com ele 180 cupinchas e 300 milhões de dólares.
Fidel já era mito, herói e símbolo da oposição a Batista desde 1952.
Em fevereiro de 1957 já aparecera na primeira página do The New
York Times, na célebre série de reportagens feita pelo jornalista
Herbert Matthews na Sierre Maestra.Foi o melancólico desfecho de
uma tirania que durou 25 anos – duas décadas e meia de poder do
crime organizado sobre a economia, a política e a sociedade de
Cuba. Batista era sócio de todas as negociatas, com a conivência
da Casa Branca e seus sólidos motivos para considerar Cuba um
protetorado.
Com cinco décadas de domínio de Fidel e Cuba amarrada dos pés
à cabeça por um embargo, de um lado, e o fim da União Soviética que
lhe dava dinheiro e apoio, de outro, ficou fácil para as gerações
seguintes apontar o dedo em riste contra os castristas
– ou simplesmente mitificar a revolução cubana.
Mas as lembranças da esbórnia pré-revolução se tornam tão fortes
para alguns quanto os ideais revolucionários de uma ilha de
liberdade, respeito integral aos direitos civis, justiça, igualdade, etc..
Os ideais podem ter ficado no plano dos ideais – tolhidos pelo
embargo e pelos equívocos de percurso – mas os ecos do tempo em
que a ilha era o quintal, o bordel de luxo e o paraíso fiscal dos
EUA são bem reais. E um reforço a quem vê os dólares dos EUA
como algo muito bem-vindo, mas um presente a ser recebido com cautela.
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