Brasil quer dar comissão
à ONU para repatriar
US$ 3 bi bloqueados lá fora
Pedro Vieira Abramovay. Secretário Nacional de Justiça
Com 30 anos recém-completados, o paulistano Pedro Vieira
Abramovay tornou-se na semana passada o mais novo gestor
público a assumir o comando da Secretaria Nacional de Justiça
(SNJ). Ele ocupa o cargo em substituição ao delegado Romeu
Tuma Júnior, exonerado na sequência de uma série de
reportagens do Estado, em maio e junho, que revelou
seu envolvimento com Li Kwok Kwen, conhecido como
Paulo Li - suspeito de integrar a máfia chinesa que foi preso
pela Polícia Federal em São Paulo.
Veja também:
Abramovay, "são-paulino roxo" que dispensou a solenidade da
posse, é formado na Universidade de São Paulo (USP) e tem
mestrado em direito constitucional pela Universidade de Brasília
(UnB). No novo cargo, ele precisa sepultar a desorganizada gestão
anterior para poder coordenar plenamente o combate a duas
pragas: o crime organizado e a lavagem de dinheiro.
Nesta entrevista ao Estado, ele diz que entre suas metas está a de
acelerar a repatriação de U$ 3 bilhões bloqueados em paraísos
fiscais. Para recuperar essa fortuna - amealhada com práticas
como corrupção, sonegação e narcotráfico -, o secretário anuncia
que vai alterar o modelo vigente de recuperação de ativos,
negociando o envio de parte do dinheiro para o UNODC, órgão
das Nações Unidas que articula o combate ao crime organizado.
"A gente quer ser o primeiro país a fazer isso para que a ONU
se torne um agente de convencimento e o dinheiro volte mais
rápido ao Brasil", afirma. A primeira tarefa de Abramovay,
porém, é nomear um chefe para o Departamento de Recuperação
de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão
que permaneceu acéfalo por dois anos na gestão de Tuma Jr.
Como o senhor pretende reerguer o DRCI?
O órgão tem uma equipe muito competente, que está lá há
algum tempo. Tem ferramentas funcionando bem. Agora é
nomear um diretor permanente, acabando com o diretor interino.
O propósito é restabelecer a plena capacidade de combate à
lavagem de dinheiro. O País não pode abrir mão do DRCI, que
tem de funcionar com todo seu potencial.
Há metas definidas para a recuperação de ativos?
Se a nossa prioridade é o combate ao crime organizado e à lavagem
Se a nossa prioridade é o combate ao crime organizado e à lavagem
de dinheiro, o passo mais importante é o bloqueio de recursos no
exterior. A recuperação tem um efeito moral muito importante
porque o cidadão brasileiro fala: "Bom, esse dinheiro era meu,
foi desviado e está voltando". Do ponto de vista do sentimento
de justiça, isso é muito importante.
Estamos falando de quanto?
Hoje nós temos bloqueados US$ 3 bilhões no exterior. O bloqueio
é importante porque quem faz lavagem sabe que há uma grande
chance de efetivamente perder esse dinheiro, que está totalmente
mapeado. Em alguns casos, o bloqueio está sob sigilo. Cada bloqueio
é um processo específico.
Em nome de quem está esse dinheiro e qual é a origem?
Majoritariamente, o dinheiro provém da evasão de divisas,
corrupção, tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro
nacional. Centenas de brasileiros estão envolvidos tanto nesses
crimes quanto nas remessas ilegais ao exterior. Parte considerável
dos processos atinge pessoas jurídicas e fundos de investimentos
aos quais se vinculam dezenas de pessoas físicas.
Em que países todo esse dinheiro roubado está abrigado?
São dezenas, dentre os quais se destacam Estados Unidos, Suíça, Reino
Unido, Ilhas Cayman, França, Luxemburgo, Uruguai, Bahamas e China.
Quanto foi repatriado nos sete anos de existência do DRCI?
Efetivamente apenas US$ 2,6 milhões, relativos ao caso Banestado.
Infelizmente, o Poder Judiciário brasileiro não conseguiu alcançar
sentenças criminais definitivas, que pudessem permitir a recuperação
de mais ativos.
Quais são as dificuldades para repatriar o dinheiro já
bloqueado no exterior?
Nenhum país gosta de mandar de volta o dinheiro que está lá. A
gente precisa convencer os demais países de que cooperar com o
Brasil é bom negócio. Nenhum país, sobretudo os que são paraísos
fiscais, quer mandar dinheiro de volta, mesmo que seja de origem
ilícita. O dinheiro está bloqueado, mas está rendendo, está num
banco, pode ser emprestado para fomentar o crédito. Ninguém
quer perdê-lo.
O que fazer para vencer essas resistências e, depois do
bloqueio, apressar a repatriação?
A gente está trabalhando num sistema de negociação novo. Parte
do dinheiro que volte para o Brasil vai ser doado para a cooperação
técnica internacional, para o órgão das Nações Unidas que cuida do
combate ao crime organizado. Em muitos casos já está prevista a
partilha: parte fica com o país onde o dinheiro está apreendido e o
restante volta para o país de origem. Depende do que prevê cada
tratado. Queremos institucionalizar a entrega de parte à ONU. Não
estamos inventando uma regra. As convenções sobre combate ao
crime organizado já preveem que o país deposite uma parte do
dinheiro recuperado para essa cooperação técnica, só que ninguém
faz isso. A gente quer ser o primeiro a fazer para que a ONU funcione
como um agente de convencimento e o dinheiro volte mais rápido ao Brasil.
O que o senhor pensa sobre as propostas de legalização da maconha?
Hoje, não há nenhum país do mundo onde a maconha tenha sido legalizada. Você tem vários níveis de criminalização, de punição pelo uso. Mas legalização, em que maconha seja tratada como alface, você possa plantar, cobrar imposto, tudo legal, isso não existe. Existem soluções intermediárias.
Por exemplo?
Portugal. O que é que Portugal fez? Descriminalizou. Disse: o porte de pequenas quantidades não é mais crime. Mas é permitido? Não! Você toma uma multa, como passar no sinal vermelho. Você vai para uma junta, tem de se explicar. Deixou de ser crime e passou a ser uma infração. O tráfico continua sendo crime. Esse tema não é de competência da minha secretaria, mas dou a minha opinião porque acho que o assunto precisa ser debatido, analisar as experiências de outros países, ver os resultados. As pessoas discutem isso só com emoção. Conversei com o chefe da polícia de Portugal, ele está muito satisfeito com o que fizeram lá. Isso é factível no Brasil? Não sei.
Então que caminho o Brasil deve seguir?
A gente tem de debater sem preconceitos, sem amarras. Os dois lados são preconceituosos. Um lado acha que qualquer pessoa que é contra a legalização é conservador, careta. Por outro lado, qualquer pessoa que questiona se é razoável por na cadeia um usuário de drogas é mal vista. É preciso debater e estar aberto para essa discussão porque tem pouco debate sincero sobre o assunto.
Voltemos à Secretaria Nacional de Justiça: alguma providência prevista para esse início de gestão?
É muito importante que a SNJ esteja, num período eleitoral, impermeabilizada do ponto de vista político-partidário. Para isso, a gente tem algumas estratégias para as áreas de serviços de utilidade pública e o Departamento de Estrangeiros. Vamos apostar na gestão transparente, na qual o cidadão consiga operar seu processo pela internet, de forma ágil e segura. É a melhor arma contra a pressão política. Se o processo andar rápido e todo mundo tiver acesso, a pressão política perde o sentido. Até o final do ano os processos da área estarão todos na internet.
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