terça-feira, 18 de dezembro de 2012

DEMOCRACIA

Em sua viagem pelos Estados Unidos no século 19, o intelectual francês 
Alexis de Tocqueville ficou fascinado com um aspecto particular da sociedade
 norte-americana: o princípio da igualdade. Evidentemente, Tocqueville
 referia-se somente à parcela da sociedade formada por pessoas do sexo 
masculino e da cor branca. Mas, mesmo assim, num mundo em que naqueles
 tempos os preconceitos raciais e sexuais estavam institucionalizados, o que 
Tocqueville viu nos Estados Unidos era surpreendente

Acrópolis
Atenas, na Grécia antiga, foi o berço da democracia


O princípio da igualdade observado por Tocqueville é o sustentáculo da
 democracia, regime que surgiu há mais de dois milênios na Grécia antiga.
 Nos tempos de SócratesPlatão e Aristóteles, os cidadãos de Atenas, uma 
das mais importantes cidades-estado gregas, podiam escolher diretamente
 seus governantes, através do voto.

Essa invenção grega foi uma revolução nos valores, já que até então os
 governos eram monárquicos ou aristocráticos, isto é, ou o poder transmitia-se 
dentro de uma mesma família “por vontade dos deuses” ou ficava sempre nas
 mãos de uma elite. Não que a democracia grega tenha alterado radicalmente 
esse quadro, já que eram considerados “cidadãos” naquela época apenas dez 
por cento da população ateniense, uma vez que mulheres, estrangeiros e escravos 
estavam excluídos, mas ela plantou as sementes da igualdade de todos perante
 a lei e do direito à escolha dos governantes e do livre pensamento.

A democracia grega não resistiu ao avanço do Império Romano, e com a 
sua queda o sistema democrático entrou numa longa hibernação que se estendeu
 por quase dois milênios, atravessando toda a Idade Média. Foi somente com o 
Renascimento e o advento da Idade Moderna que o poder absolutista das
 monarquias começou a ser questionado e os princípios da democracia foram
 resgatados. Desde então o regime democrático de governo se expandiu para
 todos os continentes e o conceito de democracia tem se espalhado para várias
 instituições sociais.
democracia
© istockphoto.com / Maria Toutoudaki

Considerada um dos grandes avanços da história, a democracia passou por
 inúmeras transformações ao longo do tempo e também ganhou diferentes
 formas. Apesar de ainda ter várias imperfeições, ela é a doutrina política que
 tem propiciado mais poder e liberdade aos povos. Sobre os defeitos que a 
democracia ainda apresenta, o primeiro ministro britânico Wiston Churchill 
comentou que “a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais 
formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.

Nas próximas páginas conheça como essa doutrina política evoluiu desde sua 
origem na Grécia antiga até os dias atuais.

Democracia em uma frase

O termo democracia vem do grego “demokratia”. Seu significado original é “poder do povo”. Afinado com a raiz da palavra, o presidente norte-americano Abraham Lincoln assim a definiu: “A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”.

A invenção da democracia

A democracia nasceu quando um nobre grego chamado Sólon decidiu propor
 em 594 antes de Cristo um novo sistema de governo para Atenas, uma das mais
 poderosas cidades-estado da Grécia antiga. A população ateniense estava 
cansada dos regimes autoritários e das leis opressoras que vinham sendo 
impostas à cidade desde que o legislador Drácon, patrocinado pela aristocracia 
que comandava Atenas, promulgou um sistema de leis extremamente rígidas.
 Em oposição ao pensamento de Drácon, Sólon elaborou uma constituição que 
estipulava que todas as decisões referentes à vida dos atenienses deveriam ser
 tomadas com a participação do povo, só que naquele momento o “povo” era
 constituído apenas pelos “cidadãos” de Atenas, o que excluía as mulheres,
 os escravos e os estrangeiros.  
Platão
O filósofo Platão foi um dos críticos da democracia grega

Quando entrou em vigor, a constituição feita por Sólon possibilitou que os cidadãos atenienses elegessem seus governantes e também que deliberassem em praça pública, chamada de Ágora, sobre os principais assuntos que diziam respeito à vida da cidade. Nessas assembléias eram tomadas as decisões e eram eleitos aqueles que conseguissem o maior número de votos, já que todos os cidadãos eram considerados iguais pela constituição ateniense.

No começo, o povo de Atenas acabou elegendo alguns nobres que monopolizaram o poder e foram chamados de tiranos. Mas eles não duraram muito, já que os atenienses baniram os tiranos assim como qualquer político que tivesse um grande número de eleitores “cativos”. Um dos expoentes da democracia grega foi Péricles, um hábil orador que nas assembléias fazia parecer aos cidadãos que eles estavam tomando decisões, quando na verdade estavam apoiando as propostas defendidas por ele. Várias vezes reeleito pelo povo, Péricles tornou-se um dos mais importantes governantes atenienses e a partir de sua liderança a cidade floresceu econômica, militar e culturalmente.
democracia
© istockphoto.com / Marek Uliasz
Moeda com a face de Péricles, expoente da democracia ateniense
Enquanto isso, os romanos, que eram bravos combatentes, ficaram durante quase um século lutando entre eles próprios. Os patrícios, como eram chamados os homens pertencentes à casta dos nobres, duelaram intensamente pelo poder com os plebeus, a classe popular. Ao final, o governo romano tinha à frente dois cônsules, um eleito pelos patrícios e outro pelos plebeus. Se os atenienses tinham inventado a democracia, os romanos criaram a república, isto é, seu estado era organizado de forma a servir a coisa pública. Em sua estrutura política, os romanos mantinham assim como os atenienses uma assembléia na qual todos os cidadãos pudessem participar, só que os votos não eram contados individualmente e sim por tribos ou centúrias (divisão política formada por cem cidadãos). Mas essas assembléias não eram soberanas, como eram as de Atenas.

Foi com esse modelo político que Roma fez sua incrível expansão militar e econômica, conquistando inclusive a Grécia, para se tornar no século 2 antes de Cristo o mais poderoso império do mundo antigo. A democracia inventada pelos gregos sucumbiu frente ao Império Romano e quase não seria mais posta em prática por um longo tempo que durou até o final da Idade Média, quando os homens redescobriram a cultura grega. No Renascimento, como foi chamado esse momento, a democracia ressurgiu como uma das principais inspirações para os movimentos que passaram a contestar o autoritarismo e a tirania política.

Democracia direta ou representativa

Em Atenas, todos os cidadãos votavam para decidir as questões políticas mais importantes. Essa participação sem intermediários é chamada de democracia direta. Ela foi viável na Grécia antiga por conta do tamanho das cidades-estado e de suas populações (Atenas tinha na época 500 mil habitantes e nem todos eram considerados “cidadãos”, na verdade, apenas dez por cento dessa população tinha direito a votar). Na era moderna, as democracias são representativas, afinal as nações e as populações tornaram-se bem maiores, o que, entre outras razões, inviabilizou a prática da democracia direta. Assim, na democracia representativa, o povo elege seus representantes e são esses que legislam e governam. Os partidos políticos são uma das principais instituições da democracia representativa. Com os avanços tecnológicos em comunicação, o exercício da democracia direta pode voltar a ser viável, embora sua prática nos dias atuais seja motivo de polêmica entre os estudiosos.

A democracia moderna

Apesar de inventada pelos gregos, a democracia não era uma unanimidade entre eles, principalmente entre os mais “sábios”. Importantes filósofos gregos, por exemplo, não gostavam muito dela. Na “República”, Platão escreveu que "a democracia se estabelece quando os pobres, tendo vencido seus inimigos, massacram alguns, banem os outros e partilham igualmente com os restantes o governo e as magistraturas". 
democracia
© istockphoto.com / DSGpro
No final da Idade Média, no entanto, o modelo da democracia ateniense, por mais imperfeito que fosse, era uma luz no fim do túnel em tempos de trevas. Quando as cidades italianas floresceram com o comércio no início do século 15, seus habitantes foram buscar nas culturas romana e grega várias referências. Era como se todo o pensamento, ensinamento e arte da Antiguidade tivessem entrado em um sono profundo por mais de um milênio e de repente despertassem. Essa redescoberta do período clássico espalhou-se pela Europa e inspirou novas ideias, principalmente na política.

Mas foi somente em meados do século 17, que a inspiração democrática ateniense teve resultados práticos. Após a guerra civil na Inglaterra (1642-1651), a inovação de um governo constituído por representantes eleitos pelo povo começou a se tornar real no Parlamento britânico, que passou a ter o poder de aprovar ou não as leis. Apesar dos avanços no parlamentarismo britânico, ele somente se tornaria um sistema democrático de verdade a partir do século 19 quando a extensão do direito ao voto alastrou-se progressivamente para boa parte da população.   

Enquanto a Inglaterra engatinhava em direção à democracia é na sua maior colônia que a doutrina iria ganhar força e tornar-se um exemplo para o mundo. Desde os tempos coloniais, os territórios ingleses na América do Norte gozavam de relativa autonomia, inclusive com eleições de representantes dos colonos para as casas legislativas e a forte convicção entre eles de que não pagariam impostos caso não pudessem eleger seus representantes. A crescente oposição entre os colonos e o governo inglês, principalmente após a imposição de novas taxações, resultou na guerra e na Declaração de Independência dos Estados Unidos em 1776. Imediatamente, os norte-americanos começaram a redigir sua nova constituição e logo na abertura estabeleceram que o povo dos Estados Unidos poderá governar-se somente a partir de representantes por ele eleitos.

Ao nascer fundada nos pilares da doutrina democrática, a experiência norte-americana tornou-se a primeira e a mais ampla da era moderna, embora durante a maior parte do tempo ela tenha sustentado atitudes antidemocráticas, como a exclusão do direito a voto para mulheres, negros e indígenas. Mas no fim do século 18, a recém-nascida democracia americana era fonte de inspiração para vários povos no mundo, da América do Sul à Europa. Os princípios revolucionários e democráticos norte-americanos encorajaram, entre outras, a luta pela liberdade que desaguou na Revolução Francesa em 1789.

O sistema democrático desde então passou por inúmeros aperfeiçoamentos. Um dos mais importantes foi o sufrágio universal, que significou a extensão do direito a mulheres, negros e indígenas em votar e serem votados. Outros avanços que fortaleceram a democracia foram o voto secreto, a liberdade de expressão e a igualdade de todos perante a lei. No começo do século 21, cerca de metade da população mundial vivia em países com regimes considerados democráticos, baseados em instituições políticas cujos representantes são eleitos livremente pelo povo.

Vantagens da democracia

Embora regimes democráticos tenham imperfeições, como ter possibilitado a ascensão de Adolf Hittler e o Partido Nazista – eleitos dentro das regras em vigor na República de Weimar (como era chamado o governo da Alemanha entre 1919 e 1933) – a democracia historicamente tem sido o menos pior dos sistemas políticos. Isso por que os sistemas democráticos têm as mais eficazes formas de proteger as pessoas de líderes autoritários e tirânicos. Além disso, apesar de governar para a maioria, as democracias tendem a garantir os direitos das minorias. Outra vantagem historicamente comprovada é que países com governos democráticos não entram em guerra entre si e têm sido mais prósperos economicamente do que os não democráticos.
FONTE por Sílvio Anaz   



Nenhum comentário:

Postar um comentário