21 de agosto de 2012 - Médicos Sem Fronteiras tem atuado na Síria há
dois meses, tentando levar
assistência humanitária às pessoas afetadas pelo conflito. Com a ajuda de um
grupo de médicos sírios, uma equipe conseguiu transformar, em apenas seis dias,
uma casa abandonada em um hospital de emergência, onde pessoas feridas
puderam ser operadas e hospitalizadas.
Até meados de agosto, MSF admitiu mais de 300 pacientes e conduziu mais de 150
cirurgias. Os ferimentos apresentados têm sido em grande parte relacionados a
conflitos e causados, em sua maioria, por bombardeios. Muitos pacientes têm
ferimentos a bala. Os feridos são, em sua maioria, homens, mas, as mulheres
representam um em cada dez casos e cerca de um em cada cinco tem menos de
20 anos. De acordo com a equipe médica, dois terços dos procedimentos
realizados foram cirurgias de emergência.
No entanto, o futuro do projeto é incerto. Além do fato de MSF estar atuando no
país sem autorização das autoridades sírias, nossas atividades estão ameaçadas
pelas constantes mudanças de natureza do conflito, pela dificuldade de acesso a
suprimentos e pelos desafios que os feridos têm de enfrentar para chegar ao hospital.
Considerando a intensidade da violência atual na Síria, a equipe de MSF, com
seus profissionais locais e estrangeiros, pode apenas garantir suporte médico
limitado. A assistência, no entanto, não deixa de ser essencial para a sobrevivência
das pessoas tratadas no hospital.
Para os profissionais de MSF que estiveram trabalhando na Síria, os pacientes e os
tipos de ferimentos tratados pelas equipes cirúrgicas são testemunhos do uso de
artilharia pesada e da violência de uma guerra que não poupa civis.
“Feridos começaram a chegar de todos os cantos”
A cirurgiã Anna Nowak participou de mais de 20 projetos de MSF. Ela
acaba de volta
r da Síria, onde ajudou a instalar o projeto.
Como foi possível estruturar um projeto de emergência sem
autorização
oficial das autoridades sírias?
Com o apoio de um grupo de médicos sírios, pudemos identificar um
local para conduzir
cirurgias. Após uma breve visita, optamos por atuar em um casarão
vazio. A casa de dois
andares e oito cômodos estava ainda em construção, mas não
tínhamos outra escolha.
Por seis dias, trabalhamos arduamente para transformar aquele lugar
em um hospital
cirúrgico com doze leitos, uma ala de esterilização, uma sala de
cirurgias, uma sala de
reanimação para emergências e um quarto para recuperação.
Além das dificuldades
acerca do recrutamento de profissionais médicos locais, tivemos
de solucionar
problemas de suprimento, sabendo dos riscos de importar ou comprar
suprimentos médicos na Síria.
Em que condições você começou a realizar cirurgias?
Os primeiros pacientes chegaram em 22 de junho, um dia depois de
inaugurarmos
o hospital. Primeiramente, internávamos pessoas feridas que já haviam
sido operadas.
Infelizmente, tivemos de fazer isso em condições de higiene ruins, o que
geralmente significa um maior risco de infecção. Com o irrompimento de
novos conflitos,
o hospital rapidamente chegou ao seu limite. Depois de alguns dias,
chegamos a receber
até seis pacientes de uma vez, um número relativamente modesto, mas
consideravelmente
elevado, levando-se em conta nossos recursos e a capacidade para
tratamento. Então,
pessoas feridas começaram a chegar de todo canto. Tivemos de
improvisar outras formas
de acomodar as pessoas, mesmo que isso significasse colocar camas
no terraço. Algumas
vezes, os feridos não chegavam até nós durante o dia por conta dos
conflitos, por causa
das ruas bloqueadas ou porque o trajeto até o hospital era arriscado.
Por vezes, eles
chegavam à noite ou ao amanhecer. Era cansativo, embora
pudéssemos contar com
a ajuda dos acompanhantes dos pacientes. A abertura dessas
pessoas e sua vontade
de ajudar é realmente tocante.
Que tipos de cirurgia você tem visto?
Temos visto muitas pessoas com ferimentos a bala, atingidas por
fogo de morteiros
ou artilharia. Os ferimentos mais comuns têm atingido os membros
das pessoas, a
região do estômago ou entre o pescoço e o abdômen. Apesar de a
maioria dos
pacientes serem homens, mulheres e crianças também têm surgido,
e, muitas vezes,
tarde demais. No momento, há um conflito com bombardeios a
cerca de dez
quilômetros de nossa instalação. Mas os pacientes, às vezes, vêm
de longe,
correndo o risco de agravar seus ferimentos ou mesmo morrer.
Isso nos faz pensar
sobre os obstáculos que impedem a prestação de serviços de saúde
de qualidade na
Síria atualmente, incluindo aqueles necessários a pessoas cujos
ferimentos não têm
relação com os conflitos, como os que sofrem acidentes de carro.
Quais são as principais dificuldades envolvidas em projetos
como este?
Para reduzir os riscos, a equipe médica na Síria está trabalhando de
forma discreta e
cautelosa e muitos dos hospitais em campo desaparecem com a mesma
rapidez com que
surgem. Nesse contexto, a existência de uma instalação como a nossa
é muito importante
para os feridos que precisam de assistência, mas é também uma
situação muito delicada.
Restrições em relação à segurança limitam nossos recursos e
capacidade. Um ferimento
típico de guerra demandaria uma média de cinco dias de internação.
Com exceção dos
casos mais sérios, nós, por vezes, temos dificuldade para manter as
pessoas nos hospitais
por mais tempo do que isso. Pacientes que moram próximo do
hospital ou que estão
hospedados com familiares e amigos nas redondezas podem
retornar para
acompanhamento ou para fazer curativos. Mas mesmo havendo
grande
solidariedade entre as pessoas daqui, e muitos pacientes
conseguem se manter
nas redondezas temporariamente, alguns deixam o hospital
e nós nunca mais
sabemos deles.
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