Com 16 anos de existência, o município de Mato Queimado, no noroeste
do Rio Grande do Sul, nunca passou por uma disputa eleitoral para a
prefeitura. Desde a primeira eleição municipal, em 2000, nunca houve
dois candidatos ao cargo de prefeito, restando ao concorrente único
apenas cumprir a formalidade e assumir o comando do município.
A cidade, situada a 480 quilômetros de Porto Alegre, tem apenas 1,8 mil
habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
e se emancipou-se em 1996 de Caibaté. Desde então, adotou um modelo
político singular. Segundo o prefeito Orcelei Dalla Barba, antes das eleições
as lideranças políticas dos quatro partidos existentes na cidade (PT, PMDB,
PTB e PP) se reúnem e decidem quem vai governar o município.
O escolhido é inscrito, então, como candidato único para disputar as eleições
municipais. Além disso, nunca houve qualquer candidato de oposição na
disputa pelas nove vagas da Câmara Municipal. Os vereadores sempre
disputam sob uma coligação única, que envolve os quatro partidos. O prefeito
explica que a ideia de se ter um consenso em torno de uma única
candidatura vem desde a época em que Mato Queimado buscava a emancipação.
“Tinha-se um histórico do município mãe [Caibaté] e nos municípios da região
havia muita disputa política, de muita desavença entre as comunidades em
função da disputa política. Queríamos construir algo diferente. Juntamos as
lideranças partidárias e entramos em um consenso. E esta já é a quarta
eleição na forma consensual, onde não há rivalidade política e onde há
respeito mútuo entre os partidos”, explicou Orcelei Dalla Barba.
Segundo ele, o processo de escolha do candidato único está aberto à
população e ressaltou que 40% do eleitorado local são filiados a algum
partido político. Segundo o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul
(TRE/RS), apenas 8% dos eleitores deixaram de votar nas eleições municipais
de 2008 e 10% votaram nulo ou em branco – o que demonstra que 82% dos
eleitores compareceram às urnas e apoiaram seu nome, explica. Nas duas
eleições anteriores, a maioria da população também havia votado em seu
antecessor, Nelson Hentz, que também será seu sucessor, pois é o único a
disputar as eleições deste ano.
“Existe um percentual pequeno da população, de pessoas que entendem que
deveria se ter uma abertura e uma oportunidade de escolha com dois ou mais
candidatos”, disse Dalla Barba. Segundo ele, caso algum eleitor não esteja
satisfeito, existe a possibilidade de concorrer por outro partido.
Para o paranaense Flavio Artur Birck, de 41 anos, proprietário de um posto
de gasolina na cidade, esse é um modelo político ideal, porque não há brigas
entre os políticos e a cidade funciona bem. “É muito bom. Somos um lugar
pequeno. Não sei se existe outro município no país que faz o que a prefeitura
daqui faz pelo contribuinte”, conta ele que mora em Mato Queimado desde 1981,.
Em relação aos vereadores, o morador conta que é comum os candidatos
fazerem campanha batendo de porta em porta. Nesta eleição, são 12 candidatos.
Todos da mesma coligação, “União por Mato Queimado”.
Já José Ori Paiva, que nasceu na área onde hoje é Mato Queimado há 45 anos
e trabalha na Câmara Municipal, concorda que o consenso em torno de uma
candidatura é benéfico porque evita rachas políticos que possam prejudicar a
comunidade, mas pondera. “Politicamente, se perde um pouco da democracia.
Talvez não seja da vontade de todos os moradores ter o candidato tal a
prefeito. Depois de aberto, livre [o processo], poderia ter outros candidatos.”
Para o pesquisador Geraldo Tadeu Monteiro, diretor do Instituto Universitário
de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), a falta da existência de oposição política
em Mato Queimado é realmente um problema para a democracia.
“Nos municípios onde há maior competição política, abre-se espaço para que os
problemas sejam debatidos de forma mais aberta. Quanto maior a competitividade
do sistema, melhor para a população, para que o poder público sofra mais pressão,
fiscalização e vigilância. Isso é uma regra geral”, explicou.
Segundo ele, a inexistência de uma oposição na Câmara dos Vereadores torna a
situação ainda mais problemática. “A função das oposições nos regimes
democráticos é muito de fiscalizar e criticar as ações do governo, exercendo
certa função de controle sobre o poder. E se o sistema não permite a existência
da oposição, ele continua operando de modo próprio, sem nenhum controle da
população, que favorece todo tipo de arranjo.”
O município de Mato Queimado tem uma economia majoritariamente agrícola e
um Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), de 0,739 (segundo
dados de 2009). O índice, medido pela Fundação de Economia e Estatística do
Rio Grande do Sul, avalia a educação, a saúde, a renda e o saneamento de cada
um dos 496 municípios gaúchos.
O Idese de Mato Queimado, que está abaixo da média estadual de 0,776, coloca
o município na 132ª posição. Mesmo comparando apenas com os 11 municípios
da microrregião de Cerro Largo, onde se situa a cidade, o Idese de Mato Queimado
está abaixo da média, de 0,757, e é apenas o sétimo colocado, atrás de Caibaté,
que tem índice de 0,746.
Segundo a prefeitura, o município tem quatro escolas públicas (sendo duas
municipais) e cinco postos de saúde, que atendem a pequenas emergências.
Caso haja problemas médicos mais graves, o município mantém convênios com
hospitais em municípios vizinhos maiores e três ambulâncias para transportar os
pacientes.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), das 620
casas do município, 601 são conectadas a uma rede de abastecimento de água
e 615 têm energia elétrica. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita alcança
R$ 13.431, e a renda média per capita nas famílias, R$ 573.
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