Entre as principais distorções no funcionamento da democracia
brasileira estão o abuso do poder econômico e o abuso do poder
político nas campanhas eleitorais, sendo que a ordem jurídica
incumbiu o Ministério Público de promover a responsabilização
dos implicados.
Mais especificamente no âmbito criminal, incumbe ao Ministério
Público buscar a punição dos autores dos crimes que maculam
a lisura dos pleitos, dentre os quais se destaca a corrupção eleitoral
(Art. 299 da Lei 4.737/65), por sua grande nocividade e por sua prática
ainda muito freqüente nos bolsões de pobreza.
Também nos crimes eleitorais, os integrantes do Ministério Público
estão em melhores condições de realizar investigações
verdadeiramente independentes, posto que os integrantes da Polícia
Judiciária são subordinados aos chefes do Poder Executivo e não
possuem as garantias de inamovibilidade, irredutibilidade de
vencimentos e vitaliciedade estando, portanto, mais susceptíveis
às ingerências e às pressões do poder político.
Infelizmente são tantas as formas e práticas de corrupção eleitoral
que a gente precisa, com urgência, fazer alguma coisa.
O artigo 299 do Código Eleitoral diz:
"Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem,
Pena - reclusão até 4 (quatro) anos e pagamento de 5 (cinco) a 15
(quinze) dias-multa."
Eis aí a reprimenda legal para a corrupção ativa e passiva, ou seja,
qualquer pessoa que queira influenciar no exercício do voto,
fazendo uso de benefício, a lei o tem por criminoso.
Tanto o candidato como o eleitor, caso se embrenharem pelos
caminhos das promessas, solicitações ou recebimentos, a lei os
chama de corruptos, portanto, criminosos.
É clássica a lembrança do candidato que doa uma parte da dentadura
e caso ganhe a eleição ele doará a outra parte; bem assim, o
candidato que doa uma botina e depois da eleição ele doará a outra
botina. São folclóricos exemplos de mutretas eleitorais.
Nesta época de eleições, avolumam-se os sentimentos de "bondade",
uns "arcanjos" candidatos, distribuem consultas médicas,
aviamentos de receitas em farmácias, encaminhamentos para
atendimentos por advogados e perante órgãos públicos; e
as "angelicais" criaturas, portadoras de "generosidade temporária",
pessoalmente, ou por seus cabos e sargentos eleitorais, acompanham
tudo de perto. Também, distribuem terrenos e materiais de construções.
Os três primeiros verbos, ou seja, dar, oferecer, prometer - expressam
a figura da corrupção ativa; já nos dois últimos - solicitar ou receber -
a figura da corrupção passiva surge. Curioso que o Código Eleitoral
não usou o verbo ‘aceitar' (concordar, estar de acordo, consentir,
anuir ao futuro recebimento), como fez o Código Penal no crime de
corrupção passiva (art. 317 do CP).
Em relação ao sujeito ativo, nos verbos de corrupção ativa (oferecer,
prometer ou dar) o crime é comum, qualquer pessoa em qualquer
situação pode cometê-lo, não exigindo o tipo que seja o candidato
aquele que dá, oferece ou promete vantagem em troca de voto, de
forma que terceira pessoa (extraneus) pode praticar o crime - por
interpositam personam. Portanto, o crime é comum e não de mão
própria. Crime de mão própria, como é cediço, é aquele que somente
o sujeito ativo (no caso hipotético, o candidato) em pessoa poderia
praticar, sendo impossível a co-autoria, mas possível a participação.
Assim, seja candidato ou alguém por ele ou terceiro, o crime estará
caracterizado. Se for alguém pelo candidato, haverá co-autoria ou
participação; se for terceiro que goste de um candidato, mas este sequer
sabia da compra de votos, somente o terceiro responderá (pelos verbos
da forma ativa).
Nos verbos de corrupção ativa, se houver uma coação física ou moral
para o eleitor receber a vantagem e dar seu voto, sem que tenha
espontaneidade, haverá o crime de boca de urna - artigo 39, § 5º, II,
da Lei nº 9.504/97.
O elemento subjetivo do tipo é o dolo, elemento intencional que nem
sempre aflora de forma direta, mas muitas vezes eventual (insinuação,
gestos, sempre assumindo o risco de produzir o resultado).
O dolo, todavia deve ser específico, ou seja, a intenção do sujeito ativo
deve visar a obtenção ou dação de voto ou sua abstenção, sendo que
somente pode votar ou abster-se de votar quem for eleitor. Logo, no
caso de alguém ser aliciado e não ser eleitor, não haverá tipicidade
penal, pois o crime é impossível (art. 17 do CP).
O dolo específico é, pois, a vontade do sujeito ativo (candidato ou não)
de corromper o eleitor para que este dê o seu voto ou abstenha-se em
troca de vantagem. A configuração do delito exige que o sujeito ativo
se comporte com o objetivo de buscar no eleitor que este dê o seu voto
ou abstenha-se de votar. É um ajuste que se faz para obter o voto ou
sua abstenção e não um mero serviço que se presta na suposição de
que o servido vá por gratidão, ou por reconhecimento, ajudá-lo,
uma vez que o voto é secreto e o servido, não tendo compromisso
solene, não se achará vinculado ao cumprimento da promessa.
Portanto, o candidato não fica tolhido da prática de atos normais
de doação, pela própria natureza da disputa em que se envolve,
como por exemplo, para efeito de propaganda (camisetas, brindes
etc. - art. 26 da Lei nº 9.504/97). O que a lei impede e incrimina é
o dolo específico, ou seja, é que a dádiva seja feita com a intenção
exclusiva de obter votos ou abster-se, fora das permissões legais ou
excedendo-as.
A objetividade jurídica é a lisura do pleito, é a democracia, ou seja,
impedir o abuso do poder econômico na compra de votos.
Ora, o combate à corrupção eleitoral está diretamente entrelaçado
à perspectiva de efetividade das sanções cominadas. A prática de atos
de corrupção, dentre outros fatores, sofre sensível estímulo nas
hipóteses em que seja perceptível ao corruptor ver reduzidas as chances
de que sua esfera jurídica venha a ser atingida em razão dos ilícitos que
perpetrou.
Por outro lado, a perspectiva de ser descoberto, detido e julgado, com a
conseqüente efetividade das sanções cominadas, atua como elemento
inibidor à prática dos atos de corrupção eleitoral.
Ainda que esse estado não seja suficiente a uma ampla e irrestrita coibição
à corrupção eleitoral, seu caráter preventivo é induvidoso. Além das
sanções que podem restringir a liberdade individual, é de indiscutível
importância a aplicação de reprimendas que possam, de forma direta ou
indireta, atingir o bem jurídico que motivou a prática dos atos de
corrupção, qual seja o patrimônio do agente.
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