segunda-feira, 25 de junho de 2012

PARAGUAI Paraguai: um homem não chega para mudar um país


Fernando Lugo, um ex-bispo relativamente moderado mas apoiado pela esquerda na
 sua eleição, foi deposto do lugar de Presidente do Paraguai. Apesar de se terem
 cumprido, formalmente, todos os requisitos legais, a deposição-relâmpago do presidente
 eleito, em apenas 30 horas, por causa de 17 mortes num conflito entre a polícia e 
sem-terra, foi considerada, na generalidade dos países latino-americanos, como um 
golpe de Estado. E o novo governo tenta agora romper o quase completo isolamento 
internacional.
A esquerda latino-americana (e não só) que pretenda transformar uma realidade social
 injusta de forma mais radical está consciente de uma coisa: não tendo o apoio das 
elites económicas e das elites políticas tradicionais, nunca lhe chega uma
 vitória eleitoral. Independentemente do que se pense sobre cada um dos
 presidentes eleitos, as tentativas de golpes de Estado na Venezuela e na Bolívia
 e os golpes nas Honduras e, há mais de três décadas, no Chile, são um aviso 
de que nunca se podem esquecer: aqueles que se lhes opõem não desistem de os 
derrubar por todos os meios.
Mas não é apenas isto. As transformações a que se propõem exigem um apoio
 popular organizado. São terrivelmente difíceis e para as conquistar não chega
 deter um poder formal que será subvertido - como foi nas Honduras e no Paraguai -
 à primeira oportunidade. Nem chega o carisma dos seus líderes. Não chega ser, 
como Lugo era chamado antes das últimas eleições, "o bispo do povo". É preciso que 
esse poder esteja apoiado numa forte base social, organizada e combativa. E para 
ela existir são precisos resultados concretos.
Claro que Lugo, como Zelaya, Allende, Chavez ou Evo Morales, tiveram do seu lado, 
ao contrário de Fidel e Raul Castro, a legitimidade do voto. Mas quem quer ir mais 
longe tem de ter do seu lado a democracia em ação. E a democracia, pelo 
menos para governos desta natureza, passa por iniciar a democratização real das 
sociedades dos seus países.
Lugo caiu e não teve, nesse dia, mais de 500 pessoas a manifestar-se
 por ele. Caiu e apenas 4 senadores votaram contra este golpe. Caiu e teve de
 aceitar a sua queda sem resistência. Caiu e nem o partido que o apoiava, o Partido
 Liberal Radical Autêntico, uma força tradicional paraguaia sem qualquer história de 
combate social, esteve do seu lado. Isto porque a vitória de Lugo não resultou de um
 movimento político estruturado e com implantação popular. Lugo venceu por 
causa de Lugo. E Lugo não chega para defender Lugo.
Para vencer eleições e tudo ficar na mesma basta um homem que vença uma
 eleição. O resto já lá estará, nas elites económicas e políticas, para o defender. 
Para mudar um país um homem não chega. E esta, entre muitas outras, é a 
razão porque desconfio de movimentos personalistas de esquerda, como, por
 exemplo, o "chavismo". Há uma grande diferença entre um movimento social e 
político e um movimento carismático. Um depende do poder que as pessoas
 conquistam para si próprias, o outro depende do poder que um homem providencial
 momentaneamente lhes ofereça. E o personalismo tem sido um dos maiores
 pecados da esquerda latino-americana.
Fernando Lugo caiu por causa de um confronto entre as forças policiais e camponeses 
sem-terra. Ou pelo menos esta foi a razão que a oposição, maioritariamente de direita
, apontou para a sua queda. A verdade é que, em quatro anos de poder, a 
realidade agrária do Paraguai não mudou. 1% dos proprietários continua a deter
 77% das terras - 351 proprietários detêm 9,7 milhões de hectares -, enquanto 40%
 dos pequenos proprietários rurais, camponeses, tem apenas 1%. 350 mil famílias
 rurais vivem em acampamentos de barracas.
Quando venceu as eleições, Lugo prometeu nacionalizar 8 milhões de hectares para 
depois os distribuir entre as 300 mil famílias sem-terra. Não cumpriu e a situação até
 piorou. Como muito bem escreveu o jornalista Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, 
"se Lugo alguma culpa tem nessa história, não é a de ter ordenado ou
 provocado o incidente, mas o de não ter conseguido fazer a reforma 
agrária que prometeu ao assumir em 2008". Assim como não conseguiu 
inverter a situação relativa ao Tratado de Itaipu, assinado com o Brasil, que
 permite ao Paraguai usar metade da energia produzida por aquela central eléctrica,
 que garante 20% das necessidades energéticas do Brasil. Continua, tal como antes, 
a usar apenas 5% (que garantem 95% das suas necessidades) e a vender o resto
 a preço de custo.
Se tivesse feito a reforma agrária e mudado a política energética não teria contado
 com a oposição que contou? Seria bem pior. Mas seguramente estariam, do seu lado, 
bem mais do que 500 manifestantes. E sua destituição administrativa teria sido 
bem mais difícil. É esta a lição: a quem queira governar pelos mais fracos é 
indispensável o voto dos mais fracos. Mas ele não chega. Precisa do apoio 
ativo e organizado dos mais fracos. Quem nada quer mudar pode desiludir 
quem nele vota. É quase da natureza das coisas. Mas quem se prepara para um 
combate tão difícil, como o de destruir as estruturas que garantem uma pornográfica
desigualdade, precisa de contar com o apoio comprometido dos destinatários das suas políticas.

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