sábado, 19 de maio de 2012

Um Rio de Janeiro falsamente ordenado Excesso de obras tenta maquiar o caos que o Rio de Janeiro vive desde o século XVI



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Obras e tragédias se multiplicam pelas ruas do Rio de Janeiro (JB)










Quanto à parte da beleza, pode haver controvérsia. Mas que o Rio de Janeiro é o 
purgatório do caos, disso não há como duvidar. Nos últimos dias, a vocação da
 cidade para a falta de controle tem sido testada e aprovada com louvor. Na terça 
passada, um sobrado centenário localizado na esquina entre as ruas do Lavradio e 
da Relação (colado no antigo prédio do jornal Tribuna da Imprensa) 
desabou – ratificando as palavras de Agostinho Guerreiro, presidente do 
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (Crea-RJ).
Para Guerreiro, ao menos 100 imóveis históricos da cidade, incluindo 
prédios tombados pelo patrimônio histórico, podem ruir a qualquer
 momento. O desastre ocorrido com os prédios na 13 de Maio nem precisa
 de maiores comentários, certo? Mas também houve o caso da árvore que
 demoliu o bar Planalto do Chopp, ali no Flamengo, pertinho de onde, há
 algumas semanas, a tradicional churrascaria Majórica virou… carvão.
 E isso é só o que tem acontecido recentemente, sem contar a expectativa
 da tragédia-anunciada-anual das chuvas de verão, o bonde sem freio
 de Santa Teresa, os bueiros explosivos. Isso tudo é normal?
Isso tudo é normal. O Rio sempre foi assim, desde 1565. A propensão
 típica do carioca/fluminense para a bagunça, somada ao desinteresse
 do poder público, gera esse estado de caos permanente, ao qual os 
habitantes vão se acostumando e com o qual vão convivendo. Faz parte 
do espírito da cidade – essa guerra cordial de todos contra todos, esse 
embaralhamento de ricos & pobres, de montanha & praia, de precariedade 
humana & natureza superlativa. Se, no Rio, o Brasil é mais brasileiro,
 aqui também se exacerbam as mazelas e as belezas do nosso contraditório povo.
Só que de um tempo para cá, tem gente querendo mudar essa história
 secular. Há uma nova estirpe de carioca à solta, e a nova guarda não 
quer saber de bagunça. Por isso mesmo, tratou de escolher como seus 
representantes no Poder Executivo essa “Gente Que Faz” (mas faz mesmo
?), que se preocupa com o verniz da eficiência e da gestão eficaz. Afinal, 
estamos a dois anos de receber uma Copa do Mundo, e a quatro de
 recebermos uma Olimpíada. A cidade precisa estar impecável, funcional,
 bonita e acima de tudo ordenada, para podermos fazer bonito diante dos
 olhos do mundo. Por isso é que o Rio está todo em obras – quer dizer, não 
todo, só do Centro à Barra, afinal esse é o trecho que interessa, não é?
 Há tapumes, andaimes e placas de “Homens trabalhando” em todos
 os cantos, num afã de ajeitar, em alguns anos, todas as gambiarras
 e defeitos estruturais que se acumularam ao longo de quatro séculos e meio.
Mas a vocação do Rio para a bagunça é maior que isso tudo. Somos,
 na feliz definição do jornalista Márvio dos Anjos, a capital mundial do
 terrorismo acidental: não precisamos de aviões batendo em torres
 gêmeas, aqui as torres caem por conta própria, por descaso, por jeitinho,
 por falta de fiscalização. E a cidade reage contra essa tentativa frenética
 de “arrumar a casa” acelerando a frequência de suas catástrofes.
 As árvores, os bueiros, os prédios desabando, tudo isso são as entranhas 
do Rio de Janeiro reagindo contra essa megaoperação de maquiagem 
que quer forçar a cidade a ser o que não é: uma metrópole arrumadinha
 e funcional. Não adianta: o “não funcionar” é intrínseco ao Rio de Janeiro.
 Não é agradável, cansa, irrita às vezes, mas lembrem-se que existem
 alternativas bem piores. A cidade está dizendo a seus governantes: 
“Querem trazer Copa, Olimpíada, o escambau, tragam. Mas não queiram
 mudar o mudar o meu jeito de ser. Não vai dar certo”.
Parafraseando o tal do Peter Kellemen, que teria dito que “O Brasil não
 é para amadores”, eu devolvo: o Rio de Janeiro não é para ‘coxinhas’*.
* Na gíria popular, “coxinha” é usado para designar pessoas repletas de
 regras e procedimentos
DE VOLTA AO T

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