O discurso foi inspirador. Em sua vinda ao Brasil, em meados de abril,
a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, disse que
a presidente Dilma Rousseff está estabelecendo um “padrão mundial”
na luta contra a corrupção. Dilma, por sua vez, cobrou mais transparência
do setor privado. Porém, as declarações aconteceram em meio a uma
série de denúncias envolvendo o contraventor Carlinhos Cachoeira,
políticos, servidores e empresários. Estamos tão bem assim no combate
à corrupção como defende a secretária do governo Obama? A população
brasileira tem esse sentimento de que as coisas estão melhorando?
Ela ainda se choca diante de escândalos de corrupção?
Para o professor de Ciência Política e diretor do Instituto Universitário
de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Geraldo Tadeu Moreira
Monteiro, “nós não estamos tão bem quanto pensa Hillary Clinton
, mas também não estamos tão mal quanto nós mesmos acreditamos”.
Se considerarmos, por exemplo, o Corruption Perception Index 2011,
ranking da corrupção mundial calculado pela ONG Transparency
International, veremos que o Brasil é o 73º numa lista de 187 países,
o que nos coloca como uma nação de corrupção mediana. Entre os países
da América Latina, o Brasil é considerado um dos menos corruptos,
só perdendo para Uruguai e Chile. E entre os Brics (grupo de países
emergentes formado por Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul),
o resultado também é positivo na avaliação do especialista: só perdemos
para a África do Sul. Monteiro considera, no entanto, que apesar disso,
o país ainda perde muito por conta da corrupção:
“Um estudo realizado em 2009 pelo Departamento de Competitividade
e Tecnologia da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) calculou
os prejuízos econômicos e sociais que a corrupção causa ao país.
O valor estimado é de R$ 69 bilhões por ano, o que representa
1,07% do PIB de 2009”.
O professor de Ciência Política e consultor do Centro de Estratégia,
Inteligência e Relações Internacionais (CEIRI) Marcelo Suano
também acredita que estamos começando a combater a corrupção:
“No discurso da secretária norte-americana fica nítido a crença em
valores que são sagrados e claros para os estadunidenses, mas ainda
não são completamente entendidos pelos brasileiros. Um deles é o
papel da sociedade civil no combate à corrupção e no trabalho pela
transparência. Lá, a sociedade se organiza, reivindica, pressiona os
partidos e o governo. É isso que significa a retórica de Hillary de que
a sociedade civil deve estar no controle da transparência dos governos.
Ela, infelizmente, não consegue dimensionar que há grandes diferenças
entre a sociedade civil norte-americana, que pode entender o que ela
pede, e a brasileira, que não consegue entender sua declaração
completamente”, diz ele, referindo-se à fala da secretária sobre a
necessidade de participação da sociedade civil no controle da
transparência dos governos.
Suano acredita que nossa sociedade ainda está em gestação e reduz
sua participação no combate à corrupção na denúncia dos atos
criminosos dos políticos, jogando a execução da fiscalização para
a imprensa. “Mais incrível ainda é atribuir ao governo também
este papel, esperando que ele crie leis e órgãos para tanto, esquecendo
que o governo é composto por pessoas investigáveis, que trabalham
tanto pela transparência quanto para impedir que ela se dirija a elas”,
afirma o professor. Para Suano, as descobertas feitas pela mídia servem
apenas para afastar o acusado de um cargo, mas não da política e
também não são capazes de obrigar os políticos a restituírem o que
eles desviaram.
“Estão ocorrendo investigações, afastamentos de cargos e punições
políticas, mas raramente jurídicas e criminais. Os que estão no poder e
querem a manutenção do status quo em que vivem acabam aceitando
que se mude alguma coisa pontualmente, mas não estruturalmente, para
que tudo permaneça como está. As perguntas-chaves são: quanto do
que foi desviado e descoberto já foi devolvido? E, quantos dos
envolvidos estão presos? Como se pode ver, não estamos tão bem
quanto entende a secretária de Estado dos EUA”, diz Suano.
A transparência propagada por Dilma no encontro com Hillary deve ser
elogiada, na opinião de Monteiro, que cita como exemplo a adoção
de pregões eletrônicos virtuais ou presenciais e a disponibilização
de informações ao contribuinte via Internet. “O Portal da Transparência
tem recebido vários prêmios por seu trabalho. Evidentemente, muita
coisa ainda tem de ser feita, especialmente para abrir as caixas-pretas
das licitações públicas”, pondera ele.
Suano é mais cauteloso. Ele também elogia a aprovação da Lei de
acesso a informações públicas, de novembro de 2011, mas defende
que ainda há distorções a serem corrigidas: “A discussão em torno
do sigilo acabou sendo borrada pelas questões de direitos humanos,
passado recente, etc. Não será surpresa que aconteça o que é tradição
no Brasil: faz-se uma lei; com ela aplaca-se a cólera do povo, ou
acalma-se a oposição e não se dá recursos (materiais, financeiros,
humanos e tecnológicos) para a sua aplicação. Com isso, temos
mais uma lei que se desgasta e cai no ridículo, apesar de ser essencial
para a vida do povo e o crescimento da sociedade”.
Suano acredita ainda que os afastamentos que ocorreram no governo
foram por necessidade política e por sobrevivência, e não por defesa
da transparência. “Deve-se, contudo, ressaltar que Dilma herdou um
governo praticamente montado e tem uma enorme tarefa de
reorganizá-lo, dando-lhe sua configuração específica sem incorrer no
rompimento com sua base, partido e consequente isolamento,
gerando ingovernabilidade. Não concordo com a alegação de
transparência, mas não se pode discordar que ela (Dilma) tem tentado
fazer neste aspecto mais do que foi feito nos últimos 20 anos,
independentemente de isso ser consciente, ou não, voluntário,
ou como último recurso”.
Apesar das declarações de Hillary e Dilma, Monteiro diz que pesquisas
mostram que, entre a população brasileira, há um sentimento de que
as coisas estão piorando. “Os inúmeros casos de corrupção denunciados
pela imprensa com base em investigações da Polícia Federal e do
Ministério Público fazem com que a população tenha esse sentimento.
Embora os governantes aleguem que agora a corrupção está sendo
combatida, o que é um argumento plausível, a percepção generalizada
é de aumento da corrupção”.
Suano também acredita que, diante dos resultados recentes de escândalos
e afastamentos de políticos, mas não de punição ou restituição dos bens
expropriados, fica a sensação de que as coisas estão mais difíceis, mas
continua a impunidade. “No limite, as pessoas veem que os corruptos
sabem que terão de trabalhar mais para não serem pegos, mas, se forem
, não serão punidos, por isso não deixarão de se arriscar. Os mais
esclarecidos percebem que o problema é estrutural e não adiantará
muito medidas pontuais se reformas estruturais não forem realizadas
Nenhum comentário:
Postar um comentário